Em setembro de 2020, escrevi um artigo sobre o processo de recuperação judicial da Oi, que tive a honra de ver nascer, em suas primeiras discussões em 2016 e de fazer parte, desde então, junto com os times de assessores externos e internos da Companhia.
Naquela ocasião, a Oi acabava de ver o Aditamento ao seu Plano do Recuperação Judicial aprovado pela maioria esmagadora de seus credores e aguardávamos a sua homologação pelo Juízo da 7ª Vara Empresarial da Comarca da Capital do Rio de Janeiro, o que acabou acontecendo em 5/10/20.
Como esperado, a decisão homologatória confirmou a legitimidade dos esforços empreendidos pela Oi para produzir um aditamento viável e factível, que pudesse ser aprovado pela maioria dos credores. Como noticiado ao mercado e aos credores durante as negociações, a proposta da Companhia permitiria implementar uma importante mudança de rota, com foco absoluto de suas operações na prestação de serviços de banda larga de alta velocidade, por meio de fibra ótica, além de servicos de TI e Soluções Corporativas, em lugar dos servicos tradicionais de telefonia celular, fixa e TV por assinatura por satélite.
O aditamento, como expliquei no meu artigo anterior, tinha cinco principais objetivos: (i) constituir UPIs para vender negócios da Companhia, gerando no curto prazo o caixa necessário para financiar o plano de investimento em fibra ótica; (ii) antecipar a obrigação da Oi de pré-pagar os credores financeiros, que, segundo o Plano Original já possuíam este direito, com o excesso de caixa oriundo das alienações das UPIs não previstas no PRJ Original; (iii) flexibilizar o acesso aos mercados financeiro e de capitais para ampliar as possibilidades de financiamento; (iv) reduzir a litigiosidade no processo da RJ, através da criação de uma hipótese de pagamento linear para os pequenos credores das Classes I, III e IV, e (v) do equacionamento dos pagamentos de créditos da agência reguladora, por meio de transação autorizada por regra normativa recém publicada. Esta adesão, a propósito, também já tinha sido autorizada pelos credores quando da aprovação do PRJ Original.
Com a homologação da decisão assemblear, a Companhia foi autorizada a implementar as medidas previstas no Aditamento ao PRJ, as quais, repita-se, foram aprovadas pela maioria dos credores exigida por lei e consideradas válidas e eficazes pelo juízo recuperacional, pelo Ministério Público e pelo Administrador Judicial.
Foi assim que, nos termos do art. 60 c/c art. 142 da LRFE, a Oi fez publicar os editais de alienação por processo competitivo judicial da UPI Torres, UPI Data Centers e UPI Ativos Móveis, ativos para os quais recebera propostas vinculantes de investidores, os quais foram confirmados vencedores dos respectivos processos competitivos em audiências públicas ocorridas ainda em 2020 perante o judiciário, como prometido.
Também foi assim que a Oi, cumprindo o cronograma estabelecido no PRJ aditado, realizou o pagamento dos credores de pequena monta da Classe I, nos termos do pagamento linear determinado pelo Juízo da RJ e aprovado pelos credores e o mesmo fará em relação aos credores das Classes III e IV. Por fim, e também seguindo à risca o que propôs, a Companhia vem trabalhando diuturnamente para criar e estruturar financeira e operacionalmente a sua empresa de fibra (InfraCo), como previsto na seção 5 do Aditamento ao PRJ, o que já está sendo considerado o maior processo de segregação estrutural para a criação de uma rede neutra para prestação de serviços de telecomunicações do País e um dos maiores do mundo.
Neste sentido, dois importantes interessados, que vinham participando há mais de seis meses do processo de market sounding conduzido pela companhia e os seus assessores para testar o interesse e o valor da InfraCo, apresentaram, no último dia 22/1/21, propostas vinculantes em valor superior ao mínimo previsto no aditamento para a aquisição do controle da referida empresa.
Apenas com a alienação das UPIs non core (Torres e Data Centers), a Oi injetará no seu caixa aproximadamente R$ 1,35 bilhão. A estes devem ser somados os quase R$ 16,5 bilhões oferecidos pela UPI Ativos Móveis e pelo menos mais R$ 9 bilhões pela venda de parte da InfraCo. Tais operações aprovadas pelos credores no Aditamento ao PRJ colocarão a companhia em outro patamar de alavancagem e caixa, após o pré-pagamento dos seus principais credores financeiros, garantindo, ainda, os recursos necessários para fazer frente ao crescimento exponencial do número de clientes de fibra ótica, que já ultrapassam, neste momento, os 2,2 milhões.
Como em todo processo de RJ, que consiste numa grande negociação pública com os credores, tendo o Poder Judiciário como árbitro, há aqueles credores que não conseguem fazer prevalecer a sua vontade sobre a maioria. No caso da Oi, este grupo é constituído por boa parte dos bancos de varejo tradicionais do país.
