Na cultura popular, existe algo como uma tradição recomendando que a pensão alimentícia paga por pais a filhos seja fixada em torno de 1/3 de seus ganhos líquidos, ao entendimento de que os outros 2/3 seriam utilizados, supostamente, em sua manutenção própria (1/3) e na constituição de uma poupança ou aposentadoria (1/3).
Porém, como toda tradição, esta também pode e deve ser quebrada, pois, além de não possuir base científica, sua aplicação acaba sendo seriamente comprometida nos casos de o genitor dever alimentos, simultaneamente, a mais de um filho.
Além disso, qual seria o motivo de nos valermos de uma tradição, se possuímos norma jurídica? Sim, como se sabe, o legislador brasileiro impõe que a fixação da pensão fique ao arbítrio do julgador, mediante a análise do trinômio possibilidade x necessidade x proporcionalidade inerente a cada caso concreto (CC, art. 1.694, §1º).
Se é a casuística que deve ser observada, é claro que o juiz não poderia se ater a critérios preestabelecidos.
Isso é bom, mas não totalmente bom. É que tamanha liberdade retira por completo a previsibilidade esperada pelos cidadãos, permitindo que sejam proferidas decisões absolutamente conflitantes entre si, que, por isso, ferem de morte um dos objetivos buscados pelo sistema processual civil brasileiro: atingir integridade, coerência e estabilidade jurisprudencial (CPC, art. 926).
Que tal seria, então, se existisse uma tabela contendo valores estimados de pensão alimentícia, não voltada a vincular os juízes, mas sim a lhes apresentar sugestões e propostas baseadas em estudos sérios e profundos? Que tal, ainda, se esta tabela fosse disponibilizada mensalmente por sites governamentais, permitindo o fácil acesso ao público em geral?
Pois é! É exatamente isso que vem acontecendo mundo afora. Ao menos mundo ocidental afora, onde diversos países baseiam a fixação da pensão alimentícia para crianças e adolescentes não em meras tradições ultrapassadas, mas sim em valores ou percentuais preestabelecidos em tabelas elaboradas por estudiosos, pesquisadores e órgãos do setor público, sob o irrestrito apoio técnico de institutos estatísticos e econômicos.
É claro que tais documentos não impõem uma situação juridicamente vinculativa e definitiva, pois não poderiam invadir a subjetividade do julgador diante de tão relevante temática. Os valores e percentuais por eles apresentados são meramente sugestivos, persuasivos, logo, incapazes de, por si sós, cingirem o órgão decisor a adotá-los no caso concreto, que é quem, no final das contas, apresentará as especificidades que possibilitarão o estabelecimento dos alimentos.
Porém, é inegável que eles carregam consigo uma forte presunção e um gigantesco elemento facilitador da elaboração do cálculo alimentar, pois as fórmulas nas quais se baseiam são confeccionadas em atenção ao que ordinariamente acontece nas famílias e em estrita observância a dados oriundos da seguridade social, de órgãos tributários e de institutos especializados na coleta de estatísticas.
Graças à sua função meramente persuasiva, o órgão julgador pode, no momento de sua aplicação prática, levar em consideração um punhado de situações ordinárias, como o poder contributivo do devedor, a real necessidade do credor, a quantidade de filhos, o modelo de guarda, os acréscimos presumidos com despesas de creche, naturais a determinadas faixas etárias, além de eventuais deduções excepcionais para a eventualidade de existirem filhos anteriores e posteriores à fixação do pensionamento, dentre outros. Adicionalmente, pode promover adequações nos valores/percentuais por elas sugeridos à vista de circunstâncias extraordinárias, como problemas de saúde dos envolvidos, a existência de patrimônio imobilizado pelo pagador ou de obrigações supervenientes de sustento de outros membros da família, que não filhos, a contração de novas dívidas como hipotecas ou empréstimos, o recebimento de renda pela criança etc.
Além de simplificar enormemente a vida das próprias partes envolvidas na demanda – que podem acessa-las rapidamente pela internet e ter, ao menos, alguma previsibilidade a respeito de sua situação -, essas tabelas tornam mais rápida e descomplicada a usualmente complexa tarefa de fixação da pensão pelo órgão jurisdicional.
Não por outro motivo, os tribunais locais as utilizam amplamente, no mínimo, como uma importante diretriz a ser seguida.
Se não o mais, um dos mais notórios documentos desse tipo, talvez seja a assim chamada “Tabela de Düsseldorf”, da Alemanha. Originada no Tribunal Regional Superior de Düsseldorf, e paulatinamente aprimorada a partir de discussões travadas em todos os tribunais regionais superiores e na comissão de manutenção da Associação Alemã de Vara de Família, vêm contando com larga e bem sucedida aplicação em todo o país, desde o início da década de 60 do século passado.
Seu grande atrativo talvez seja o aspecto gráfico, isto é, a forma como ela é apresentada, que, de forma super simples, permite que qualquer pessoa, mesmo desprovida de conhecimento jurídico, faça combinações entre suas colunas e linhas, para que possa descobrir os percentuais e/ou valores sugeridos a seu caso particular.
