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Lei 16.722/19: licitações, programa de integridade e mercado

Programas de Integridade não são apostas de “tendência” nem devem ser vistos como mero custo regulatório. São sinal de maturidade e acompanham os movimentos globais.

17/2/2021

(Imagem: Arte Migalhas.)

O empresariado brasileiro, ainda que indiretamente, foi (e é) forjado, em grande conta, a partir das contratações com o Poder Público (e das relações que delas são decorrentes). Em 2020, por exemplo, o Estado de Pernambuco alcançou, de acordo com o Portal da Transparência, a rubrica de R$ 1.078.846.907,78 destinada a 1.590 contratos – o menor valor desde 2017, a propósito, quando a soma superou os R$ 3 bilhões. 

Esse dado ilustrativo reflete que as normas e regulamentos que envolvem as licitações acabam por repercutir, em verdadeira sinergia, com toda a cultura empresarial do País. É possível arriscar dizer que, para além do procedimento de contratações público-privado, as licitações exercem verdadeiro poder regulatório, ditando tendências de mercado, inclusive para as empresas que não celebram contratos administrativos. Neste sentido, a imposição de conformidade tem moldado a tônica empresarial.  

Desde 2013, com a publicação da lei 12.846/13 (conhecida como a lei Anticorrupção), expressões como “compliance” e “programa de integridade” têm integrado as reuniões de diretoria e os planos de ação das auditorias independentes. Houve grande movimentação no mercado, é verdade, especialmente diante das repercussões criminais da referida lei. No entanto, ainda é comum encontrar negócios sem uma formatação de integridade robusta – ou com normas e regulamentos meramente ilustrativos.  

Mais recentemente, o Estado de Pernambuco editou a lei 16.722, de 9 de dezembro de 2019. A lei Estadual apresenta verdadeira estruturação do que chama “Programa de Integridade”. Com o indispensável comprometimento da alta administração das empresas, o programa deve providenciar uma estrutura interna de padronização de comportamentos desviantes, aplicação de punições e canal de denúncias. Programas meramente formais que não tenham sido verdadeiramente incorporados à cultura empresarial serão considerados “atos lesivos” (nos termos do artigo 5º da lei Anticorrupção). O Programa de Integridade passa a ser compreendido como pilar da capacidade da empresa de executar o objeto contratado. Sem os parâmetros éticos e de conformidade, não há que se falar, então, em idoneidade contratual.   

Pouco mais de um ano após sua publicação e a um ano de sua exigibilidade (a partir de janeiro de 2022 o Programa de Integridade já será exigido para contratos de obras, de serviços de engenharia e de gestão com a administração pública que possuam valor global igual ou superior a R$ 10 milhões), a lei 16.722/19 parece encontrar cenário ideal para sua aderência. Isso porque, com a entrada em vigor da LGPD (lei 13.709/18) em setembro de 2020, o empresariado brasileiro tem se movimentado no sentido de analisar, rever e conciliar os seus procedimentos, as suas políticas e as suas diretrizes. A unificação dos esforços, notadamente para leis de inspirações tão semelhantes (ao final, visam à transparência e à idoneidade), é inteligente e garante atuação otimizada.  

Os programas de compliance, de adequação à LGPD e de integridade representam verdadeiro diferencial competitivo. Isso porque, paralelamente às expectativas do Poder Público, empresas que possuem padrões éticos consolidados têm não somente o poder de se “vender” como tanto, mas, e talvez especialmente, assumem o compromisso inevitável de exigir padrões semelhantes das empresas com as quais se relacionam.  

Programas de Integridade não são apostas de “tendência” nem devem ser vistos como mero custo regulatório. São sinal de maturidade e acompanham os movimentos globais.

Nathalia De Biase Mulatinho
Advogada da unidade de Direito Empresarial de Martorelli Advogados.

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