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Planejamento sucessório e os testamentos como meio eficaz de sua instrumentalização

Entenda o que é o planejamento sucessório e porque os testamentos são forma democrática e eficaz para colocá-lo em prática.

21/1/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Com a pandemia ocasionada pelo novo coronavírus e o cenário atípico instalado no país e no mundo dela decorrente, a efemeridade da vida tornou-se fato presente, intensificando a preocupação das pessoas quanto às questões atreladas aos direitos sucessórios e a procura por meios seguros de planejar a transmissão da herança. E a afirmação não decorre de uma percepção isolada ou de simples elucubrações, mas de dados coletados pelo Colégio Notarial do Brasil, que revelam um aumento de 134% no número de testamentos registrados nos Cartório de Notas espalhados pelo país, apenas entre abril e julho de 20201.

O planejamento sucessório, na definição de Rolf Madaleno, “é ciência relativamente recente, que compreende um conjunto de projeções realizadas em vida, para serem cumpridas como manifestação de um querer especial, sobrevindo a morte do idealizador, sendo então cumprida sua vontade em sintonia com seus antecipados desígnios, tudo com vistas ao bem comum de seus herdeiros, construindo um ambiente de pacífica transição da titularidade da herança, contribuindo o planejamento da sucessão para a melhor perenização do acervo do espólio2.

Os testamentos representam, talvez, a forma mais simples de planejar a sucessão – isto é, estabelecer, dentro dos limites legais existentes, como quero transmitir meu patrimônio após a morte. São negócios jurídicos, como o são os contratos, por exemplo, cujo objetivo primordial é privilegiar a vontade do testador, com aplicação apenas supletiva das disposições legais genericamente estabelecidas.

A sucessão legítima, ou seja, aquela disposta na lei civil, ampara-se em uma vontade presumida do morto: presume-se que, morrendo, o autor da herança desejaria dispor dessa forma e em favor de certos e determinados sujeitos o seu patrimônio, o que nem sempre é verdade. Já a sucessão testamentária, ou seja, aquela que perpassa pela elaboração de testamento por parte do autor da herança, esteia-se na sua vontade real, exatamente porque ela é expressa formal e solenemente em documento destinado a esse fim.

Normalmente, os testamentos são feitos mediante escritura pública, o que lhe confere maior segurança, na medida em que são lavrados perante notário dotado de fé-pública, que certifica a plena capacidade mental e física do testador, conferindo indiscutível validade ao documento e evitando alongadas e desnecessárias discussões futuras que visem anulá-lo ou declará-lo nulo. O testamento é arquivado junto à central de testamentos e seu teor, apesar do caráter público da escritura, não pode ser consultado por terceiros antes do óbito do testador, podendo ser alterado ou revogado pelo autor a qualquer momento.

É possível, ainda, realiza-lo de forma particular ou hológrafa, com a observância de requisitos específicos, timbrados no artigo 1.876 do Código Civil: ser redigido à mão ou por meio mecânico; assinado de próprio punho pelo testador e lido por ele na presença de pelos menos três testemunhas, que o subscreverão e confirmarão seu teor após a morte do testador; não conter rasuras ou espaços em brancos que, se existentes nos testamentos manuscritos, devem ser ressalvadas no texto, sob pena de invalidade.

Sem embargo, não é recomendável a utilização dos testamentos particulares, quanto mais como instrumento de planejamento sucessório, dada a insegurança que decorre dessa forma de testar. É que a perda ou extravio do documento ou, mesmo a eleição de testemunhas impedidas3 – o que não é difícil de ocorrer, haja vista a relação próxima que os impedidos normalmente detêm com o testador – pode ser causa de anulação do documento.