Paralelamente a essa vantagem, sua atualização bienal permite que as inovações legislativas, culturais e, sobretudo, as novas dinâmicas de despesas familiares, sejam incorporadas às suas fórmulas, aproximando bastante o direito à “vida vivida”.
Para conhece-la, clique aqui.
Apesar de seu uso ser intuitivo, existem diversos sites disponibilizando calculadoras de pensão alimentícia que utilizam fórmulas baseadas nesta tabela, como a que pode ser encontrada aqui..
A Espanha é outro país que adotou esse proceder. Porém, para além de meramente criar e disponibilizar as tabelas na internet, o Grupo de Trabalho de Juízes de Família, atuando ao lado do Conselho Geral da Magistratura (CGPJ), reconheceu seu poder orientador e também resolveu fornecer aos cidadãos, aos juízes e advogados, este link através do qual se pode calcular diretamente a pensão alimentícia.
Na França acontece algo parecido. O Ministério da Justiça elabora, periodicamente, uma tabela contendo valores sugestivos para a fixação dos alimentos tanto em juízo quanto fora dele, a qual pode ser acessada no site do Ministério da Justiça francês.
Lá também existem calculadoras virtuais que auxiliam os interessados nesse difícil momento de suas vidas. Uma delas pode ser acessada aqui..
A Inglaterra não ficou para trás e também criou suas tabelas. E, de forma semelhante ao que acontece na Espanha e na França, criou um site por meio do qual qualquer pessoa pode fazer diretamente os cálculos de forma fácil, rápida e desembaraçada. Entretanto, o que torna a experiência britânica especialmente atraente é a forma como os desenvolvedores criaram um programa que consegue aliar a simplicidade à analiticidade, pois as informações referentes à situação da família são obtidas pelo sistema através de perguntas simples, feitas diretamente ao usuário, mas que fornecem um panorama significativamente completo a respeito. Ao ir intuitivamente preenchendo o formulário, que vai se desdobrando pouco a pouco, o interessado, que pode ser tanto o pagador quanto o recebedor, se depara com questionamentos do tipo: você tem filhos de relacionamentos diferentes ou vai receber pagamentos em um acordo e fazer pagamentos em outro? Recebe benefício ou pensão paga pelo Estado? Recebe renda qualquer? Quantos filhos receberão o pagamento da pensão? Com que frequência o filho pernoita contigo? Quantas crianças vivem contigo?
Ao final dessa jornada, o próprio site sugere valores a serem pagos, facilitando sobremaneira a vida de todos.
Esta importante ferramenta pode ser acessada neste link.
Finalmente, merece ser citado o exemplo dos Estados Unidos da América, onde a maioria dos estados adotou sua própria "Planilha de Diretrizes de Pensão Alimentícia", que podem ser acessadas aqui.
Bom, este ensaio ainda poderia tecer comentários sobre a situação da Noruega, do Canadá, do Japão e de diversos outros países que transformaram aquilo que era uma simples tendência em realidade: o uso de fórmulas e tabelas para o cálculo estimativo de pensão alimentícia.
Porém, acredito que o melhor a ser feito neste momento é refletir se o Brasil poderia adotar esse proceder.
Respeitosamente a quem pense de forma contrária, talvez seja possível sustentar que sim.
Antes que se cogite de qualquer incoerência com o que foi dito no início deste texto, deve ficar claro que não se está defendendo o emprego dos 30% tradicionais, nem a criação de um tabelamento diretamente pelos tribunais, até porque o STJ, ao desafetar o REsp 1.446.213/SP e promover o cancelamento do Tema 937 de sua jurisprudência, parece ter dado mostras de ser contrário ao estabelecimento apriorístico de tabelas contendo valores referentes a verbas que devam ser fixadas por arbitramento, diante de casos concretos.
O que se sugere neste ensaio é algo diferente. Se forem realizados estudos sérios e profundos por pesquisadores e instituições públicas, tomando por base dados econômicos, sociais, estatísticos e jurisprudenciais a respeito do tema, e sob o estrito acompanhamento do Ministério da Justiça, da OAB, do Conselho Nacional de Justiça e do Ministério Público, talvez seja possível sim a criação de fórmulas e de índices de atualização periódica aplicáveis a casos abstratos, envolvendo devedores que possuam certos níveis de rendimento e credores que se encontrem dentro de determinadas faixas etárias, não com o objetivo de vincular o aplicador, mas sim de servir como parâmetro orientador, informativo e sugestivo a ele e à população em geral.
Como não possuiria caráter vinculante e obrigatório, os valores ou percentuais por ela sugeridos poderiam ser majorados ou minorados pelo juiz, diante das especificidades de cada caso concreto.
De repente, as variadas brasilidades existentes em nosso mesmo Brasil, recomendassem a elaboração de tabelas estaduais, para que fossem observadas mais de perto as peculiaridades locais, facilitando a elaboração de cálculos, a obtenção de acordos e até mesmo a criação de uma jurisprudência mais coerente, íntegra e estável sobre tão relevante temática.