Migalhas de Peso

Ilícitos relacionados à inobservância das filas de vacinação da Covid-19

É necessário que todos se conscientizem acerca da importância relativa à observância dos critérios legais na ordem de vacinação estipulada legalmente em relação aos grupos prioritários.

28/1/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

O presente artigo tem por objetivo tecer brevíssimas considerações acerca dos  possíveis ilícitos relativos à ausência de observância na ordem das filas na aplicação da vacina CoronaVac no Brasil, ante a divulgação na mídia relativamente à ausência de observância da ordem legal de prioridade estabelecida no plano nacional do Ministério da Saúde (Disponível aqui. )

Inicialmente, ilustra-se o exemplo do Prefeito ou agente público que, utilizando-se da influência inerente ao cargo, não atente à observância dos grupos prioritários estabelecidos no plano nacional de operacionalização de vacinação contra a Covid-19 (Disponível aqui.

Referida conduta poderá repercutir nas penas do crime de abuso de autoridade (art. 33 da lei 13.869/19):

Art. 33.  Exigir informação ou cumprimento de obrigação, inclusive o dever de fazer ou de não fazer, sem expresso amparo legal:

Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Parágrafo único.  Incorre na mesma pena quem se utiliza de cargo ou função pública ou invoca a condição de agente público para se eximir de obrigação legal ou para obter vantagem ou privilégio indevido

De outro lado, caso o agente público exija que seja vacinado no lugar de outras pessoas que teriam prioridade legal, poderá incidir no crime de concussão (artigo 316 do CP), porquanto o núcleo do verbo estabelecido no  tipo penal  previu qualquer vantagem indevida, não  tendo a lei restringido especificamente ao benefício econômico.

Nesse sentido, colaciona-se o seguinte entendimento doutrinário:

Discute-se, ainda, a respeito da natureza da indevida vantagem exigida pelo funcionário. Alguns doutrinadores, a exemplo de Damásio de Jesus, aduzem que a vantagem pode ser patrimonial ou econômica, presente ou futura, beneficiando o próprio agente ou terceiro. A segunda posição advoga a tese ampla do conceito de indevida vantagem. Mirabete preconiza que, ‘ referindo-se a lei, porém, a qualquer vantagem e não sendo a concussão crime patrimonial, entendemos, como Bento de Farias, que a vantagem pode ser expressa por dinheiro ou qualquer outra utilidade, seja ou não de ordem patrimonial, proporcionando um lucro ou proveito. Acreditamos assistir razão à segunda posição, que adota um conceito amplo de vantagem indevida. Isso porque, conforme esclarecido por Mirabete, não estamos no título do CP correspondente aos crimes contra o patrimônio, o que nos permite ampliar o raciocínio, a fim de entender que a vantagem indevida, mencionada no texto do art. 316 do CP, pode ser de qualquer natureza (sentimental, moral, sexual, etc) (GRECO, p. 1101)

Com efeito, quando o legislador quis efetivar a restrição para as hipóteses de vantagem econômica, assim o fez de forma expressa, como, por exemplo, no crime de extorsão previsto no art. 158 do CP (“Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa: Pena – reclusão, de quatro a dez anos, e multa.”).

Em relação ao particular que oferecer vantagem indevida ao servidor público para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício (v.g proveito econômico indevido com a finalidade de burlar o critério de prioridade na vacinação) haverá a incidência, em tese, do delito de corrupção ativa (artigo 333 do CP); se o funcionário público aceitar o benefício indevido, a conduta deste estará subsumida no crime de corrupção passiva (art. 317 do CP).

No caso de o agente público, motivado por questões de  “camaradagem”, amizade, ou outro elemento subjetivo especial (finalidade de satisfazer interesse ou sentimento pessoal), permitir que o extraneus (particular) seja vacinação em detrimento de outras pessoas do grupo prioritário legal, incidirá, em princípio, nas penas do art. 319 do CP (delito de prevaricação).

Não é outro o entendimento da abalizada doutrina:

(…) exige-se o elemento subjetivo do tipo compreendido com a expressão “ para satisfazer interesse ou sentimento pessoal”. Sem essa finalidade específica, a conduta será atípica. Interesse pessoal é a vantagem pretendida pelo funcionário público, seja moral ou material. Sentimento diz respeito à afetação do funcionário para com determinada pessoa, como simpatia, ódio, vingança, etc (GUEIROS  e JAPIASSÚ, p. 1025).

Outra exemplificação possível é na hipótese de  preenchimento de formulário para fins de vacinação  com dados falsos em seu conteúdo, o que poderá resultar na consumação do  crime de falsidade ideológica (artigo 299 do CP) ou, no caso de assinatura falsificada aposta em documento impresso, no delito de falsificação de documento público (art. 297 do CP),  caso a documentação seja emitida por Órgão Público.

Por outro lado , haverá repercussão na esfera cível (ato de improbidade administrativa previsto no art. 11 da lei 8429/92), por violação aos princípios da legalidade, impessoalidade e/ou moralidade, podendo-se extrair, a título de exemplificação, a ação proposta pelos Ministério Público Federal e Ministério Público do Estado da Bahia (subscrita pelos procuradores da República Carlos Victor de Oliveira Pires,  Marília Siqueira da Costa e a promotora de Justiça Tatyandes Mereira Cades, em detrimento de Prefeito, que “furou” a fila para receber a primeira dose da CoronaVac em Candiba/BA (disponível aqui.).

Enfim, é necessário que todos se conscientizem acerca da importância relativa à observância dos critérios legais na ordem de vacinação estipulada legalmente em relação aos grupos prioritários, haja vista a necessidade de preservação da saúde e da vida daqueles que necessitam da imunização contra a Covid-19 no menor prazo possível, atentando-se, por conseguinte, aos princípios da solidariedade, legalidade, e da dignidade da pessoa humana.

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Antes Críticos da vacina, políticos apadrinham início da imunização; em cinco estados, há casos de fura-filas. Disponível aqui.Acesso em 21 de jan. 2021.

Covid-19: MPF e MP/BA acionam por improbidade prefeito que furou fila e recebeu a primeira dose da CoronaVac em Candiba (BA). Disponível aqui.. Acesso em 21 de jan. 2021.

GRECO, Rogério. Código Penal Comentado. Niterói/RJ: Impetus, 2017.

GUEIROS, Artur; JAPIASSÚ, Carlos Eduardo. Direito Penal volume único.  São Paulo: atlas, 2020.

Plano nacional de operacionalização da vacinação contra a Covid-19. Disponível aqui.Acesso em 21 de jan. 2021.

 

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