De acordo com o art. 1º da lei 4.886/65, a representação comercial pode ser exercida por pessoa física ou jurídica, que, sem relação de emprego, desenvolve a mediação de negócios comerciais, de forma não eventual, agenciando propostas ou pedidos, que são transmitidos ao representado, praticando ou não atos relacionados à execução de tais negócios.
Quando desempenhada por pessoa física, a representação comercial é definida dentro do gênero relação de trabalho, enquadrando-se na espécie de trabalho autônomo, no qual não se verifica a subordinação jurídica. Justamente pela ausência de subordinação, não se pode falar em relação de emprego na representação comercial, não preenchendo os requisitos dos artigos 2º e 3º da CLT. Neste sentido, inclusive, pontua o doutrinador Amauri Mascaro do Nascimento que:
"Não se confundem, embora apresentem alguns pontos comuns, representação comercial e relação de emprego, a primeira um contrato de prestação de serviços autônomos pertencentes à esfera do direito comercial, a segunda um vínculo empregatício que se insere no âmbito do contrato individual de trabalho, regendo-se pela lei trabalhista.
(...) a lei não solucionou a questão da diferença entre representante comercial autônomo e vendedor empregado. Tudo dependerá do caso concreto e do modo como o trabalho da pessoa física que faz intermediação de negócios, agenciando propostas ou pedidos, para transmiti-los aos representados, praticando ou não atos relacionados com a execução dos negócios, o fará.
Diante desse quadro, a primeira tarefa do intérprete será, por exclusão, verificar se estão afastados os dados configuradores da condição de empregado. Convencendo-se que sim, então examinará o contrato escrito de representação comercial e não aplicará a legislação trabalhista, o que explica a desorientação da jurisprudência, que ora interpreta, numa questão, que o contrato é de representação comercial, ora que é uma relação de emprego." (2011, p. 1037/1038).
Desde a entrada em vigor da EC 45/2004, foi consagrado o entendimento de que seria da Justiça do Trabalho a competência para apreciação de demandas envolvendo representante comercial pessoa física, já que este contrato estaria abrangido na expressão "relação de trabalho" mencionada no art. 114, incisos I e IX, da Constituição Federal.
Sendo assim, a competência da Justiça do Trabalho abrangeria tanto as ações em que o representante comercial postula reconhecimento de vínculo empregatício, defendendo a nulidade do negócio jurídico comercial, quanto nas hipóteses em que se pretende a discussão da relação mercantil, com os direitos e deveres inseridos na lei 4.886/65.
O Tribunal Superior do Trabalho consagrou sua jurisprudência neste sentido, consoante se extrai da seguinte ementa:
"(...) LIDE DECORRENTE DE CONTRATO DE REPRESENTAÇÃO COMERCIAL CELEBRADO POR PESSOA FÍSICA. COMPETÊNCIA MATERIAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO. Desde a Emenda Constitucional 45/2004, a competência desta Justiça Especializada foi significativamente ampliada para albergar todas as relações de trabalho entre pessoas físicas, e não mais apenas as lides decorrentes do vínculo de emprego. Na hipótese dos autos, o autor, na qualidade de representante comercial autônomo, pleiteia parcelas do contrato civil estabelecido com a ré. Não se trata, assim, de lide civil entre pessoas jurídicas, mas de discussão em torno do trabalho prestado por pessoa física, a atrair a competência da Justiça do Trabalho, nos exatos termos do artigo 114, I, da Constituição Federal. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido" (RR - 1423-08.2010.5.15.0129, 7ª Turma, Redator Ministro Cláudio Mascarenhas Brandão, DEJT 05/07/2019)
Recentemente, contudo, o Supremo Tribunal Federal definiu que a competência da Justiça do Trabalho se limita às ações em que há discussão da existência de relação de emprego mascarada pela representação comercial, não sendo atribuição da Justiça Laboral o processamento de ações em que se discute ajuste regularmente constituído com base na lei 4.886/65. Neste sentido, decidiu a Corte Suprema, em sede de repercussão geral, que:
"Direito Constitucional e do Trabalho. Repercussão Geral. Contrato de representação comercial. Autônoma, regido pela Lei nº 4.886/65. Não configuração de relação de trabalho prevista no art. 114, CF. 1. Recurso Extraordinário interposto contra decisão proferida pelo Tribunal Superior do Trabalho, em que se alega afronta ao art. 114, incisos I e IX, da Constituição Federal, com redação dada pela EC 45/2004. Na origem, cuida-se de ação de cobrança de comissões sobre vendas decorrentes de contrato de representação comercial autônoma, ajuizada pelo representante, pessoa física, em face do representado. 2. As atividades de representação comercial autônoma configuram contrato típico de natureza comercial, disciplinado pela Lei nº 4.886/65, a qual prevê (i) o exercício da representação por pessoa jurídica ou pessoa física, sem relação de emprego, que desempenha, em caráter não eventual por conta de uma ou mais pessoas, a mediação para a realização de negócios mercantis e (ii) a competência da Justiça comum para o julgamento das controvérsias que surgirem entre representante e representado. 