Com o advento da lei 14.112/20, a qual alterou profundamente a lei 11.101/05 (Lei de Recuperações e Falência), regulamentou-se, no Brasil, o financiamento de devedor que se encontre em recuperação judicial, comumente, denominado de DIP (Debtor-In-Possesion) Financing.
A Seção IV-A do Capítulo III (Da Recuperação Judicial) da lei 11.101/05, passa, assim, a expressa e especificamente regulamentar o financiamento do devedor e do grupo devedor durante a recuperação judicial.
Em análise do supramencionado marco regulatório, verifica-se que existem novas atribuições legalmente destinadas ao Administrador Judicial, então, trazidas com a recente alteração legislativa.
De igual maneira, a recente alteração legislativa também trouxe novas atribuições legais ao Comitê de Credores, que, por sua vez, podem restar afetas ao Administrador Judicial, como, por exemplo, o dever legal de “manifestar-se nas hipóteses legalmente previstas”, conforme dispõe a alínea “f” do art. 27 da lei 11.101/05.
É o que se propõe, aqui, de forma integrativa, para dizer que é condizente, em termos genéricos (interpretação lógico-sistemática), com as atribuições do Administrador Judicial nas hipóteses de financiamento do devedor em recuperação judicial, a intervenção procedimental consultiva acerca da autorização judicial para a celebração dessas espécies de contrato (DIP Financing).
Senão, veja-se, que, o Administrador Judicial tem por dever legal analisar, avaliar, fiscalizar tratativas e negociações entre devedor e credores, com o intuito de impedir que se adotem expedientes desnecessários e injustificadamente protelatórios (dilatórios, inúteis e ou prejudiciais às negociações).
O financiamento do devedor em recuperação – DIP Financing –, tem por objetividade normativa tanto a manutenção da atividade empresarial, quanto a reestruturação da empresa e a preservação de ativos.
O acesso ao financiamento pelo devedor em recuperação apenas se justifica pela séria e sincera intenção de soerguimento da empresa, inclusive, mediante oportuno cumprimento das obrigações assumidas com os diversos credores, pelo que, adotando-se os critérios objetivos fornecidos pela interpretação lógico-sistemática, o Administrador Judicial estaria legalmente autorizado – ainda que implicitamente – a intervir no momento processual oportuno, e, assim, também ser ouvido pelo órgão julgador competente, para fins de autorização da celebração de contratos de financiamento com o devedor.
Neste sentido, observe-se que, em termos genéricos, a legislação recuperacional impõe ao Administrador Judicial a atribuição de assegurar que as negociações – e, aqui, não há qualquer excepcionalidade acerca do DIP Financing –, realizadas entre devedor e credores – cujo Comitê quando existente deva ser previamente ouvido, ainda que a título de órgão consultivo; e, portanto, na sua ausência, ante mesmo a facultatividade de sua constituição, afigura-se plausível a ouvida prévia do Administrador Judicial e mesmo do Ministério Público – sejam regidas pelos termos convencionados entre os interessados – por exemplo, nos contratos de financiamento do devedor –; com o intuito precípuo de que se dê efetividade econômico-financeira e proveito social para os agentes econômicos envolvidos.
Em relação ao Ministério Público, é possível afirmar que o teor dispositivo do § 2º do art. 30 da Lei de Recuperações e Falência reforça a necessidade de sua intervenção na autorização do DIP Financing, ante mesmo a possibilidade de substituição de membros do Comitê de Credores e do próprio Administrador Judicial, ainda, que, nessa oportunidade processual; em que pese a destituição de cada um desses auxiliares poder ser realizada de ofício pelo órgão julgador competente, nos termos do caput do art. 31 da lei 11.101/05.
Para além disto, observa-se que o Comitê de Credores também tem dentre as atribuições legais a possibilidade de “submeter à autorização do juiz [...] atos de endividamento necessários à continuação da atividade empresarial”; contudo, tão somente “durante o período que antecede a aprovação do plano de recuperação judicial”, mas certamente em sede de procedimento recuperacional – aliás, como estabelece o próprio art. 69-A da lei 11.101/05 para fins de DIP Financing.
De igual maneira, o Administrador Judicial poderia submeter idênticos atos ao órgão julgador competente nas hipóteses em que não houve constituição válida e regular do Comitê de Credores, nos termos do art. 28 da lei 11.101/05.
Portanto, compreende-se que as alíneas “e”, “f” e “g” acrescentadas ao art. 22 da lei 11.101/05, em termos gerais por intepretação lógico-sistemática – ainda que implicitamente –, autorizam, sim, a intervenção prévia do Administrador Judicial, independentemente, da ouvida do Comitê de Credores; mas, por certo, com maior razão, quando não existir, condição em que o próprio Administrador Judicial o substituirá em suas atribuições, nos termos do art. 28 da Lei de Recuperações e Falência.
Neste sentido, entende-se que na hipótese de autorização judicial da celebração de contratos de financiamento com o devedor – DIP Financing especificamente regulamentado nos arts. 69-A a 69-J da lei 11.101/05 – caso não exista o Comitê de Credores, o Administrador Judicial deverá ser previamente ouvido, nos termos do que dispõe literalmente o art. 28 da supramencionada legislação especial, vale dizer, “não havendo Comitê de Credores, caberá ao administrador judicial ou, na incompatibilidade deste, ao juiz exercer suas atribuições”.