Migalhas de Peso

A verba honorária nas ações previdenciárias e a súmula 111 do STJ

O autor sustenta que não há fundamento jurídico válido para amparar o entendimento fixado na súmula 111 do STJ, que versa sobre a base de cálculo dos honorários advocatícios sucumbenciais nas ações previdenciárias.

20/1/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Em matéria previdenciária, o cálculo dos honorários advocatícios sucumbenciais não é realizado a partir do valor total da condenação imposta pelo Poder Judiciário. Por conta da diretriz fixada pela súmula 111 do STJ, são excluídas da base de cálculo da verba honorária as parcelas vencidas posteriormente à prolação da sentença.

A referida súmula (que não é vinculante, mas tem cariz persuasivo) dispõe que “os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, não incidem sobre as prestações vencidas após a sentença”1. Este enunciado foi aprovado por aquela corte em 06/10/94, tendo sido modificado em 27/09/06 para se acrescer “após a sentença”2. Mas cabe consignar que, se o direito só foi reconhecido nas instâncias recursais, o marco final da verba honorária será o acórdão que reconheceu o direito do segurado.

A compreensão traçada na súmula foi firmada “por se entender que nesse tipo de demanda não se aplica o disposto no artigo 20, § 5º, do CPC, pois este se refere, exclusivamente, aos casos de indenização por ato ilícito contra a pessoa” (EREsp 195520-SP)3. Nesse sentido também é o esclarecimento de Roberto Rosas4.  

De fato, o § 5º do artigo 20 do CPC revogado dispunha que, nas ações de indenização por ato ilícito contra pessoa, o valor da condenação devia ser “a soma das prestações vencidas com o capital necessário a produzir a renda correspondente às prestações vincendas”. Entretanto, nas ações previdenciárias, não é nada consistente a aplicação dessa regra a contrario sensu para se limitar a incidência da verba honorária às prestações vencidas até a sentença ou acórdão que reconheceu o direito do segurado. O CPC anterior não trazia norma alguma que permitisse essa limitação, havendo de se admitir que tal compreensão, fixada na súmula, não possuía e não possui real embasamento epistêmico, apenas favorecendo o órgão previdenciário sucumbente, na medida em que pode recorrer sem sofrer um impacto financeiro maior decorrente de sua escolha. 

O CPC vigente trouxe, no § 9º do artigo 85, regra no sentido de que, “na ação de indenização por ato ilícito contra pessoa, o percentual de honorários incidirá sobre a soma das prestações vencidas acrescida de 12 (doze) prestações vincendas”. Se fosse intenção do legislador, ele teria concebido um dispositivo dessa natureza para nessa linha disciplinar a fixação dos honorários advocatícios sucumbenciais nas ações previdenciárias. Na realidade, a nova codificação também não trouxe nenhuma norma que permita a manutenção de tal entendimento sumulado. No artigo 85 e nos que se seguem a ele, não existe preceito algum que autorize estabelecer tal limitação, de maneira que o valor total da condenação é que deve servir de base para o cálculo dos honorários advocatícios devidos pela parte sucumbente. E o valor da condenação é expressão do proveito econômico obtido com a ação, sendo este proveito a “verdadeira base de cálculo em matéria de honorários”5. Nas lides previdenciárias, o valor da condenação costuma ser representado pela soma dos valores das parcelas não quitadas (dívida principal), acrescidos de correção monetária e juros moratórios.

A apuração da verba honorária deve se dar, pois, a partir dos valores devidos não só até a sentença, mas até o momento da liquidação/cumprimento do título judicial, sob pena de se beneficiar indevidamente a parte vencida. Se o INSS ou outro instituto previdenciário opta por recorrer e isso gera demora até a solução final do conflito de interesses, deve suportar o ônus econômico de sua escolha. Esse raciocínio deve levar ao cancelamento6 da súmula 111 do STJ. Como bem ponderado por Faleiros Diniz7, “(...) a sucumbência não pode parar com o advento da sentença, porque o processo segue e persiste a resistência do réu sucumbente com interposição de infindáveis recursos, aí, sim, protelando a solução da lide. Se o réu não recorresse e deixasse transitar em julgado a decisão, não haveria a protelação, e os ganhos seriam enormes para os beneficiários, como nos casos em que ocorre a antecipação de tutela jurisdicional”.

Os defensores do entendimento fixado na súmula acreditam que a limitação nela trazida se justifica pelo fato de não ser possível antever qual será o prazo de duração do processo na fase recursal, de forma que o valor final dos honorários de sucumbência poderia se tornar muito elevado, circunstância que autorizaria o Poder Judiciário a manter tal mecanismo de limitação do valor máximo da verba honorária. Acontece que o próprio CPC criou esse mecanismo, ao determinar, no § 3º do artigo 85, que o percentual máximo dos honorários deve variar entre 1% a 20%, de acordo com o valor da condenação ou do proveito econômico obtido por meio do processo, atentando-se para as faixas apontadas no referido dispositivo legal.

