Como é sabido a Constituição promete mais do que pode assegurar. No artigo 230 garante à pessoa com idade superior a 65 anos “sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhe o direito à vida”. A única promessa concretizada foi a do transporte urbano gratuito, prevista no parágrafo 2º.
As normas constitucionais estão regulamentadas no Estatuto do Idoso e dispositivos do Código Civil relativos ao contrato de prestação de serviços (arts. 593/609) e às relações de parentesco (arts. 1.591/1.694). Quem se detiver na leitura dos artigos 2º, 3º e 4º do Estatuto dos Idosos chegará à conclusão de que o Poder Legislativo é integrado por nefelibatas movidos por incontrolável populismo.
Um dos graves problemas para idosos de famílias pobres e da classe média consiste na falta de instituições públicas municipais destinadas a lhes proporcionar abrigo, alimentação, assistência à saúde, lazer e acompanhamento adequado. A omissão sugere duas soluções, ambas ruins: onerosa internação em casa particular, ou dispendiosa contratação de cuidadores.
Razoável número de homens e mulheres chega a 70, 80, 90, 100 anos de idade. A velhice, contudo, cobra elevado preço em doenças típicas da ancianidade. Muitos são viúvos ou viúvas cujos filhos, sobrecarregados por encargos de família, não reúnem condições de arcar com as necessidades mínimas dos pais. O problema assume proporções dramáticas entre membros da classe média e os pobres. Como assegurar à mãe, ao pai ou a ambos, idosos e desprovidos de recursos, a preservação da dignidade, do bem-estar, da saúde e os cuidados necessários garantidos na Constituição e Código Civil? Poucos dispõem de recursos pessoais. São aposentados pelo INSS ou pelo serviço público, que não acumularam fortuna. Os filhos, pequenos empresários, profissionais liberais, comerciários, bancários, operários, proprietários rurais, impotentes para lhes oferecer a assistência exigida.
A empregada doméstica é amparada por legislação especial. Trabalha oito horas diárias. Cuida da casa e não dos donos da casa. Vítima de depressão, osteoporose, acidente vascular cerebral, mal de Parkinson, Alzheimer, falência do sistema renal, artrose generalizada, demência senil, cardiopatia grave, o idoso exige atenção constante. Desde o momento em que acorda necessita de alguém que o levante, conduza ao sanitário para a higiene diária, lhe dê alimentação três vezes ao dia, ministre medicamentos, troque de roupa, coloque na poltrona ou cadeira de rodas, leve para tomar sol, à noite o ponha de volta à cama e o agasalhe para dormir.
Se lhes aplicarmos a Consolidação das Leis do Trabalho ou a legislação da doméstica, serão necessários quatro ou cinco cuidadores em regime de revezamento. O leitor já percebeu que só a elite econômica teria recursos suficientes. As relações entre cuidador e idoso não pertencem ao amplo círculo da legislação do trabalho, mas aos dispositivos concernentes ao Direito das Obrigações e da Família do Código Civil. Ser idoso e inválido não é profissão da qual alguém tire proveito. Resulta da longevidade e natural vontade de sobreviver. É errado enquadrar como empresário ou profissional liberal quem não exerce atividade econômica ou sem fins lucrativos.
A realidade a tudo se impõe. Em nome da proteção do cuidador, não se pode relegar ao abandono homens e mulheres aos quais o Estado nega a assistência programada na Constituição e na Lei. Estamos diante de gravíssimo problema social potencializado pela pandemia. Os idosos, integrantes da camada mais vulnerável da população, exigem medidas de defesa específicas.
Surgem as primeiras reclamações trabalhistas ajuizadas por cuidadores. Reivindicam registro em carteira, reconhecimento de vínculo empregatício, pagamento de horas extraordinárias, descanso semanal remunerado, férias mais um terço, décimo terceiro salário, Fundo de Garantia. Para muitos idosos isto significa o risco de perda do apartamento ou da casa em que residem, o único bem acumulado durante a vida.
O Poder Judiciário do Trabalho deve compreender que as relações entre cuidador e idosos e idosos e parentes em linha reta não se resolvem com aplicação da CLT ou da legislação da doméstica. O mundo jurídico se defronta com desafio ético e moral: como assegurar aos pais e avós idosos dignidade e assistência se o Poder Judiciário lhes impuser obrigações insuportáveis? A solução passa pela incidência da Constituição e do Código Civil. Não se pode deixá-los morrer à míngua de assistência, por falta de recursos.