A MP 910/19, teve por escopo alterar a lei 11.952, de 25 de junho de 2009, que dispõe sobre a regularização fundiária das ocupações incidentes em terras situadas em áreas da União, a lei 8.666, de 21 de junho de 1993, que institui normas para licitações e contratos da administração pública, e a Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, que dispõe sobre os registros públicos.
Todavia, diante da inocorrência da sua votação, a MP 910/19, também conhecida como “MP da grilagem”, perdeu a sua eficácia, tudo porque entendeu o Poder Legislativo pela imprescindibilidade da apresentação de um Projeto de Lei de regularização fundiária no País, visando tornar efetivas as conquistas constantes no seu relatório.1
Nesse contexto, é de se considerar que a regularização, se realizada a partir de critérios justos, estimula a cidadania, permite dinamização econômica ao atribuir segurança jurídica, e inclusive, estimular o cuidado ambiental, por permitir uma visão de longo prazo, bem como possibilitar uma melhor fiscalização pelo Estado2.
A medida provisória valeria para todo o país, mas com maior impacto na Amazônia Legal, região que engloba os nove Estados onde há vegetações amazônicas e que concentram as terras públicas assim designadas no país.3
O PL, por sua vez, estabelece critérios para a regularização fundiária de imóveis da União, incluindo assentamentos. As regras são restritas a áreas ocupadas até julho de 2008 com até seis módulos fiscais — unidade fixada para cada município pelo Incra, que varia de 5 a 110 hectares4.
A medida criada sob o manto do combate da prática da grilagem, MP 910/19, também conhecida como “MP da grilagem”, foi retirada da pauta de votação da Câmara dos Deputados em maio de 2020, e substituída pelo PL 2633/20 que segue em discussão.5
A grilagem pode ser caracterizada como uma organização ou um sistema de procedimentos de aquisição recorrente e irregular de terras. Sendo assim, em diversas partes do país, informações sobre “grilagem de terras”, fazem parte do cotidiano. A prática grileira faz cair por terra o direito real imobiliário, que por si só, tem o objetivo de contribuir para a satisfação das garantias fundamentais, direito de propriedade, direito de vizinhança e da posse, dentre outros direitos concebidos à luz do nosso ordenamento jurídico, trazendo consigo uma problemática social que advém dos tempos do Brasil Imperial, que impacta diretamente na função social da propriedade.
O termo grilagem vem da descrição de uma prática antiga consistente em envelhecer documentos forjados para obtenção da posse de determinada área de terra. Fazendeiros, lavradores e posseiros disputam uma parcela de terra, num jogo de força que revela interpretações conflitantes sobre o direito à propriedade imobiliária. Ao ocuparem áreas devolutas nas fronteiras das fazendas, pequenos posseiros desafiam o poder dos grandes fazendeiros. Mesmo derrotados em suas lutas, eles procuraram defender o que então acreditavam ser justo, ou seja, a legitimidade de sua ocupação em contraponto à apropriação territorial dos fazendeiros6.
Atualmente, artifícios mais sofisticados substituem a ação dos grilos, com o registro no cartório de títulos de imóveis, mediante cruzamento de registros, em que o grileiro almeja dar uma aparência legal à fraude. Na atualidade, a grilagem ocorre devido às deficiências encontradas no sistema de controle de terras no Brasil. Apesar das diversas propostas, o governo ainda não implementou um registro único de terras ou ao menos um cadastro específico para as grandes propriedades.7
Outra não poderia ser a solução para a problemática para que o Registro mantenha uma efetiva conexão entre os diferentes negócios modificativos da situação jurídico-real, senão através dos assentamentos registrais.8
Pelo viés ambiental, a grilagem tem sido a responsável por grande parte do desmatamento no país. Os grileiros desmatam áreas públicas, simulando a posse dos imóveis com documentos falsos. Normalmente, as terras acabam sendo vendidas a grandes proprietários, sendo destinadas a atividades agropecuárias.9
Tal prática acaba sendo amparada principalmente na aventada necessidade de consolidação da forma escrita exigida em lei para validade dos negócios jurídicos em nosso ordenamento, pois, basta a apresentação do documento, ainda que falso, para que se exteriorize a suposta manifestação da vontade das partes, dentre os demais elementos do negócio jurídico, o que por si só, conduz à produção dos efeitos jurídicos desejados.
