Migalhas de Peso

A atualização da lei de recuperação judicial e os novos benefícios as empresas devedoras

Dos diversos benefícios aos empresários trazidos pelas recentes alterações da lei de falências e recuperações judiciais.

17/2/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Há aproximadamente 15 anos entrou em vigor a lei 11.101/2005, denominada Lei de Falências e Recuperações Judiciais, com o objetivo principal de conceder aos empresários e suas empresas a possibilidade de superar eventual crise econômico-financeira também por meio de instrumentos jurídicos, denominados como "Recuperação Judicial" e "Recuperação Extrajudicial".

Quando a referida lei entrou em vigor foi considerada como uma salvação para muitos empresários, em razão da antiga lei 4.983/1966, usualmente chamada de "Lei da Concordata", ter se mostrado defasada em relação às práticas e ao formato das empresas, o que inviabilizava o reerguimento das empresas.

Desde o primeiro ano de sua vigência a lei 11.101/2005 foi considerada um sucesso, pois a maioria dos instrumentos e procedimentos nela previstos se mostraram atuais e condizentes com os interesses das empresas, seus credores e do Estado. Contudo, ao longo dos anos, foi constatado pelos profissionais do meio jurídico e pelos stakeholders a necessidade da realização de novas adequações a esta lei, razão pela qual foi criada a lei 14.112/2020, que alterou parcialmente a lei 11.101/2005.

A lei 14.112/2020, que entrou em vigor aos 23 de janeiro de 2020, trouxe diversos benefícios aos empresários e as empresas em crise econômico-financeira, tais como:

(i)        Prorrogação do prazo denominado "stay period":

O "stay period" ou "automatic stay" é um dos principais motivos pelo qual as empresas utilizam o instituto da Recuperação Judicial, em razão de se tratar de um período em que as ações promovidas em face da Recuperanda (empresa devedora) se encontram suspensas, para que não causem a inviabilidade da operação destas. Na lei 11.101/2005 havia previsão específica no sentido de que o "stay period" ocorreria pelo prazo improrrogável de 180 (cento e oitenta) dias.1 Contudo, ao longo dos anos foi constatado que tal prazo não se mostrava suficiente para que se chegasse ao momento da apreciação do plano de recuperação judicial, razão pela qual a lei 14.112/2020 alterou a referida previsão2 autorizando a renovação do "stay period" por mais 180, desde que seja comprovado que a Recuperanda não contribuiu para o atraso do andamento da Recuperação Judicial.

Tal alteração tem suma importância, pois com a nova redação da lei as Recuperandas não serão prejudicadas por eventuais fatos ocasionados por terceiros, a exemplo da conhecida lentidão do Poder Judiciário, que é comum em diversas regiões.

(ii)       Criação do "Stay Period" para a Recuperação Extrajudicial:

A Recuperação Extrajudicial foi pouco utilizada pelos empresários até hoje em razão também de inexistir, anteriormente a elaboração da lei 14.112/2020, o "stay period". Considerando tal situação e a necessidade de os empresários precisarem deste "fôlego" para reestruturar sua operação sem que seus planejamentos fossem inviabilizados por constrições judiciais, a lei 14.112/2020 introduziu o §8º3 ao artigo 163, que incluiu o "stay period" no procedimento da recuperação extrajudicial.

(iii)      Mediação antecedente a Recuperação Judicial:

Em consonância com diversas leis consideradas recentes, à exemplo do Código de Processo Civil, a lei 14.101/2020 introduziu diversos dispositivos na lei 11.101/2005 com o objetivo de incentivar a conciliação e a mediação, inclusive previamente a distribuição de processos de Recuperação Judicial e Extrajudicial. Em exemplo, cita-se o Artigo 20-B, §1º4, que trouxe um importante benefício para os empresários ao prever que as ações de execuções promovidas pelos seus credores deverão ser suspensas pelo prazo de até 60 (sessenta) dias, para que seja possível a realização de tentativa extrajudicial de composição com seus credores. Para que tal prazo seja concedido, a composição deve ser realizada por meio da mediação ou conciliação, bem como deve ser comprovado que a empresa preenche os requisitos legais para o eventual requerimento da recuperação judicial.

(iv)      Quórum para aprovação do plano de Recuperação Extrajudicial:

O artigo 163 da lei 14.112/2020 também facilitou a aprovação do plano de recuperação extrajudicial, pois diminuiu seu quórum para apenas metade dos créditos de cada classe abrangidos pelo plano, que anteriormente era de 3/5 (três quintos).

