O direito ao esquecimento é um tema relativamente novo e ainda cercado de controvérsias. E desse direito decorre o denominado direito à desindexação, visto como o direito de desvincular determinados fatos ou informações de determinadas pessoas, nos serviços de busca na internet. Ele não está expressamente previsto na lei 12.965/14 – Marco Civil da Internet (MCI). Essa lei alude indiretamente ao direito ao esquecimento (art. 7º, X), assim como trata do direito à exclusão dos dados pessoais do usuário de certa aplicação de internet, porém nada diz sobre o referido direito à remoção de um ou mais links da lista de resultados de pesquisa/busca na grande rede.
Nas primeiras vezes em que se debruçou sobre o tema em questão (no caso Xuxa vs. Google - REsp 1.316.921/RJ e no caso SMS vs. Google - REsp 1.593.873/SP), o STJ entendeu que, não havendo uma previsão normativa quanto à desindexação, o provedor de pesquisa/busca não podia ser responsabilizado nem obrigado a proceder a tal desvinculação, não se lhe aplicando a disciplina de remoção de conteúdo lesivo prevista nos arts. 19 a 21 do MCI. Naquelas ocasiões, a referida corte firmou a compreensão de que cabe ao usuário dirigir seu pleito diretamente contra o responsável pelo site ou canal que está disponibilizando na internet o conteúdo tido por ofensivo ou falso, de modo que se possa aplicar o regramento legal antes mencionado. Da ementa do segundo julgado supracitado, constou que1 “os provedores de pesquisa não podem ser obrigados a eliminar do seu sistema os resultados derivados da busca de determinado termo ou expressão, tampouco os resultados que apontem para uma foto ou texto específico, independentemente da indicação da página onde este estiver inserido. - Ausência de fundamento normativo para imputar aos provedores de aplicação de buscas na internet a obrigação de implementar o direito ao esquecimento e, assim, exercer função de censor digital”.
Porém, mais recentemente, no caso DPN vs. Google - REsp 1.660.168-RJ - DJe 5/6/18, envolvendo uma magistrada fluminense, o STJ mudou de posição para estabelecer o seguinte: “Ação de obrigação de fazer. Provedor de aplicação de pesquisa na internet. Proteção a dados pessoais. Desvinculação entre nome e resultado de pesquisa. Direito ao esquecimento. Possibilidade”. Nesse julgamento, alterando sua posição, o referido tribunal superior entendeu que2, “nessas situações excepcionais, o direito à intimidade e ao esquecimento, bem como a proteção aos dados pessoais deverá preponderar, a fim de permitir que as pessoas envolvidas sigam suas vidas com razoável anonimato, não sendo o fato desabonador corriqueiramente rememorado e perenizado por sistemas automatizados de busca. O rompimento do referido vínculo sem a exclusão da notícia compatibiliza também os interesses individual do titular dos dados pessoais e coletivo de acesso à informação, na medida em que viabiliza a localização das notícias àqueles que direcionem sua pesquisa fornecendo argumentos de pesquisa relacionados ao fato noticiado, mas não àqueles que buscam exclusivamente pelos dados pessoais do indivíduo protegido”.
Essa mudança de entendimento caminha no sentido de que não devem ser distintos os regimes de responsabilização de provedores de busca e de provedores de redes sociais ou outros aplicadores. O amadurecimento da questão mostrou, a meu ver corretamente, que não deve haver tratamento diferente nessa seara, pois os provedores de busca também disponibilizam informações na internet, ainda que sejam informações mais curtas, apontando os links para acesso ao conteúdo a partir de uma lista de resultados da pesquisa. A internet faz com que as informações circulem numa velocidade assustadora, de forma quase instantânea, não respeitando fronteiras, de modo que é praticamente impossível mapear as veredas da informação ou imagem e conseguir neutralizá-la a partir do acionamento judicial ou extrajudicial de cada provedor de aplicação. Uma vez inserida na rede uma informação, uma foto ou um vídeo, pode-se verificar uma difusão espantosa e o conteúdo jamais poderá ser totalmente eliminado.
Destarte, se a internet propicia a disseminação e o compartilhamento virtual de informações numa velocidade formidável, rompendo barreiras ante seu caráter transnacional3, por que a ferramenta que ajuda a localizar e a difundir essa informação pelo mundo digital não pode se sujeitar ao mecanismo de controle estabelecido pelo MCI para os demais provedores de aplicação? Aliás, em verdade, ao contrário do que alegam as empresas proprietárias dos sites de busca, não há inviabilidade técnica alguma capaz de impedir a remoção de um ou mais links da lista de resultados de pesquisa/busca na internet. Só para a morte é que não há jeito. E a viabilidade técnica da desindexação é de conhecimento dos profissionais de TI das grandes corporações que atuam nesse seguimento.
