Migalhas de Peso

O papel da cláusula de declaração e garantia no distressed M&A

A cláusula de declaração e garantia é essencial para uma correta precificação e para assegurar a simetria informacional.

21/1/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

A pandemia de covid-19 trouxe consigo o enfrentamento de crises econômicas por parte das empresas de múltiplos setores. Apesar de ser um momento financeiramente sensível para o mercado, ao mesmo tempo pode gerar o aumento da procura por aquisições de empresas com distressed assets. Esta modalidade operacional permite que, devido à desvalorização do valor referencial das empresas, o seller side consiga evitar uma situação de insolvência, prejudicial a target, e aumentar a sua captação, e o buyer side, compor uma carteira com ativos com um preço competitivo. Entretanto, M&A envolvendo distressed assets são ainda mais desafiadores, principalmente para parte compradora, devido a dificuldade financeira em que a target se encontra, por isso, as cláusulas de Declarações e Garantias (D&G) são essenciais para o bom funcionamento da operação.

As D&G possuem como intuito diminuir a assimetria informacional entre o comprador e o vendedor, para que dessa forma, como é presente na teoria do economista George A. Akerlof, haja uma melhor precificação da target. As D&G são conexas com a auditoria da empresa - a due diligence - uma vez que nesta o buyer side consegue retirar do vendedor uma lista de informações relevantes e fazê-lo declarar quais qualidades ou declarações da empresa são verdadeiras. Conforme o art. 219 do Código Civil, estas cláusulas criam o status legal de presunção relativa, garantidas pelo remédio contratual da indenização.

No caso de empresas com dificuldade financeira, as D&G garantem a real observação do estado dos ativos provenientes da massa falida, desde a sua liquidez até as obrigações perante os stakeholders, o que é fundamental para a futura sucessão empresarial. Além das contingências não previstas pelo comprador, possíveis lacunas nas cláusulas de D&G, ou mesmo a imperícia na due diligence, podem gerar riscos de ineficácia da própria operação de M&A se ensejar: a) fraude contra credores, quanto a operação vier a prejudicar os credores, ou então tem a intenção de fraudá-los, uma vez que o vendedor torna-se insolvente no closing ou em decorrência da operação ( art 158, CC); b) fraude à execução (art. 792) e; c) e ineficácia na falência, que ocorre quando após o closing for decretada falência da empresa target.

Dito isso, nesse sentido, um dos possíveis debates entre o vendedor e o comprador é sobre o formato da cláusula, esta podendo ser pro-sandbagging ou anti-sandbagging, ou seja, respectivamente, incluindo ou excluindo o direito de indenização do comprador por passivo oculto que poderia ter a sua existência comprovada através da due diligence. Uma cláusula pro-sandbagging é ainda mais relevante para o comprador em situações como a atual, em que as empresas em dificuldade realizam, em muitas vezes, a modalidade carve-out para manter a liquidez da empresa, ao se desfazer dos ativos que não essenciais ao core da atividade, como linhas de produção ou subsidiários.

Ou seja, dadas as diferentes modalidades apresentadas, deve-se reiterar a importância de tal cláusula. É interessante ao vendedor realizar as Declarações, pois evita futura discussão judicial acerca do dever de informar, decorrente da boa-fé exigida dos negócios jurídicos. Ao mesmo tempo, é benéfico ao comprador, posto que a aquisição de uma empresa é feita no estado em que ela se encontra, o que engloba seus ativos e passivos, portanto, sem as Declarações do vendedor, o comprador só poderia ensejar indenização caso provasse má-fé do vendedor em não disponibilizar informações sobre determinado passivo. Isso aumentaria o ônus do comprador em provar o ilícito, para além de estar sujeito a um julgamento subjetividade de um juiz ou árbitro. Desse modo, as declarações tornam o ilícito mais claro, visto que seria automaticamente descumprimento de uma obrigação contratual.

Além disso, é importante para as partes estipular Garantias, como forma de indenização, já que a quebra contratual por declaração falsa não deve sempre ensejar o desfazimento do negócio jurídico, tendo em vista isso seria ainda mais prejudicial, dado o custo envolvido em toda a negociação. Também, é um modo das partes estabelecerem o que consideram justo como indenização, evitando novamente eventual arbítrio subjetivo de terceiro julgador.

Portanto, a cláusula de D&G em Distressed M&A mostra-se essencial, pois evita assimetria de informação, garante o direito à indenização diante de quebra contratual por declaração falsa e evita julgamentos subjetivos, demonstrando claramente ao juiz ou árbitro o que as partes pretendiam com tal cláusula.

 

Luana Miranda
Bacharelanda em Direito pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo.

Maria Fernanda Archangelo
Bacharelanda em Direito pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo.

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