A pandemia de covid-19 trouxe consigo o enfrentamento de crises econômicas por parte das empresas de múltiplos setores. Apesar de ser um momento financeiramente sensível para o mercado, ao mesmo tempo pode gerar o aumento da procura por aquisições de empresas com distressed assets. Esta modalidade operacional permite que, devido à desvalorização do valor referencial das empresas, o seller side consiga evitar uma situação de insolvência, prejudicial a target, e aumentar a sua captação, e o buyer side, compor uma carteira com ativos com um preço competitivo. Entretanto, M&A envolvendo distressed assets são ainda mais desafiadores, principalmente para parte compradora, devido a dificuldade financeira em que a target se encontra, por isso, as cláusulas de Declarações e Garantias (D&G) são essenciais para o bom funcionamento da operação.
As D&G possuem como intuito diminuir a assimetria informacional entre o comprador e o vendedor, para que dessa forma, como é presente na teoria do economista George A. Akerlof, haja uma melhor precificação da target. As D&G são conexas com a auditoria da empresa - a due diligence - uma vez que nesta o buyer side consegue retirar do vendedor uma lista de informações relevantes e fazê-lo declarar quais qualidades ou declarações da empresa são verdadeiras. Conforme o art. 219 do Código Civil, estas cláusulas criam o status legal de presunção relativa, garantidas pelo remédio contratual da indenização.
No caso de empresas com dificuldade financeira, as D&G garantem a real observação do estado dos ativos provenientes da massa falida, desde a sua liquidez até as obrigações perante os stakeholders, o que é fundamental para a futura sucessão empresarial. Além das contingências não previstas pelo comprador, possíveis lacunas nas cláusulas de D&G, ou mesmo a imperícia na due diligence, podem gerar riscos de ineficácia da própria operação de M&A se ensejar: a) fraude contra credores, quanto a operação vier a prejudicar os credores, ou então tem a intenção de fraudá-los, uma vez que o vendedor torna-se insolvente no closing ou em decorrência da operação ( art 158, CC); b) fraude à execução (art. 792) e; c) e ineficácia na falência, que ocorre quando após o closing for decretada falência da empresa target.
Dito isso, nesse sentido, um dos possíveis debates entre o vendedor e o comprador é sobre o formato da cláusula, esta podendo ser pro-sandbagging ou anti-sandbagging, ou seja, respectivamente, incluindo ou excluindo o direito de indenização do comprador por passivo oculto que poderia ter a sua existência comprovada através da due diligence. Uma cláusula pro-sandbagging é ainda mais relevante para o comprador em situações como a atual, em que as empresas em dificuldade realizam, em muitas vezes, a modalidade carve-out para manter a liquidez da empresa, ao se desfazer dos ativos que não essenciais ao core da atividade, como linhas de produção ou subsidiários.
Ou seja, dadas as diferentes modalidades apresentadas, deve-se reiterar a importância de tal cláusula. É interessante ao vendedor realizar as Declarações, pois evita futura discussão judicial acerca do dever de informar, decorrente da boa-fé exigida dos negócios jurídicos. Ao mesmo tempo, é benéfico ao comprador, posto que a aquisição de uma empresa é feita no estado em que ela se encontra, o que engloba seus ativos e passivos, portanto, sem as Declarações do vendedor, o comprador só poderia ensejar indenização caso provasse má-fé do vendedor em não disponibilizar informações sobre determinado passivo. Isso aumentaria o ônus do comprador em provar o ilícito, para além de estar sujeito a um julgamento subjetividade de um juiz ou árbitro. Desse modo, as declarações tornam o ilícito mais claro, visto que seria automaticamente descumprimento de uma obrigação contratual.
Além disso, é importante para as partes estipular Garantias, como forma de indenização, já que a quebra contratual por declaração falsa não deve sempre ensejar o desfazimento do negócio jurídico, tendo em vista isso seria ainda mais prejudicial, dado o custo envolvido em toda a negociação. Também, é um modo das partes estabelecerem o que consideram justo como indenização, evitando novamente eventual arbítrio subjetivo de terceiro julgador.
Portanto, a cláusula de D&G em Distressed M&A mostra-se essencial, pois evita assimetria de informação, garante o direito à indenização diante de quebra contratual por declaração falsa e evita julgamentos subjetivos, demonstrando claramente ao juiz ou árbitro o que as partes pretendiam com tal cláusula.