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Utilização de criptomoedas para integralização do capital social de empresas

No presente artigo, busca-se analisar a possibilidade de utilização de criptomoedas na integralização do capital social de empresas, disposto no oficío 4.081/2020.

12/2/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

No dia 20 de outubro de 2019 através do ofício circular 4.081/2020, a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação do estado de São Paulo informou que, a partir de agora, há possibilidade de utilização de criptomoedas para a integralização do capital social de empresas.

O ofício foi expedido após consulta formal realizada pela Junta Comercial do Estado de São Paulo questionando a natureza jurídica das criptomoedas, a possibilidade de utilizá-las na integralização do capital social, bem como as formalidades necessárias para a realização de seu registro.

Inicialmente, para melhor compreensão do tema, faz-se necessário expor a natureza jurídica do capital social bem como o conceito de criptomoedas, para posterior análise da legislação vigente.

O capital social é o montante bruto inicial e essencial para o início das atividades e que deve estar previsto no estatuto social da empresa, isto é, são os valores ou bens disponibilizados pelos sócios no momento da criação do negócio.

Na definição de José Luiz Bulhões Pedreira e Alfredo Lamy Filho, capital social "é a cifra, fixada no estatuto social, do montante das contribuições prometidas pelos sócios para formação da companhia que a lei submete a regime cogente, cujo fim é proteger os credores sociais", ato este, também conhecido no direito inglês por "doctrine of capital maintenance" e assenta-se na ideia da limitação da responsabilidade dos sócios1, ou seja, a "doctrine of capital" maintenance defende que o capital das sociedades serve como um fundo de garantia aos credores"2.

Ou ainda, nas palavras de Marlon Tomazette (2017) "nas sociedades em geral, o capital social é formado pela soma das contribuições dos sócios, que são destinadas à realização do objeto social e representa aquele patrimônio inicial, indispensável para o início das atividades sociais. O capital cumpriria três funções básicas: a função de produtividade, a função de garantia e a função de determinação da posição do sócio"3

Por sua vez, as criptomoedas (ou criptoativos) são ativos virtuais, protegidos por criptografia, não residindo em qualquer registro digital de nenhuma instituição financeira, mas sim, presentes exclusivamente em registros digitais, cujas operações são executadas e armazenadas em uma rede de computadores. Dentre os maiores exemplos, temos o Bitcoin, Ethereum e o Tether.

Esses ativos surgiram com a intenção de permitir que indivíduos ou empresas efetuem pagamentos ou transferências financeiras eletrônicas diretamente a outros indivíduos ou empresas, sem a necessidade da intermediação de uma instituição financeira. Tal propósito serviria - inclusive - para pagamentos ou transferências internacionais.4

A lei de Sociedades Anônimas (lei 6.404/1976) em seu artigo 7º, dispõe que o capital social poderá ser formado com contribuições em dinheiro ou em qualquer espécie de bens suscetíveis de avaliação em dinheiro.

De mesmo modo, prevê o artigo 997, inciso III, do Código Civil brasileiro, onde o capital da sociedade, expresso em moeda corrente, pode compreender qualquer espécie de bens, suscetíveis de avaliação pecuniária.

Assim, tendo em vista que os criptoativos são passíveis de avaliação em dinheiro, isto é, é possível mensurá-los e precificá-los em valores reais, compreende-se a possibilidade de utilizá-los na integralização do capital social de uma empresa nos termos da lei.

Entretanto, há de se atentar que a Lei de Sociedades Anônimas impôs restrições na utilização de bens para a integralização do capital social, ao excluir bens estranhos ao objeto social da empresa.

Não se pode, com efeito, conceber a conferência de bens que não tenham uma função de produtividade e, portanto, de instrumento de realização dos fins empresariais da companhia, enunciados em seu objeto social. Daí decorre que não se pode admitir a entrada de qualquer bem para a conta de capital que não tenha uma utilidade efetiva e concreta para a empresa. [...] Desse modo, a formação do capital com contribuições em bens não relacionados com a realização do objeto social não pode ser admitida"5.

Superada esta questão, eis que surge outra preocupação, qual seja, a alta volatilidade característica dos criptoativos.

Ainda que a volatilidade seja resultado da relação "oferta e demanda", assim como ocorre no mercado acionário, de acordo com seu histórico, não se pode comparar com variação de preço presente no mercado de criptomoedas, que se mostra muito maior, trazendo maior insegurança no que diz respeito principalmente a sua reserva de valor e consequentemente na sua precificação.

Para Renan Luiz da Silva, administrador do escritório Geral da Jucesp na Associação Comercial de São Paulo, a integralização tem gerado reflexões sobre o principal ponto, que é a forma como elas (criptomoedas) são voláteis, pois no decorrer do tempo pode gerar algum tipo de conflito entre sócios e terceiros6.

Sendo assim, é de grande valia que se encontre uma forma de avaliar os criptoativos de modo mais seguro, a fim de evitar uma distorção no valor real da empresa.

Uma opção já cogitada, seria simplesmente realizar a venda do ativo (criptomoeda), e posteriormente utilizar o montante obtido para compor o capital social. Entretanto, os órgãos competentes não buscam por meios alternativos aos criptoativos, mas sim formas de utilizá-los na composição do ato constitutivo,

Portanto, temos que a utilização dessa modalidade de ativos para a integralização de capital social de uma empresa é totalmente possível, desde que respeitadas algumas condições impostas pela legislação. Assim, estamos diante de mais uma alternativa de bens suscetíveis de avaliação em dinheiro, abrindo maior possibilidade de constituição de uma empresa.

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1 LAMY FILHO, Alfredo e PEDREIRA, José Luiz Bulhões. Direito das Companhias. 1ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, 1° vol. p. 193.
2 Coelho, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, Volume 2. São Paulo: Saraiva, 2005.
3 TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: Teoria geral e direito societário. V. 1. 8.ed. São Paulo: Atlas, 2017
4 Disponível aqui.
5 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, v. 1, pp. 59 e 60
6 Disponível aqui.

Gabriel Magalhães Comegno
Bacharel em Direito pela Instituição Toledo de Ensino – ITE. Auxiliar jurídico no escritório Santiago Comegno Advocacia. Co-fundador da página Empresarial Direito.

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