Migalhas de Peso

A importância das investigações corporativas e a gestão dos riscos empresariais

A investigação interna tornou-se um instrumento juridicamente relevante e imprescindível como forma de melhor organizar e gerir os riscos da atividade empresarial, especialmente em tempos atuais, nos quais a imagem da companhia é um bem de valor incomensurável.

10/2/2021

(Imagem: Arte Migalhas.)

É inegável que as empresas têm assumido um papel proeminente na vida das pessoas e com o aumento da privatização de diversas atividades públicas, tradicionalmente conduzidas pelo Estado, essa realidade tem se apresentado de forma mais pungente. Além disso, com o crescimento do consumo e do acesso aos bens e serviços por parte da população, é certo que mais pessoas se tornam vulneráveis a eventuais falhas nesses processos produtivos, tornando a empresa um personagem com ampla relevância jurídica. Por isso mesmo muito se fala em formas de responsabilização derivadas da falha na condução da atividade econômica, considerando que se trata de verdadeira fonte de perigo digna de vigilância.

A Constituição da República já autoriza a punição das pessoas jurídicas no aspecto criminal, considerando que a atividade econômica não pode se mover apenas por interesses particulares de seus gestores ou movida pelo simples intento de lucro. Segundo nosso Texto Magno, empresas também têm deveres com o público que a tornam digna de punição em caso de descumprimento. É bem verdade que essa responsabilização penal ainda é bastante tímida no ordenamento jurídico. No caso brasileiro, ainda é restrita aos casos de crimes ambientais – e mesmo assim não tem sido um debate simples. De todo modo, a responsabilidade das empresas já não é um tema limitado ao campo acadêmico.

Inclusive, após o advento da lei 12.846/13 (conhecida como lei Anticorrupção), está mais do que evidente o interesse do Estado em regulamentar a atividade econômica na intenção de impor limites a ela, especialmente quando tratam de atividades de cunho público, em que há contratação de particulares por entes estatais. A referida legislação traz como inovação a possibilidade de responsabilização objetiva de empresas que estejam vinculadas a atos lesivos à administração pública, como pode ser uma licitação fraudulenta, uma contratação irregular ou mesmo a prática de corrupção no sentido clássico, com o pagamento de vantagens indevidas a servidores públicos. Todo esse contexto demanda da pessoa jurídica uma nova abordagem em relação à sua organização interna a ponto de torná-la menos vulnerável a punições.

A propósito, cabe destacar que as punições da lei Anticorrupção em muito se assemelham às punições criminais da lei de Crimes Ambientais, mas apresentam certas peculiaridades que a tornam até mais rigorosa. Um exemplo disso está na desnecessidade de prévio processo judicial, sendo possível a punição tão somente com o processo administrativo.

É preciso, pois, que a empresa esteja atenta a essa nova realidade imposta à atividade econômica.

Um dos principais mecanismos à disposição das empresas na atuação em casos dessa natureza está na instauração das denominadas investigações internas (ou corporativas). Esses procedimentos se constituem em ferramenta importante não só para conter ilícitos empresariais, munindo a pessoa jurídica de material para melhor formatação de sua estratégia de prevenção e punição dessas irregularidades, como também se configura num interessante instrumento de avaliação e gestão de riscos jurídico-éticos derivados da atividade econômica desenvolvida.

Veja-se que a investigação interna nada mais é do que um instrumento privado de apuração de condutas sob a condução da própria pessoa jurídica. Significa que caberá à própria empresa apurar as irregularidades cometidas em sua estrutura, ouvir os envolvidos, colher a documentação pertinente e, após isso, decidir qual será o melhor encaminhamento da questão sempre dentro de seus interesses e estratégias.

Embora pareça um contrassenso numa primeira impressão, a investigação interna é um importante instrumento de proteção da pessoa jurídica.

O primeiro aspecto importante está na possibilidade de redução ou anulação de sanções impostas à empresa. A lei Anticorrupção trata de modo distinto as empresas que se propõe em criar programas de prevenção de ilicitudes e, sobretudo, em apurar e colaborar com o Estado na contenção desses comportamentos proibidos. Aliás, uma forma de redução de responsabilidades está no acordo de leniência, e isso só é possível diante de um farto material probatório que desperte o interesse das autoridades públicas. Eis aí um dos nichos da investigação interna.

O segundo aspecto está na própria imagem da empresa no mercado, inclusive em casos que não estejam amparados na lei Anticorrupção. Casos recentes envolvendo grandes corporações, como uma rede supermercadista, uma emissora de televisão e um clube de futebol, demonstraram o papel de relevância que uma investigação interna pode ter na condução e gestão dos casos irregulares apurados na empresa. Nos dois primeiros casos, envolvendo casos de racismo e assédio sexual, viu-se o prejuízo que a falta de uma investigação interna pode culminar na imagem da empresa no mercado e no próprio consumidor, que passa a associar a marca a valores deturpados ou enxergá-la como verdadeira cúmplice de práticas reprováveis. No terceiro caso, envolvendo um clube de futebol e acusações de doping, a pronta apuração do caso por parte da instituição não só detectou falhas graves no setor de nutrição dos atletas – o que culminou na mistura de substância ilícita na suplementação – como foi crucial a própria imagem do jogador envolvido, pois lhe preservou de infundadas acusações nos tribunais esportivos, tendo sido punido apenas com uma sanção simbólica.

Ou seja, não é apenas para casos de repercussão criminal ou de responsabilidade administrativa que a investigação interna se presta. Ela é um instrumento mais amplo e nitidamente vantajoso à empresa em diversos aspectos, ainda que num primeiro momento seja necessário desnudar falhas empresariais. Até porque não se consegue mudar ou alterar parâmetros sem antes saber onde eles falham. E aqui novamente surge a investigação interna como importante alternativa. Pois ela não só é um instrumento de apuração da irregularidade, como também é um mecanismo de correção de falhas e aperfeiçoamento dos sistemas internos de controle.

Diante de tudo isso, está mais do que claro que a investigação interna não é um “modismo”, não é uma simples importação de etiquetas estrangeiras. A investigação interna tornou-se um instrumento juridicamente relevante e imprescindível como forma de melhor organizar e gerir os riscos da atividade empresarial, especialmente em tempos atuais, nos quais a imagem da companhia é um bem de valor incomensurável.

 

Douglas Rodrigues da Silva
Mestrando em Direito pelo Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA). Especialista em Direito Penal e Processo Penal pelo Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA). Professor de Direito Penal Econômico das Faculdades da Indústria de São José dos Pinhais. Advogado Criminal no Antonietto e Guedes de Castro Advogado Associados.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Artigos Mais Lidos

ITBI na integralização de bens imóveis e sua importância para o planejamento patrimonial

19/11/2024

Cláusulas restritivas nas doações de imóveis

19/11/2024

A relativização do princípio da legalidade tributária na temática da sub-rogação no Funrural – ADIn 4395

19/11/2024

Transtornos de comportamento e déficit de atenção em crianças

17/11/2024

Prisão preventiva, duração razoável do processo e alguns cenários

18/11/2024