Infinitas são as possibilidades de gerir a transmissão do patrimônio por testamento. Através dele, permite-se a inclusão de sucessores pretendidos pelo autor da herança; o perdão aos indignos e, na contramão dele, a deserdação; a declaração da natureza comum ou exclusiva de determinado bem; a deliberação quanto aos bens que, preferencialmente, devem compor a legítima ou integrar a parte disponível; a inserção justificada de cláusulas restritivas sobre a legítima; a dispensa da colação de bens doados em vida aos descendentes; a inclusão ou exclusão de determinados bens no pagamento da quota hereditária com a fixação do modo de partilha; e até mesmo a declaração e o reconhecimento da existência de eventual união estável, hetero ou homoafetiva, ou de filiação, prevenindo conflitos futuros e dispendiosos em torno de tais temáticas.

É possível, também, sujeitar a transmissão do patrimônio à observância de certas e determinadas condições estabelecidas pelo autor da herança ou, ainda, alijar sujeitos – inclusive os pais ou responsáveis legais – da administração dos bens deixados aos filhos, além de determinar quais bens devem compor o pagamento do quinhão de cada herdeiro, de modo que o próprio testador defina a partilha, dentre inúmeras outras possibilidades, que variam de acordo com as necessidades particulares do transmitente.

A despeito da gama de arranjos possíveis, em qualquer caso, há que se observar a necessidade de preservar a legítima, norma expressa no artigo 1.798 do Código Civil. A legítima corresponde à parcela da coletividade de bens que integram a herança dos quais não se pode dispor, na existência de herdeiros necessários. São herdeiros necessários, na literalidade do artigo 1.845 do Código Civil, os descendentes, os ascendentes e os cônjuges. São também herdeiros necessários, na compreensão de maior parte da doutrina especializada, os companheiros – aqueles que vivem em união estável –, por força do julgamento do Recurso Extraordinário 878.694, que assentou a inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil, equiparando o regime sucessório de cônjuges e companheiros.

A adaptabilidade do testamento às mais variadas necessidades, como instrumento de planejamento sucessório, é talvez sua característica mais atrativa, e sua utilização não está restrita a grandes patrimônios, podendo ser utilizada mesmo por aqueles que possuem um único bem. O baixo custo, na comparação com outros instrumentos utilizados como formas de planejar a sucessão, e a simplicidade do procedimento, que se constitui em único ato, também o torna alternativa atrativa e, indubitavelmente, eficaz ao seu objetivo principal.

Por fim, vale dizer que os pactos antenupciais ou contratos de união estável, as doações, clausuladas ou não, a criação de holdings, os contratos de previdência privada e de seguro de vida e, por fim, a própria realização da chamada partilha em vida, são também meios eficazes de planejar a sucessão e podem ser utilizados, inclusive, de forma conjugada com o testamento. Garante-se, assim, da maneira mais segura, eficiente e individualizada, que a vontade do autor da herança seja respeitada e sobrelevada quanto aos desígnios do patrimônio que, no mais das vezes, leva-se uma vida inteira para construir.

_________

1 Dados levantados pelo Colégio Notarial do Brasil — Conselho Federal (CNB-CF).

2 MADALENO, Rolf. Planejamento sucessório. Revista IBDFAM – Famílias e Sucessões. Belo Horizonte: IBDFAM. v. 01, jan./fev. 2014. p.12

3 Conforme artigo 228 e artigo 1.801, ambos do Código Civil, não podem ser testemunhas o herdeiro ou legatário instituído no testamento, bem como seus descendentes, ascendentes, irmãos, cônjuges ou companheiros e, também, os cônjuges, os descendentes, os ascendentes e os colaterais por consanguinidade, até o terceiro grau, das partes envolvidas. Vale dizer, ainda, que segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, as testemunhas impedidas de participarem do ato são as resultantes de parentesco por consanguinidade, não as por afinidade.

Maria Eduarda Carvalho Ribeiro Vilaça
Advogada do escritório Pasquali & Poffo Advogados Associados. Especialista em Direito das Famílias e Sucessões pela Faculdade CESUSC.

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