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Nova lei de licitações: Aspectos gerais

O presente artigo pretende introduzir ao leitor as principais mudanças trazidas pela "nova lei de licitações", com base na análise do PL 5.253/2020.

12/1/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

O Senado aprovou recentemente o PL 4.253/2020, disciplinador da nova lei geral das licitações e contratos administrativos, a ser aplicável no âmbito da administração pública direta, autárquica e fundacional da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Em ato contínuo, encaminhou-o para a aguardada sanção presidencial, oportunidade em que ainda poderá sofrer veto total ou parcial.

Com a formalização de eventual sanção presidencial, serão revogadas: a atual lei de licitações (lei 8.666/1993), a lei 10.520/2002 (instituidora da licitação na modalidade pregão) e a lei 12.462/2011 (delimitadora do Regime Diferenciado de Contratações - RDC). Todavia, pelo período de 2 (dois) anos a contar da publicação do novel normativo, se admitirá que as entidades licitantes optem pela aplicação da antiga ou da nova legislação.

De qualquer sorte, é importante destacar que o novo marco legal foi inspirado pela necessidade de unificação e pacificação das normas esparsas, bem assim pelo imperativo de tornar a sistemática das contratações públicas mais ágil, eficaz, econômica e menos burocrática. Contudo, de uma primeira análise verifica-se que o legislador, em grande parte do texto produziu uma releitura das normas vigentes, adaptando-as, em alguns casos, ao entendimento externado pelos tribunais, especialmente pela Corte de Contas da União, a exemplo da:

a) inversão das fases, contemplando o julgamento anterior a fase de habilitação, como admitido na lei 10.520/2002 (lei do pregão), na lei 11.079/2004 (normas gerais para licitação e contratos de parceria público-privada), na lei 12.462/2011 (RDC) e na lei 13.303/2016 (disciplinadora das contratações e licitações realizadas pelas empresas estatais);

b) adoção do orçamento sigiloso, como já previsto na lei 12.462/2011 (RDC) e na citada lei 13.303/2016 (lei das estatais);

c) exigência de estipulação de Matriz de Risco, cláusula definidora dos riscos e responsabilidades das partes e caracterizadora do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, a exemplo do instituído pela lei 13.303/2016 (lei das estatais);

d) previsão da modalidade de contratação integrada (projetos básico e executivo sob responsabilidade do contratado) e contratação semi-integrada (imputação ao contratado apenas do projeto executivo), espelhadas pela lei 12.462/2011 (RDC) e igualmente pela lei 13.303/2016 (lei das estatais);

e) positivação do Procedimento de Manifestação de Interesse, já previsto na lei 8.428/2015 e aplicável no âmbito das concessões públicas, a partir do qual se possibilita pleitear à iniciativa privada, a apresentação de propostas e realização de estudos, investigações, levantamento e projetos de soluções inovadoras que contribuam com questões de relevância pública;

f) ratificação da tendência já consagrada na legislação, a exemplo da lei 11.079/2004 (instituidora das normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada) ao admitir a adoção de mecanismos alternativos de solução de controvérsias, notadamente conciliação, mediação, comitê de resolução de disputas e arbitragem;

g) possibilidade de utilização da modalidade pregão para contratação de serviços comuns de engenharia, como consolidado na súmula 257 do Tribunal de Contas da União; e

h) vedação de realização de obras e serviços de engenharia sem o projeto executivo, de modo a inibir a transfiguração do objeto originariamente licitado, consoante já evidenciado na súmula 261 do Tribunal de Contas da União.

De qualquer sorte, em que pese as reprises legislativas, é possível pontuar alguns aspectos mais inovadores do PL:

a) inclusão da modalidade de licitação denominada "diálogo competitivo", inspirada no modelo europeu e concebida essencialmente para as situações em que há desnível informacional entre a Administração Pública e os fornecedores, de modo que a solução mais adequada depende do estabelecimento de efetivo diálogo entre as partes;

b) ampliação do percentual de cobertura do seguro garantia dos atuais 5% (cinco por cento) para 20% (vinte por cento) nas obras, serviços e fornecimentos, e dos vigentes 10% (dez por cento) para 30% (trinta por cento) nos casos de contratação de grande vulto;

c) possibilidade de o edital exigir, para os casos de obras e serviços de engenharia, a prestação de seguro na modalidade seguro-garantia com previsão da responsabilidade da seguradora de, em casos de inadimplemento, assumir a execução e concluir o objeto contratado, sob pena de arcar, inclusive, com a multa contratual e com a indenização dos prejuízos e sobrecustos advindos de nova contratação;

d) introdução do regime de execução de obra e serviço de engenharia denominado fornecimento e prestação de serviço associado, em que se confere ao contratado a reponsabilidade pelo fornecimento do objeto e posterior operação e/ou manutenção;

d) estabelecimento de parâmetros e condicionantes que devem guiar o gestor do contrato na decisão de suspender a execução do contrato;

e) realização de audiência, presencial ou a distância, ou consulta pública, sobre licitações pretendidas pela Administração Pública;

f) previsão do contrato de eficiência, destinado a propiciar economia de recursos a partir da proporcionalidade da remuneração do contratado ao percentual de economia gerada pela atuação eficiente;

g) instituição da figura do agente de contratação, designado entre servidores efetivos ou empregados dos quadros permanentes para tomada de decisão, acompanhamento, impulso e bom andamento dos procedimentos licitatórios;

h) obrigatoriedade de cada ente federativo, na forma de regulamento, elaborar plano de contratação anual, com o escopo de racionalizar as contratações e subsidiar a edição das leis orçamentárias;

i) estipulação da fase preparatória das licitações compatibilizada com o plano de contratação anual, contemplando, dentre outros, a análise dos riscos que possam comprometer o sucesso da licitação e a boa execução contratual;

j) exigência quando da contratação de obras e serviços de engenharia, de obtenção pelo ente contratante da licença prévia para fins de licenciamento ambiental, além da previsão de prioridade de tramitação dos licenciamentos nos órgãos integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente – SISNAMA;

k) extinção das modalidades de tomada de preços e convite; e

l) criação do Portal Nacional de Contratações Públicas, sítio oficial eletrônico destinado a divulgação centralizada e obrigatória das licitações por todos os entes federativos.

Por fim, merece destaque a circunstância de que a proposta legislativa estabeleceu tímidas disposições relacionadas a gestão de contratos, instrumento fundamental ao planejamento e economicidade reclamados no texto. Além disso, outro aspecto negativo a ser mencionado é o formalismo, que tornam as contratações mais custosas, além do detalhismo exacerbado do texto.

Assim, em que pese o pojeto da nova lei de licitações consolidar, em grande medida, a fragmentada legislação atinente às compras públicas, ainda que com redação truncada e rebuscada, o legislador demonstra esforço tímido em aperfeiçoar o sistema, incorporando disposições consagradas encartadas em leis vigentes, aliadas a aspecto inovadores.

 

Anaíse Anádia Pires Ferreira Lima
Advogada, especialista em Direito Administrativo pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC/Minas e em Direito Empresarial, pela Fundação Getúlio Vargas - FGV.

Marcylio de Alencar Ferreira Lima
Advogado, especialista em Direito Administrativo pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC/Minas e MBA em Direito da Economia e da Empresa pela Fundação Getúlio Vargas - FGV.

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