O problema cardinal nessa temática gira em torno de estabelecer parâmetros adequados para a aplicação do direito ao esquecimento/desindexação, de maneira que também preservem, na medida certa, a liberdade de expressão, de informação e de comunicação, a historicidade dos fatos e a memória coletiva. E os estudiosos4 já apontam algumas balizas relevantes para o enfrentamento dessa delicada disputa: a) há interesse público na divulgação da informação considerada ofensiva ou desabonadora? b) existem elementos que mostram a falta de veracidade da informação publicada5? c) é suficiente atualizar a informação ou harmonizá-la com a realidade atual? d) houve licitude do meio empregado para se obter a informação? e e) a pessoa envolvida ou que se diz lesada é uma pessoa pública? É a avaliação desses elementos e o sopesamento das circunstâncias de cada caso que devem orientar a tomada da decisão. As variáveis de cada problema e a contextualização de cada conflito, mediante um balanceamento axiológico, permitirão constatar se é correto ou justo desindexar ou desvincular, nos serviços de busca, certas informações ou fatos de determinada pessoa.
Levando em conta os fatores acima, e se a informação publicada for comprovadamente falsa ou ofensiva, não deve ser desindexada? Para quem se posiciona cegamente contra, sem hesitar, basta que, por um momento, coloque-se na condição do ofendido ou lesado. E, vale salientar, a solução em questão não significará retirar o conteúdo da internet, mas reduzir sua visibilidade, favorecendo a concretização do desejo de ver o fato descansar no passado, contribuindo para que a pessoa goze do “direito de ser deixada em paz”. Essa solução, menos radical, ajuda a compatibilizar os interesses em conflito, pois a informação não será apagada, mas ficará restrita ao canal que originalmente a publicou.
De outro lado, o impacto da implementação dessa diretriz pode ser - o tempo dirá - o abalo da liberdade de informação ou de imprensa, assim como a retração da criação e do fluxo de informações nos domínios digitais, inibindo-se as liberdades comunicativas e talvez ficando comprometida, em algum aspecto, a historiografia social e a memória coletiva. Por isso que, para se buscar preservar esses direitos, os parâmetros acima explicitados devem orientar a decisões, a serem tomadas com parcimônia, reservando-se para casos mais excepcionais, quando realmente justificável, a remoção de conteúdo ou a desindexação de nome de pessoas de resultados de pesquisas na internet. Ainda assim, antes de pensar em remover ou desindexar, será oportuno avaliar se o caso pode ser resolvido pela via da atualização ou complementação da notícia, solução que em muitos casos ajudará na harmonização dos direitos em tensão.
É certo que estamos passando por transformações espantosas no campo digital, o que está tornando a vida humana mais ágil, facilitada e descontraída (assim como também mais ansiosa e angustiante), porém os ventos mais livres e sofisticados que derivam das novas tecnologias não têm força para apagar ou tornar toleráveis fatos típicos ou ilícitos, sobretudo quando essas modernas ferramentas de comunicação têm um enorme alcance social. Na minha visão, as regras de proteção dos direitos da personalidade não devem ser revogadas ou consideradas sem eficácia em razão de o fato ter acontecido no âmbito de um novo canal virtual. Se uma pessoa apresentar razões e provas suficientes, que lhe permitem “ser esquecida”, “ser deixada em paz”, sem prejuízo algum à coletividade, por que não lhe assegurar esse direito? O mundo digital potencializa enormemente os danos, que podem ser incalculáveis ante a grande dificuldade de se eliminar ou fazer parar de circular uma foto ou um vídeo ofensivo, uma informação inautêntica, havendo de se pensar em formas efetivas para tutelar o direito ao esquecimento, quando o caso se enquadrar nos parâmetros acima apontados.
A desmaterialização decorrente das novas tecnologias e o avanço do mundo digital têm efetivamente levado a transformações significativas nas formas de comunicação do ser humano, que agora se expressa muito frequentemente no plano virtual6, porém não podem representar o arrefecimento na tutela dos direitos da personalidade. Se tais ferramentas ampliam as comunicações e possibilidades de atuação em todas as áreas, assim como encorajam muitos a compartilhar conteúdo falso ou ofensivo, o regime de proteção a tais direitos precisa ser aprimorado. A desindexação em comento é um meio poderoso para se inibir a disseminação ou o revigoramento de notícias mendazes ou conteúdos danosos que deveriam ser deixados no passado.
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1- BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgInt no REsp 1593873/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, 3ª Turma, julgado em 10/11/2016, DJe 17/11/2016. Disponível aqui. Acesso em: 02/01/2021.
2- BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1660168/RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Rel. p/ Acórdão ministro Marco Aurélio Bellizze, 3ª Turma, julgado em 08/05/2018, DJe 05/06/2018. Disponível aqui.. Acesso em: 02/01/2021.
3- FARIAS, Cristiano Chaves de; BRAGA NETTO, Felipe; ROSENVALD, Nelson. Manual de Direito Civil. Vol. Único. 4. ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2019, p. 300.
4- FARIAS, Cristiano Chaves de; BRAGA NETTO, Felipe; ROSENVALD, Nelson. Manual de Direito Civil. Vol. Único. 4. ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2019, p. 214.
5- MARTINS, Fernando Rodrigues et al. Comentários ao Código Civil. Direito Privado Contemporâneo. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 107.
6- FARIAS, Cristiano Chaves de; BRAGA NETTO, Felipe; ROSENVALD, Nelson. Manual de Direito Civil. Vol. Único. 4. ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2019, p. 299-300.