(v)          Prazo para pagamento dos credores trabalhistas na Recuperação Judicial:

Anteriormente a vigência das alterações trazidas pela lei 14.112/2020, era obrigatório que os créditos dos credores trabalhistas fossem integralmente quitados no período de até 1 (um) ano da sentença que homologasse o plano de recuperação judicial. Contudo, considerando que não era incomum que tal prazo inviabilizasse a recuperação das empresas, a nova lei incluiu na lei 11.101/2005 o §2º5 do artigo 54, que autoriza o pagamento dos créditos trabalhistas em até 2 (dois) anos da referida homologação, desde que (1) sejam apresentadas garantias do pagamento; (2) que os créditos sejam quitados no seu valor original e (3) que o prazo de pagamento seja aprovado pela maioria simples dos credores trabalhistas presentes na assembleia geral de credores.

(vi)       Possibilidade de diminuição do prazo de fiscalização do plano de recuperação:

A lei 14.112/2021 alterou o artigo 61 da lei 11.101/2005 para autorizar que o prazo de fiscalização do plano de recuperação judicial seja diminuído para período inferior a 2 (dois) anos. A diminuição de período, que anteriormente era pré-fixado em exatamente 2 (dois) anos, é um grande benefício as Recuperandas, pois, infelizmente, o mercado ainda possui um enorme receio e até preconceito com empresas que se encontram com o processo de Recuperação Judicial ativo.

Assim, o encerramento da recuperação judicial em período inferior a 2 (dois) anos trará mais "credibilidade" a empresa junto ao mercado e seus fornecedores, bem como facilitará a obtenção de crédito perante instituições financeiras e fundos.  

Apenas os benefícios acima indicados já são suficientes para demonstrar que as novas alterações a lei 11.101/2005 auxiliará os empresários e suas empresas a superar eventual crise econômico-financeira, ressaltando-se, novamente, que neste artigo foram indicadas apenas algumas das vantagens trazidas aos empresários pela lei 14.112/2020, considerando tanto estas como outras serão esmiuçadas nos próximos artigos.

----------

1 Art. 6º, § 4º da lei 11.101/2005: "Na recuperação judicial, a suspensão de que trata o caput deste artigo em hipótese nenhuma excederá o prazo improrrogável de 180 (cento e oitenta) dias contado do deferimento do processamento da recuperação, restabelecendo-se, após o decurso do prazo, o direito dos credores de iniciar ou continuar suas ações e execuções, independentemente de pronunciamento judicial."
2 § 4º Na recuperação judicial, as suspensões e a proibição de que tratam os incisos I, II e III do caput deste artigo perdurarão pelo prazo de 180 (cento e oitenta) dias, contado do deferimento do processamento da recuperação, prorrogável por igual período, uma única vez, em caráter excepcional, desde que o devedor não haja concorrido com a superação do lapso temporal.
3 § 8º Aplica-se à recuperação extrajudicial, desde o respectivo pedido, a suspensão de que trata o art. 6º desta lei, exclusivamente em relação às espécies de crédito por ele abrangidas, e somente deverá ser ratificada pelo juiz se comprovado o quórum inicial exigido pelo § 7º deste artigo.
4 § 1º Na hipótese prevista no inciso IV do caput deste artigo, será facultado às empresas em dificuldade que preencham os requisitos legais para requerer recuperação judicial obter tutela de urgência cautelar, nos termos do art. 305 e seguintes da lei 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), a fim de que sejam suspensas as execuções contra elas propostas pelo prazo de até 60 (sessenta) dias, para tentativa de composição com seus credores, em procedimento de mediação ou conciliação já instaurado perante o Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc) do tribunal competente ou da câmara especializada, observados, no que couber, os arts. 16 e 17 da lei 13.140, de 26 de junho de 2015.
5 § 2º O prazo estabelecido no caput deste artigo poderá ser estendido em até 2 (dois) anos, se o plano de recuperação judicial atender aos seguintes requisitos, cumulativamente:
I - apresentação de garantias julgadas suficientes pelo juiz; II - aprovação pelos credores titulares de créditos derivados da legislação trabalhista ou decorrentes de acidentes de trabalho, na forma do § 2º do art. 45 desta Lei; III - garantia da integralidade do pagamento dos créditos trabalhistas.   

Laio Gastaldello Zambelo
Sócio do escritório Barelli & Gastaldello Advogados Associados. Especialista em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo e em Direito Empresarial pelo INSPER tendo realizado curso de extensão no ramo de Direito Empresarial na Universidade Fordham - NY.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Artigos Mais Lidos

Regulação do uso de IA no Judiciário: O que vem pela frente?

10/12/2024

Devido processo legal na execução trabalhista: Possíveis desdobramentos do Tema 1232 da repercussão geral do STF

9/12/2024

Cláusula break-up fee: Definição, natureza jurídica e sua aplicação nas operações societárias

9/12/2024

O que os advogados podem ganhar ao antecipar o valor de condenação do cliente?

10/12/2024

Insegurança jurídica pela relativização da coisa julgada

10/12/2024