Assim, o juízo de equidade explicitado na súmula não mais tem sentido, pois o próprio legislador criou os critérios aptos a balancear os interesses em jogo. Ao manter, no contexto normativo atual, a compreensão estabelecida no aludido enunciado sumular, o Judiciário não apenas cria uma regra, como também altera uma cláusula de balanceamento de interesses criada pelo legislador. Não é possível ignorar que, em relação à Fazenda Pública, o CPC instituiu um “regramento próprio, com o intuito de objetivar os parâmetros para a sua fixação, tarifando seu arbitramento em percentual relacionado à vantagem econômica obtida com a demanda pelo vencedor, a seu ver, a forma mais justa de onerar os cofres públicos, ou seja, quanto maior o proveito econômico obtido pela parte vencedora, menor será o percentual de honorários advocatícios que incidirão sobre a condenação principal”8. Ainda, na definição do percentual segundo as faixas estabelecidas, o código reza que o juiz, numa apreciação equitativa, deverá tomar em consideração os seguintes critérios: “I - o grau de zelo do profissional; II - o lugar de prestação do serviço; III - a natureza e a importância da causa; IV - o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço” (§ 2º do artigo 85).

Todavia, enquanto essa nova compreensão não é acolhida pelos tribunais superiores9, a diretriz delineada na súmula segue sendo aplicada pelas cortes de apelação e pelos juízos de primeiro grau. Deveras, a cognição assentada no verbete em comento vem sendo mantida de modo acrítico, escorada tão somente na perspectiva de proporcionar segurança jurídica. Não há fundamento juridicamente válido para sustentar tal ponto de vista, que, aliás, só existe no que toca às ações previdenciárias, não se cogitando disso nas ações tributárias e nas que versam sobre Direito Administrativo, por exemplo. Ora, se, nos domínios das demandas judiciais previdenciárias, o poder público pretende afastar as prestações vincendas da base de cálculo dos honorários advocatícios sucumbenciais, deve agir para concretizar seu intento pela via legislativa.

Destarte, na visão deste articulista, já passou da hora de se refletir seriamente sobre o assunto e rever o entendimento fixado na súmula, sobretudo quando o INSS insiste em recorrer mesmo quando a sentença está em plena sintonia com os precedentes vinculantes do STJ e do STF ou com a jurisprudência consolidada da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais. Não se pode admitir que uma interpretação sem o menor respaldo legal continue a servir de estímulo para a interposição de recursos meramente protelatórios, assim como de expediente para reduzir a verba honorária devida ao profissional da advocacia que patrocinou a causa.10

_________

1- Nessa linha é, também, a súmula nº 76 do TRF da 4ª Região: “Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, devem incidir somente sobre as parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforme a sentença de improcedência”.

2- Informação disponível aqui.. Acesso em: 02/01/2021.

3- BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Relator(a):  Min. Felix Fischer. Brasília/DF, 18/10/1999. Disponível aqui.. Acesso em: 02/01/2021.

4- ROSAS, Roberto. Direito Sumular. Comentários às Súmulas do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. 10 ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 339-340.

5- NEGRÃO, Theotônio; GOUVÊA, José Roberto Ferreira; BONDIOLI, Luís Guilherme Aidar; FONSECA, João Francisco Naves da. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. 47. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 551. 

6- Nesse sentido é o PARECER PGFN/CRJ/No 440/2016 - Despacho PGFN/CRJ/Nº 1533/2016). Honorários de sucumbência. Análise dos impactos das inovações promovidas pela Lei nº 13.105/2015 (novo Código de Processo Civil), p. 176. Disponível aqui.. Acesso em: 02/01/2021.

7- DINIZ, Carlos Roberto Faleiros. Os honorários advocatícios e a súmula 111 do STJ. Disponível aqui..  Acesso em: 02/01/2021.

8- ALVAREZ, Anselmo Prieto. Honorários advocatícios contra a Fazenda Pública e o novo CPC. In: DIDIER JR, Fredie. (Coord. geral.).  Coleção Grandes Temas do Novo CPC. Honorários Advocatícios. 3. ed. Salvador: JusPodivm, 2019, p. 426.

9- Há notícia de que o assunto será debatido no julgamento do REsp 1.760.973/PR, sob a relatoria da Ministra Assusete Magalhães.

10- Registro meus agradecimentos aos Juízes Federais Alexandre Ferreira Infante Vieira e Mateus Benato Pontalti, vinculados ao TRF1, pela troca de ideias e pelas observações que fizeram acerca do assunto.

Flávio da Silva Andrade
Juiz Federal da Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais em Uberlândia/MG. Doutorando e Mestre em Direito pela UFMG. Ex-Promotor de Justiça do MPRO e ex-Juiz de Direito do TJAC.

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