Desde a homologação do Aditamento ao PRJ da Oi pelo Juízo da 7ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro e a sua confirmação por parte da Desembargadora Monica Di Piero, da 8ª Camara do TJ/RJ, os bancos insistem em querer fazer prevalecer a sua vontade sobre a maioria dos credores que compôs a comunhão de credores que julgou por bem aprovar o aditamento ao PRJ da Oi, em prol do seu soerguimento.
Primeiramente, os bancos focaram o ataque no questionamento aos votos dos bondholders/acionistas com menos de 10% de participação no capital da Oi. Diziam que eles, por serem acionistas, estariam com o interesse conflitado, além de não terem tido as suas condições de pagamento alteradas pelo aditamento aprovado.
Além de terem sido rechaçados, até porque, em sua grande maioria, preclusos, os referidos argumentos mostraram-se extremamente frágeis, pois os votos dos ditos bondholders/acionistas se mostraram desnecessários para garantir a acachapante aprovação assemblear do aditamento ao PRJ.
Os bancos passaram, então, a defender a insólita tese de que eles representariam uma minoria prejudicada, que teve os seus interesses sublevados por uma maioria que não se legitimava a votar. De fato, é difícil conceber os bancos brasileiros, credores relevantes da maior parte dos devedores em recuperação judicial no Brasil, se autodenominarem minoria injustiçada. No caso da Oi, a verdade inquestionável é que a maioria dos credores foi formada: (i) pela ANATEL, que aceitou a submissão dos seus créditos à RJ, para que fossem pagos com 50% de desconto sobre o valor consolidado e em 7 anos; e (ii) pelas agências de fomento à exportação (ECAs), representadas por fundos soberanos da Finlândia, Canadá, Bélgica e outros, que, aceitando o desconto de 55% pelo pré pagamento proposto pela Oi, aprovaram o referido Aditamento ao PRJ (APRJ).
Em outras palavras, diferentemente de Sete Brasil, Odebrecht e outras empresas brasileiras que requereram recuperação judicial, os bancos não tinham o poder de, sozinhos, definir o futuro da Oi. Havia outros credores, principalmente ANATEL, grande parte dos ECAs e alguns bondholders, que também tinham o direito de exercer o seu legitimo direito de voto na AGC e, assim, os bancos restaram, como poucas vezes acontece, como a minoria vencida.
Este é um fato da vida e comum a todo processo de recuperação judicial. A maioria de credores exigida pela lei deve aprovar o plano sugerido pelo devedor, de forma a permitir que a reestruturação proposta pela companhia os vincule e a todos os demais credores sujeitos ao processo, ainda que a minoria vencida não concorde com seus termos, permitindo a sobrevivência da companhia viável e o pagamento dos credores, nos limites de sua capacidade. E vale reforçar que, como muito bem afirmaram as consultorias financeiras contratadas pela Oi (LCA Consultoria e Tendências Consultoria), até mesmo sob o prisma econômico financeiro, a sua proposta está não apenas alinhada com aquilo que se aprovou de desconto para os demais credores quirografários, como com as taxas de desconto que o mercado em geral aplica aos próprios papéis da Oi, muitas vezes até reconhecidos pelos próprios bancos litigantes.
Não se questiona, obviamente, o direito ao contraditório que vem sendo exercido pelos bancos. Preciso reiterar, contudo, que, em toda a minha experiência como advogado atuante no contencioso recuperacional, poucas vezes vi uma preocupação tão legítima e transparente de uma recuperanda de demonstrar a equidade com que tratou os seus credores e não poupou esforços de fazer prova disso. Afinal, para a Oi, a aprovação do APRJ, a redução de sua alavancagem financeira e a alienação das UPIs são uma questão de sobrevivência. Para os bancos, que já inclusive provisionaram seus créditos sujeitos à RJ da Oi, é uma questão de estatística na criação de um precedente.
Aguarda-se, agora, que a 8ª Camara do TJ/RJ, exercendo o seu sempre ponderado juízo de legalidade, ratifique a decisão da 7ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro e confirme a validade do aditamento aprovado na AGC realizada em 08/09/20, de modo que a Oi possa virar esta página, reduzir o seu nível de alavancagem financeira e, assim, seguir com as alienações das UPIs e o acesso ao mercado de capitais para financiar o seu plano de expansão da rede de fibra de alta velocidade. Afinal, os agentes econômicos exigem segurança jurídica para realizar investimentos desta monta, que não apenas a Oi mas todo o Brasil precisa.
Tenho hoje, como tinha em setembro, quando escrevi o primeiro artigo sobre o processo de RJ da Oi, convicção de que a Companhia sairá deste processo preparada para disputar a liderança no provimento dos serviços de telecomunicações no Brasil, garantindo o espaço que nunca deveria ter deixado de ocupar.