A doutrina civilista, por sua vez, dispõe sobre a importância da prova documental nos negócios jurídicos
“Os negócios jurídicos são, por excelência, provados através de documentos, o que se afirma com supedâneo no CC, arts. 108, 129, 130, 134, 1.227 e 1.245”.10
A aquisição da propriedade imobiliária nos ditames legais de nosso ordenamento, se dá através do registro do negócio jurídico, decorrente da acessão de construções, plantações, formações de ilhas, avulsão, aluvião e do abandono. Além disso, a propriedade pode ainda ser oriunda da usucapião, posse-trabalho, direito hereditário e do casamento. A aquisição imobiliária, em regra, pode ser considerada um negócio jurídico solene, sendo a escritura pública essencial à validade dos negócios jurídicos sobre direitos reais imobiliários.11
Assim, a prática de desmatar áreas públicas e fraudar documentos simulando a posse dos terrenos, conhecida como grilagem, tem o objetivo de simular negócios jurídicos de terras, visando atribuir licitude à aquisição da propriedade imobiliária, tendo, por fim, a obtenção de lucros, principalmente, com o desenvolvimento da atividade agropecuária, considerada atualmente como uma das principais práticas causadoras do desmatamento em áreas de floresta e de impactos ao meio ambiente.
Dessa forma, tem-se que, infelizmente, a prática da grilagem acaba contribuindo para alimentar o mercado ilegal de terras, desencadeando, por via de consequência, uma corrida incessante por novas áreas de floresta.12
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1- Camara
2- CHAGAS, Elisa. Agência Senado. MP da regularização fundiária perde validade e é substituída por projeto de lei.Disponível aqui. Acessado em 28 de jan. 2021.
3- FELLET, João. Como a 'MP da grilagem' pode mudar o mapa de regiões da Amazônia. Disponível aqui. Acesso em: 28 jan. 2021.
4- CHAGAS, Elisa. Agência Senado. MP da regularização fundiária perde validade e é substituída por projeto de lei. Disponível aqui. Acessado em 28 de jan. 2021.
5- PL 2633/2020. Altera a Lei n° 11.952, de 25 de junho de 2009, que dispõe sobre a regularização fundiária das ocupações incidentes em terras situadas em áreas da União; a Lei n° 8.666, de 21 de junho de 1993, que institui normas para licitações e contratos da administração pública; a Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, que dispõe sobre os registros públicos; a fim de ampliar o alcance da regularização fundiária e dar outras providências. Disponível aqui. Acessado em 28 de jan. 2021.
6- MOTTA, Márcia Maria Menendes. A grilagem como legado. Disponível aqui. Acesso em: 28 de jan. 2021.
7- MARETTI, Cláudio. Grilagem. WWF-Brasil. Disponível aqui. Acessado em 28 de jan. de 2021.
8- DIP e JACOMINO. Ricardo, Sérgio. Direito Registral, Doutrinas Essenciais. Vol. I, Ed. 2ª Ed. São Paulo, Ed. Afiliada, 2014, p. 545.
9- OLSEN, Natasha. MP da Grilagem se transforma em Projeto de Lei. Disponível aqui. Acesso em: 28 jan. 2021.
10- SCAVONE. Luiz Antonio. Direito Imobiliário, Teoria e Prática. 16ª Ed. Rio de Janeiro, Ed. Forense LTDA, 2021, p. 76.
11- SCAVONE. Luiz Antonio. Direito Imobiliário, Teoria e Prática. 16ª Ed. Rio de Janeiro, Ed. Forense LTDA, 2021. p. 15.
12- FELLET, João. Como a 'MP da grilagem' pode mudar o mapa de regiões da Amazônia. Disponível aqui. Acesso em: 28 jan. 2021.