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O advogado ético na área criminal

O crime está assustando a população brasileira. São delitos de toda ordem, criando um ambiente de tensão generalizada. Já não se faz tanta reserva à pena de morte. O tema é velho, mas na vivência acadêmica não perde a atualidade. É plenamente justificável que seja assim, porque o crime e o criminoso são contemporâneos de todos os tempos. Visto o quadro nesta amplitude, o delito é abominável na sua generalidade.

3/1/2007


O advogado ético na área criminal

Márcio Nogueira *

O crime está assustando a população brasileira. São delitos de toda ordem, criando um ambiente de tensão generalizada. Já não se faz tanta reserva à pena de morte. O tema é velho, mas na vivência acadêmica não perde a atualidade. É plenamente justificável que seja assim, porque o crime e o criminoso são contemporâneos de todos os tempos. Visto o quadro nesta amplitude, o delito é abominável na sua generalidade.

Contudo, do advogado que cuida de causas criminais, cobra-se um comportamento restritivo, de contenção às suas convicções pessoais, exigindo-lhe o Código de Ética rigorosa abstração ao seu ponto de vista sobre a culpa do acusado.

Quando procurado para o exercício do direito e do dever de defender o delinqüente, impõe-se-lhe a obrigação de ouvi-lo, dar-lhe crédito e exercitar a plenitude de sua defesa, sem medo de violentar-se, e sem receio de desagradar a opinião pública. Cobra-se do advogado o acolhimento pleno do sentido maior da tolerância, decantada por Eduardo J. Couture, contida na encantadora lição: “tolera a verdade alheia na mesma medida em que queres que seja tolerada a tua”. A vocação é fundamental para a vivência desta imposição. Não a tendo, o advogado sucumbe em face das primeiras convocações da vida prática.

Sobral Pinto, inspiração maior dos advogados, exemplo de ética e de coragem, cristão fervoroso, de freqüência constante à eucaristia, jamais se subtraiu à defesa de seus inumeráveis clientes que praticavam atos rigorosamente contrários às suas mais profundas convicções políticas, morais e religiosas.

Advocacia criminal é ato de coragem, de independência e de humildade, daí o sentido e o alcance do artigo 21 do Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil – “É direito e dever do advogado assumir a defesa criminal, sem considerar sua própria opinião sobre a culpa do acusado”. Compete ao profissional, sem guardar a precisão dos termos, tocar o lodaçal sem sujar as mãos, parodiando o inesquecível criminalista e colega de turma Ariosvaldo de Campos Pires. A defesa do homem se impõe, sem que se faça a apologia do crime.

Henrique Ferri, o grande criminalista italiano, fundador, com Lombroso e Garofalo, da chamada Escola Positiva, execrava o crime, e ao seu tempo freqüentou o Tribunal do Júri, e com a sua palavra fácil de orador vibrante, ora acusava ora defendia criminosos, entre eles Carlos Cienfuegos, assassino da condessa Hamilton. Em certo momento da monumental defesa, disse aos jurados: “É certo que têm de julgar um homicida. Não peço, por isso, lauréis, mas justiça, que seja feita de verdade e de clemência”.

Ferri, entre tantos notáveis da advocacia criminal, deixou o exemplo de que a opinião pessoal sobre o grau da culpa ou do dolo é intransitiva, nasce e morre no interior do profissional, valendo apenas o que ouviu. A ética se faz presente é na transposição daquilo que foi segredado ao profissional para a realidade defensiva.

Henri-Robert, da Academia Francesa “Batonnier” teve o seu livro “L'Avocat”, traduzido por J. Pinto Loureiro, em cuja obra monumental escreve: “...há mil outras (hipóteses) em que o advogado pode exercer a sua função, com toda boa fé, sem ter de modo nenhum a impressão de pôr a sua dedicação ao serviço do crime, e sem ter em vista mais que a verdadeira justiça, que não se concebe sem piedade e sem perdão”.

O artigo 21 do Código de Ética dos Advogados, nem sempre bem compreendido, é de ser interpretado nesta linha herdada dos maiores advogados que se cristalizaram no pensamento jurídico e se imortalizaram pelo exemplo de vida prática.

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*Advogado. Professor titular na Faculdade de Direito de Varginha (MG)





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