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Reflexões sobre a nova coleção da Chanel e uso de símbolos brasileiros na moda

A grife francesa Chanel® lançou sua nova coleção inspirada no Brasil. A padronagem de diversas peças é baseada no Calçadão da Orla de Copacabana, um dos símbolos do Rio de Janeiro.

19/2/2021

(Imagem: Arte Migalhas.)

Nos últimos dias, a tradicional grife Francesa Chanel® lançou, mundialmente, sua coleção Spring Summer 2021. A novidade é que a coleção foi inspirada no Brasil.1

As peças fazem referência à mulher brasileira com um charme francês adotando, em diversas peças, uma sofisticada padronagem baseada no Calçadão da Orla de Copacabana.

Criada por Burle Marx, nos anos 70, o Calçadão de Copacabana é um dos símbolos do Rio de Janeiro. O conjunto de pedras portuguesas, embora não tenha sido originado em nosso país, se tornou referência mundial e estampa diversos itens “made in Brazil”.2

O uso de um dos símbolos brasileiros mais famosos da atualidade em uma coleção de moda nos leva a refletir sobre os limites jurídicos do uso de emblemas em artigos de vestuário e acessórios, ao exemplo de bandeiras, nomes de cidades e monumentos.

Vale lembrar que a Chanel® não é a primeira grife que lança coleções inspiradas em nosso país. Em 2019, a Louis Vuitton® lançou uma bolsa que estampava o nome da cidade do Rio de Janeiro em letras estilizadas. A questão também foi bastante tratada na época da Copa do Mundo realizada no Brasil, já que foi um período economicamente propício para esse tipo de atuação.  

Atualmente, não há nenhuma lei Federal determinando os limites do uso do nome Brasil e de nomes de Estados e Municípios (como Rio de Janeiro e São Paulo) para estampar artigos de vestuário e acessórios ou que estipule padrões a serem seguidos.

Apesar de a necessidade da prévia avaliação de leis internas, estaduais e municipais, a depender do caso concreto, na prática, temos visto que não existe uma robusta regulamentação desse tipo no país.

Se o interesse for o de registrar um desses nomes como marca, a Lei de Propriedade Industrial apenas estabelece que não poderão ser registrados os sinais que induzam o consumidor a uma falsa indicação quanto à origem e/ou procedência do produto. Em outras palavras, não se pode registrar uma marca com a expressão “made in Brazil” se os produtos identificados por essa forem fabricados na China.3

Os nomes de cidades e estados, atualmente, têm sido considerados de uso comum e não poderão ser registrados com exclusividade por nenhum titular. Nesse sentido, caso a marca proposta apresente uma estilização que não se confunda com aquela já adotada por outras empresas, será possível obter o registro.

Por outro lado, o emprego da Bandeira do Brasil, símbolo oficial do país, em roupas e acessórios é proibido, já que uma antiga lei, criada na época da Ditadura Militar (lei dos Símbolos Nacionais – 5.700/71), considera esse ato como um desrespeito à Bandeira Nacional4. Neste mesmo viés, o registro da bandeira como parte de uma marca também é expressamente vedado pela Lei de Propriedade Industrial.5

Com relação aos símbolos que se tornaram patrimônio nacional, como é o caso do Calçadão de Copacabana, do Cristo Redentor, do famoso Bondinho, entre outros, é importante avaliar cuidadosamente o caso concreto, pois é possível que o patrimônio seja protegido por direitos autorais.

Por exemplo, para utilizar a figura do monumento do Cristo Redentor é necessário solicitar uma autorização para a Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, responsável pelo seu licenciamento.6

Já o Calçadão de Copacabana, tombado como Patrimônio Cultural do Rio de Janeiro, apesar de ter sido criado pelo paisagista Burle Marx, remete a um calçamento em pedra Portuguesa introduzido no Rio de Janeiro no início do século XX, mas que já existia em Portugal, no Largo do Rossio de Lisboa. Assim, diante da antiga origem do desenho, que remete às ondas da praia, atualmente, não há relatos de proteção de direitos autorais relacionados ao patrimônio, que estampa desde sofisticadas padronagens estilizadas da Chanel até cangas, bermudas e biquínis.

Por se tratar de um assunto cuja legislação não é clara, é necessário que as eventuais implicações sejam sempre estudadas, de acordo com o projeto que será lançado, de modo a evitar possíveis violações a direitos de terceiros bem como a entidades governamentais.

Desde que os símbolos brasileiros sejam usados com o objetivo de enaltecer a cultura do país, ao exemplo do que renomadas grifes como Louis Vuitton®, Prada®, Gucc®i, a própria Chanel® – e mesmo consolidadas empresas brasileiras, como a Reserva® e a Osklem® – têm feito, pode-se dizer que o uso não viola a nossa soberania. Pelo contrário, ajuda a difundir, ao redor do mundo, o nosso rico patrimônio cultural.

3- Art. 124 da lei de Propriedade Industrial: Não são registráveis como marca:
X - sinal que induza a falsa indicação quanto à origem, procedência, natureza, qualidade ou utilidade do produto ou serviço a que a marca se destina

4- Art. 31 da Lei dos Símbolos Nacionais: São consideradas manifestações de desrespeito à Bandeira Nacional, e, portanto, proibidas:
III - Usá-la como roupagem, reposteiro, pano de boca, guarnição de mesa, revestimento de tribuna, ou como cobertura de placas, retratos, painéis ou monumentos a inaugurar

5- Art. 124 da Lei de Propriedade Industrial: Não são registráveis como marca:
I - brasão, armas, medalha, bandeira, emblema, distintivo e monumento oficiais, públicos, nacionais, estrangeiros ou internacionais, bem como a respectiva designação, figura ou imitação;

Larissa Nunes Pietoso
Advogada especialista em marcas do escritório Kasznar Leonardos | Propriedade Intelectual.

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