Inúmeras dúvidas e preocupações surgiram nos consumidores quando receberam a notícia do fechamento da fábrica da Ford no Brasil. Dentre elas, analisaremos a reposição das peças dos veículos usados, a desvalorização dos automóveis e a rescisão contratual daqueles que estavam prestes a adquirir um carro Ford.
Com relação a reposição das peças, o Código de Defesa do Consumidor estabelece inúmeros deveres aos fornecedores de produtos e serviços, dentre eles encontra-se o dever de manter as peças de reposição durante o tempo de vida útil do produto.
Neste sentido, dispõe o art. 32 do CDC:
Art. 32. Os fabricantes e importadores deverão assegurar a oferta de componentes e peças de reposição enquanto não cessar a fabricação ou importação do produto.
Paragrafo único. Cessadas a produção ou importação, a oferta deverá ser mantida por período razoável de tempo na forma da lei.
Devemos salientar que o dispositivo fala em "período razoável de tempo". Tal termo deve ser entendido como o período de vida útil do produto como expressamente se refere o art. 13 XXI do decreto 2.181/97:
Art. 13. Serão consideradas, ainda, práticas infrativas, na forma dos dispositivos da lei 8.078, de 1990:
(...)
XXI - deixar de assegurar a oferta de componentes e peças de reposição, enquanto não cessar a fabricação ou importação do produto, e, caso cessadas, de manter a oferta de componentes e peças de reposição por período razoável de tempo, nunca inferior à vida útil do produto ou serviço.
Assim, cessadas a produção ou importação, a oferta deverá ser mantida por período razoável de tempo, ou seja, pelo tempo de vida útil do produto.
No mesmo sentido:
"O CDC não cuidou de definir o que seria uma período razoável de tempo; buscando preencher esse conceito indeterminado, o decreto-lei 2.181/97, em seu inc. XXI do art. 13, dispõe que o período razoável nunca pode ser inferior ao tempo de vida útil do produto ou serviço, assim, se mostra necessária a análise in concreto do período que será tido como razoável para gerar a obrigação, sempre desprezando os exagerados, para que seja estimada a média de expectativa de vida útil do produto." (TJ-PI Apelaçao Cível : AC 0002684-49.2004.8.18.0140 PI 201200010044431)
No que tange a uma possível desvalorização do valor do automóveis que vão sair de linha da marca Ford, devemos ter cautela na análise dos casos particulares. Tudo deve ser analisado à luz da boa-fé, dos princípios contratuais e das normas do CDC, verificando se houve a publicidade enganosa.
Ao adquirir um automóvel, o consumidor, em regra, opta pela compra do modelo do ano, isto é, aquele cujo modelo deverá permanecer por mais tempo no mercado, circunstância que minimiza o efeito da desvalorização decorrente da depreciação natural.
Desde o momento da compra, até o pós-venda, surge o direito de informação. A necessidade de que as informações sobre o produto sejam prestadas ao consumidor, antes e durante a contratação, de forma clara, ostensiva, precisa e correta, visando a sanar quaisquer dúvidas e assegurar o equilíbrio da relação entre os contratantes.
Um dos principais aspectos da boa-fé objetiva é seu efeito vinculante em relação à oferta e à publicidade que se veicula, de modo a proteger a legítima expectativa criada pela informação, quanto ao fornecimento de produtos ou serviço.
Desta forma, em que pese ser lícito ao fornecedor fechar a fábrica e interromper a produção, não poderá desrespeitar o direito dos consumidores e ferir a expectativa legítima gerada nos mesmos, violando os princípios da boa-fé objetiva, da confiança e da vulnerabilidade.
No âmbito do direito do consumidor, um dos principais aspectos da boa-fé objetiva é seu efeito vinculante em relação à oferta e à publicidade que se veicula. Como se vê, a expressão "prática abusivas" é tratada de forma bastante abrangente pelo CDC, englobando qualquer conduta do fornecedor que viole os padrões negociais estabelecidos no mercado de consumo, inclusive na fase pós-contratual.
No caso em análise, poderá ocorrer a publicidade enganosa, entendida como toda e qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços (art. 37, § 1o).
Logo, configura publicidade enganosa toda aquela capaz de induzir o consumidor em erro, fazendo com que tenha uma falsa percepção da realidade, dissociada daquilo que legitimamente poderia esperar do fornecedor, quadro que também se liga inexoravelmente ao conteúdo da boa-fé objetiva.
As regras do mercado não podem se sobrepor aos princípios da boa-fé e da eticidade, aniquilando expectativas legítimas dos consumidores, parte indiscutivelmente mais fraca na relação de consumo.
Claudia Lima Marques define a boa-fé como sendo :
(...) uma atuação 'refletida', uma atuação refletindo, pensando no outro, no parceiro contratual, respeitando-o, respeitando seus interesses legítimos, suas expectativas razoáveis, seus direitos, agindo com lealdade, sem abuso, sem obstrução, sem causar lesão ou desvantagem excessiva, cooperando para atingir o bom fim das obrigações: o cumprimento do objetivo contratual e a realização dos interesses das partes."
(Contratos no Código de Defesa do Consumidor, São Paulo, 2002, RT, 4a ed., pgs. 181/182).
Assim, no âmbito do direito do consumidor, um dos principais aspectos da boa-fé objetiva é seu efeito vinculante em relação à oferta e à publicidade que se veicula, de modo a proteger a legítima expectativa criada pela informação.
Por sua vez, o art. 6o, III e IV, do CDC inclui entre os direitos básicos do consumidor o direito à informação, assegurando-lhe, ainda, proteção contra a publicidade enganosa, assim definida pelo art. 37, § 1o, como "qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços."
E sobre o tema, observa RIZZATTO NUNES, "o efeito da publicidade enganosa é induzir o consumidor a acreditar em alguma coisa que não corresponda à realidade do produto ou serviço em si, ou relativamente a seu preço e forma de pagamento, ou, ainda, a sua garantia etc. O consumidor enganado leva, como se diz, 'gato por lebre'. Pensa que está numa situação, mas, de fato, está em outra." (Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, São Paulo, 2007, Saraiva, 3a ed., pg. 460)
Em que pese a aquisição de um veículo sempre acarretar para o proprietário uma perda em relação ao seu valor de compra, causado pela depreciação natural do bem, ele deve ser informado de todos os riscos da negociação, principalmente se um carro vai sair de linha, sob pena de publicidade enganosa e indução do consumidor a erro.
Por fim, aqueles consumidores que iniciaram a contratação antes da notícia do fechamento da fábrica terão do direito de cancelar a contratação em razão da ocorrência de fato superveniente, conforme artigo 6º, inciso V, do CDC.
Para que o consumidor tenha direito à revisão ou rescisão do contrato, basta que haja onerosidade excessiva para ele, em decorrência de fato superveniente. Não há necessidade de que esses fatos sejam extraordinários nem que sejam imprevisíveis. Também não lhe é exigido que haja vantagem exagerada em prol de uma das partes para a revisão do contrato. Tudo com fundamento na teoria do rompimento da base objetiva do negócio jurídico.
Desta forma, como visto, o fechamento da Fábrica da Ford ensejará inúmeras consequências. No que tange ao direito do consumidor foram analisadas algumas delas visando conceder ao mesmo segurança jurídica nas relações contratuais. Vale ressaltar que a depender do caso concreto, pode ensejar ao consumidor atingido o pleito em juízo da devolução do produto e o ressarcimento pelos danos morais e materiais suportados.