Migalhas de Peso

Bioética e ética em pesquisas da psicologia jurídica

Como toda ciência, a Psicologia Jurídica – a partir da interface dos conhecimentos da Psicologia e do Direito – deve sempre vir acompanhada de cuidados éticos e científicos.

12/1/2021

(Imagem: Imagem Migalhas)

A atuação da Psicologia Jurídica deve se pautar pelo Código de Ética1, bem como valores e princípios que norteiam a sua comunidade. Porém os códigos de Ética não são inflexíveis e imutáveis, são decorrentes das reflexões da atuação profissional que procura se adequar às mudanças da sociedade2. De qualquer forma, cada mudança social coloca o psicólogo diante de dilemas éticos oferecidos por situações-limite.

O psicólogo jurídico deve estar preparado para enfrentar situações difíceis do ponto de vista ético, como por exemplo as transformações sociais e familiares decorrentes da pandemia do Coronavírus (SARS-COV-2):

Como deve ser a visitação aos filhos nesse período de isolamento social?

Enfim, muitas perguntas, pouquíssimas respostas, exigindo-se pesquisa, estudo e análise dos contextos familiares específicos. Os profissionais devem estar preparados para lidar com pesquisa científica, para assim poderem trazer resultados fidedignos e confiáveis para a sociedade.

 APLICABILIDADE DOS RESULTADOS DE PESQUISA EM PSICOLOGIA JURÍDICA

A Psicologia Jurídica vem se consolidando como uma área de atuação em plena expansão, como importante campo do conhecimento científico para a Psicologia em interface com as ciências jurídicas. Portanto, nada mais atual do que pesquisar e discutir os principais temas que abrangem esta atividade científica.

Os principais acontecimentos da sociedade, sejam eles transformações da vida familiar, seja a escalada da violência adulta e juvenil e do feminicídio e violência de gênero, ou ainda aspectos das relações de trabalho, passando pelos danos psíquicos decorrentes de danos morais; todas essas situações recorrem, direta ou indiretamente, ao auxílio do Judiciário para dirimir questões relevantes, estância que vem requisitando, com maior destaque e importância nos últimos tempos, dos aportes da Psicologia. O intuito é basear-se nela como ciência para compreender o comportamento humano e para subsidiar as decisões que melhor atendam às demandas sociais.

A Psicologia Jurídica surge nesse contexto, em que o psicólogo coloca seus conhecimentos à disposição do juiz (que irá exercer a função julgadora), assessorando-o em aspectos relevantes para determinadas ações judiciais, trazendo aos processos uma realidade psicológica dos agentes envolvidos que ultrapassa a literalidade da lei, e que de outra forma não chegaria ao conhecimento do julgador por se tratar de um trabalho que vai além da mera exposição de fatos; trata-se de uma análise aprofundada do contexto em que essas pessoas que acorrem ao Judiciário (agentes) estão inseridas. Essa análise inclui aspectos conscientes e inconscientes, verbais e não-verbais, individualizados e grupais, que mobilizam os indivíduos aos comportamentos, posturas, crenças, omissões.

Porém, observa-se uma defasagem entre as necessidades e demandas sociais e a produção científica que auxilie os profissionais na sua qualificação para a tarefa, bem como oriente e esclareça o público leigo acerca de questões importantes que são conduzidas ao Judiciário e que passam também pelo aporte da Psicologia (por exemplo, posicionamentos desinformados acerca da questão da Alienação Parental e da existência das ‘falsas memórias’ fazem com que determinados setores da sociedade manipulem informações para induzir bancadas parlamentares a revogar a Lei da Alienação Parental (nº 12.318/2010) sem permitir o debate, o contraditório e a ampla defesa, sem conceder audiências públicas como preconiza o nosso sistema democrático), sem ponderar a importância da vigência dessa lei para a proteção da integridade física e psicológica de crianças em contexto de litígio dos pais.

Enfim, em qualquer âmbito de atuação do psicólogo, deve-se ter a consciência de que sua intervenção, por menor que seja, também traz implicações, podendo mobilizar conteúdos com os quais o sujeito pode ainda não estar disposto a entrar em contato. A Psicologia é um campo de estudos que não pode ser afastado das discussões bioéticas, bem como também as possíveis consequências e desdobramentos das conclusões periciais no andamento processual e nos destinos das pessoas envolvidas nas contendas judiciais.

_____________

1 No caso, Resolução 10/05 do Conselho Federal de Psicologia.

2 A Resolução CFP 10/05 revogou a Resolução CFP 2/87.

_____________

BORGES, Lívia de Oliveira; BARROS, Sabrina Cavalcanti; LEITE, Clara Pires do Rêgo Amorim. Ética na pesquisa em Psicologia: princípios, aplicações e contradições normativas. Psicologia: Ciência e Profissão. Brasília: Conselho Federal de Psicologia, v. 33, n. 1, p. 146-161, 2013. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 09 jun. 2013.

BOURDIEU, Pierre. A miséria do mundo. 8. ed. Petrópolis: Vozes, 2011.

BRASIL. Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012. Diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos no Brasil. Diário Oficial da União. Brasília, n. 12, seção 1, p. 59, 13/06/2013. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 21 out. 2018. 

DEMO, Pedro. Educar pela pesquisa. 3. ed. Campinas: Autores Associados, 1998.

DESSEN, Marina Campos; SILVA, Simone Cerqueira da.; DESSEN, Maria Auxiliadora. Pesquisa com família: integrando métodos quantitativos e qualitativos. In: WEBER, Lídia Natalia Dobrianskyj; DESSEN, Maria Auxiliadora. Pesquisando a família: instrumentos para coleta e análise de dados. Curitiba: Juruá, p. 19-30, 2009. Cap. I.

MANDELBAUM, Belinda. Psicanálise da Família 2. ed. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2010.

_____. Trabalhos com famílias em Psicologia Social. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2014.

PRADO FILHO, Kleber; TRISOTTO, Sabrina. Psicologia, Ética e Bioética. Psicologia em Argumento. Curitiba, v. 24, n. 47 p. 45-48, out./dez. 2006. Disponível em: Clique aqui. Acesso em: 20 nov. 2019. 

SILVA, Denise Maria Perissini da. Desafios da Pós-Graduação lato sensu em Psicologia Jurídica: estrutura, coordenação e produção acadêmica. Curitiba: Juruá, 2019.


Denise Maria Perissini da Silva
Psicóloga clínica e jurídica. Mestre em Ciências Humanas pela UNISA. Coordenadora da pós-graduação em Psicologia Jurídica. Colaboradora Comissões de OAB/SP. Autora de livros de Psicologia Jurídica de Família.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Artigos Mais Lidos

A insegurança jurídica provocada pelo julgamento do Tema 1.079 - STJ

22/11/2024

O fim da jornada 6x1 é uma questão de saúde

21/11/2024

ITBI - Divórcio - Não incidência em partilha não onerosa - TJ/SP e PLP 06/23

22/11/2024

Penhora de valores: O que está em jogo no julgamento do STJ sobre o Tema 1.285?

22/11/2024

A revisão da coisa julgada em questões da previdência complementar decididas em recursos repetitivos: Interpretação teleológica do art. 505, I, do CPC com o sistema de precedentes

21/11/2024