3. Na atividade de representação comercial autônoma, inexiste entre as partes vínculo de emprego ou relação de trabalho, mas relação comercial regida por legislação especial (Lei n° 4.886/65). Por conseguinte, a situação não foi afetada pelas alterações introduzidas pela EC n° 45/2004, que versa sobre hipótese distinta ao tratar da relação de trabalho no art. 114 da Constituição. 4. A proteção constitucional ao trabalho não impõe que toda e qualquer relação entre o contratante de um serviço e o seu prestador seja protegida por meio da relação de trabalho (CF/1988, art. 7º). Precedentes. 5. Ademais, os autos tratam de pedido de pagamento de comissões atrasadas. O pedido e a causa de pedir não têm natureza trabalhista, a reforçar a competência do Juízo Comum para o julgamento da demanda. 6. Recurso extraordinário a que se dá provimento, para assentar a competência da Justiça comum, com a fixação da seguinte tese: "Preenchidos os requisitos dispostos na Lei 4.886/65, compete à Justiça Comum o julgamento de processos envolvendo relação jurídica entre representante e representada comerciais, uma vez que não há relação de trabalho entre as partes". (RE 606003, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 28/09/2020, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-248 DIVULG 13-10-2020 PUBLIC 14-10-2020)
O entendimento adotado teve como um dos fundamentos a previsão do art. 39 da lei 4.886/65, segundo o qual:
"Art. 39. Para julgamento das controvérsias que surgirem entre representante e representado é competente a Justiça Comum e o foro do domicílio do representante, aplicando-se o procedimento sumaríssimo previsto no art. 275 do Código de Processo Civil, ressalvada a competência do Juizado de Pequenas Causas".
Percebe-se a preocupação da Corte Suprema em determinar que a competência da Justiça Comum é circunscrita tão somente ao julgamento de demandas das relações em que há preenchimento dos requisitos legais da representação comercial.
A crítica que se faz à decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal é no sentido de que inequivocamente a representação comercial por pessoa física se enquadra no conceito de relação de trabalho abarcado no art. 114 da Constituição Federal. O só fato de ser também uma relação de natureza comercial não modificaria tal constatação, porquanto verificada a força de trabalho humana na movimentação de riquezas. Diante disto, o art. 39 da lei 4.886/65 não teria sido recepcionado pelo texto constitucional vigente, em observância à hierarquia das fontes, pois contrário ao comando fixado na emenda 45/2004. Desta forma, parte da doutrina entende que deveria ter prevalecido a divergência dos Ministros Marco Aurélio, Edson Fachin e Rosa Weber.
No entanto, estando a palavra final acerca da interpretação constitucional nas mãos do Supremo Tribunal Federal, o entendimento que deve prevalecer é que a Justiça do Trabalho será competente para apreciar apenas as ações com pleito de reconhecimento de vínculo empregatício, sob alegação de fraudulenta representação comercial, com pedidos oriundos das normas celetistas. Já as demandas em que se pretende discutir tão somente direitos estabelecidos na lei 4.886/65 devem ser propostas perante a Justiça Comum.
A problemática surge quando a parte propõe a demanda visando o reconhecimento da relação empregatícia e o recebimento de parcelas que lhe são oriundas, mas, se tais pedidos não foram acolhidos, sucessivamente, demanda verbas típicas da representação comercial. Neste caso, parece que o Juízo Laboral deveria apreciar os pedidos de sua competência e extinguir sem resolução do mérito os relacionados à lei 4.886/65, aplicando-se analogicamente o disposto no art. 45, §§ 1º e 2º, do Código de Processo Civil.
Outra questão que se apresenta é a extensão do entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal a outras formas de relação de trabalho, em especial de autônomos. Contudo, analisando-se de forma pormenorizada a ratio decidendi do julgado, verifica-se que a existência de lei ordinária definidora da competência foi fundamental para o resultado do julgamento, o que não se verifica em diversas outras relações de trabalho. Da mesma forma, a definição do contrato como comercial foi levada em consideração para o resultado do julgamento, o que, de igual modo, não se vislumbra em outras relações de trabalho autônomas. Com base em tal constatação, seria precoce a adoção da conclusão que afasta a competência da Justiça Especializada para apreciar outras formas de relação de trabalho.
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BRASIL. Código de Processo Civil. Acesso em: 23/11/2020.
_______. Consolidação das Leis Trabalhistas. Acesso em: 23/11/2020.
_______. Constituição Federal. Acesso em: 23/11/2020.
_______. Lei 4.886/65. Acesso em: 23/11/2020.
_______. Supremo Tribunal Federal. RE 606.003. Acesso em: 23/11/2020.
_______. Superior Tribunal do Trabalho. Recurso de revista 1423-08.2010.5.15.0129. Acesso em: 23/11/2020.
NASCIMENTO, Amauri Mascaro Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho: relações individuais e coletivas do trabalho / Amauri Mascaro Nascimento. – 26. ed. – São Paulo: Saraiva, 2011.