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A oitiva de testemunhas nas audiências virtuais e a preservação dos princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa e e do acesso à justiça

Com o advento da pandemia de covid-19 e como forma de mitigar a rápida propagação do coronavírus, as audiências virtuais mostraram-se extremamente necessárias e eficazes para garantir a duração razoável do processo.

14/1/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

As audiências virtuais não são novidade no nosso ordenamento jurídico. O Código Penal já previa a realização de atos processuais por videoconferência desde 2008 e o Conselho Nacional de Justiça, através da portaria 16/2015 já registrava a necessidade "impulsionar o uso de meios eletrônicos para a tomada de decisões" visando aprimorar a prestação jurisdicional.

Ademais, as audiências por videoconferência são citadas diversas vezes ao longo do Código de Processo Civil de 2015, tais como o artigo 236, § 3 que diz que "admite-se a prática de atos processuais por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real".

O artigo 385, § 3, permite que a parte que viver em comarca distinta de onde tramita o processo, poderá prestar depoimento pessoal através de videoconferência. Também é permitido à testemunha a oitiva via videoconferência, na hipótese dessa viver em comarca diferente de onde tramita o processo, nos termos do artigo 453, § 1, sem prejuízo de participar inclusive de acareação, conforme dispõe o artigo 461 § 2. E ainda, o artigo 937 § 4º permite ao advogado a sustentação oral por meio de videoconferência, caso este não tenha domicilio profissional na mesma sede do Tribunal.

Com o advento da pandemia de covid-19 e como forma de mitigar a rápida propagação do coronavírus, as audiências virtuais mostraram-se extremamente necessárias e eficazes para garantir a duração razoável do processo, no entanto, a virtualização do ato processual trouxe consigo uma série de novos questionamentos ainda sem solução pelo Poder Judiciário.

Ocorre que, o meio telepresencial das audiências que requerem oitiva de partes e/ou de testemunhas nem sempre se mostra compatível com o devido processo legal, na medida em que, não permite ao Juízo constatar e nem assegurar o isolamento ou a incomunicabilidade das testemunhas e das demais pessoas envolvidas na sessão, de forma que se proceda a oitiva separada sem que uma ouça o depoimento das outras, nos termos dos art. 385, § 2º , 387 e 456 do Código de Processo Civil.

Outro ponto controvertido, é que o Código de Processo Civil apesar de facultar a prática de atos por videoconferência, dispõe que os juízos deverão manter equipamento para a transmissão e recepção de sons e imagens (art. 453, § 1º), ou seja, o órgão jurisdicional deve manter local e equipamentos apropriados para garantia da ordem processual.

Na prática, o que tem ocorrido é a oitiva de testemunhas fora da sede do órgão jurisdicional, com a possibilidade de interferências externas nos depoimentos, mediante comunicação da testemunha com a parte e com advogados, e, ainda, o acesso a documentos escritos durante o depoimento.

Ou seja, há enorme risco de violação ao devido processo legal, à ampla defesa e ao contraditório, e, portanto, a audiência realizada nessas condições poderá ser declarada nula.

O contraditório, a ampla defesa e devido processo legal, constituem garantias fundamentais e basilares no Estado Democrático de Direito inaugurado com a Constituição Federal de 1988. Por outro lado, o Código de Processo Civil estabelece um conjunto de normas relativas à produção de prova oral, de modo a garantir que tal prova seja segura juridicamente, válida, desembaraçada e, por consequência, legítima.

O grande dilema se dá entre o direito das partes de obterem em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa, e de outro, de ter assegurado o direito à ampla produção de prova, com todos os meios e recursos a ela inerentes.

Os defensores da inépcia das audiências virtuais defendem que possibilidade de gravação das audiências, com posterior disponibilização às partes, não suprem as inviabilidades demonstradas acima, considerando que o Juízo não tem uma visão periférica do entorno sob o qual a parte ou a testemunha estão a depor, ou seja, o juiz não tem como constatar eventual vício na manifestação.

Como visto, o tema é controvertido e sobre ele não há um consenso doutrinário ou jurisprudencial, mas a verdade é que, sendo possível a preservação dos princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa e do acesso à justiça (previstos, respectivamente, no artigo 5º, LIV, LV e XXXV, da CF de 1988), a realização de audiência telepresencial para a produção de prova oral, além de garantir a observância ao princípio da razoável duração do Processo, viabilizará a continuidade da prestação jurisdicional aos jurisdicionados e, com isso, a preservação da esfera jurídica das partes.

 

Kalhil Kalume
Advogado, sócio do escritório Kalume Advogados com especialização em Direito Processual Civil pela Pontíficia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

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