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O STF e a exclusão dos juros de mora na justiça trabalhista

O STF, ao utilizar a taxa Selic como índice de correção monetária, excluindo os juros de mora, imputa claro óbice ao direito de propriedade dos credores trabalhistas.

6/1/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

O Supremo Tribunal Federal, em 18 de dezembro de 2020, debruçando-se sobre o índice de correção monetária aplicável aos processos trabalhistas, entendeu por ser inconstitucional o uso da TR (Taxa Referencial), mas, às avessas do quanto já sedimentado há décadas, decidiu também pela inaplicabilidade e inconstitucionalidade de juros de mora na Justiça trabalhista. Não há, contudo, nos alicerces argumentativos do Supremo, indicação de qual aparato constitucional fora violado com a previsão legal de juros de mora no ordenamento justrabalhista. Há, em verdade, indevida ingerência do poder judiciário nas opções do legislador pátrio. 

A utilização da taxa Selic, englobando juros de mora e correção monetária, como entendeu o STF, tem o condão de devastar as relações jurídicas trabalhistas, fáticas, materiais e processuais, por duplo fundamento: primeiro, por incentivar o descumprimento de obrigações trabalhistas pelo empregador, já que a judicialização do litígio lhe é, agora, econômica; segundo, por imputar excessivo ônus financeiro ao obreiro, que já viu seus direitos extirpados e, ao provocar o judiciário, recebe suas verbas – que são envoltas por caráter alimentar, em ampla desvantagem econômica, ante a inferioridade da taxa Selic, em 2020, à inflação. 

Os juros moratórios possuem natureza indenizatória e produzem efeitos em decorrência do atraso no pagamento de dívidas. São aplicáveis ao processo do trabalho por força do art. 39, §1º, da lei 8.177/91, à base de 1% a.m. São, ademais, previstos em outros ordenamentos jurídicos, como, a título exemplificativo, o tributário. O art. 161, §1º, do Código Tributário Nacional traz, em vacância legislativa, o mesmo percentual para os créditos tributários: 1%. Ora, pergunta-se: se juros de 1% ao mês são vistos como inconstitucionais, capazes de trazer vantagens financeiras aos trabalhadores que ultrapassam a medida justa, devem-se iniciar movimentos de ações buscando a inconstitucionalidade do Código Tributário Nacional, que prevê, como dito, o mesmo percentual? 

Não é demais lembrar que os créditos trabalhistas, em razão de sua natureza alimentar especial, são dotados de superprivilégio (art. 100, §1º, da Constituição; art. 83, I, da Lei de Falência e Recuperação de Empresa; art. 186 do Código Tributário Nacional). Torna-se árdua a missão de entender a decisão do Supremo quando, em cotejo ao caráter privilegiado do crédito trabalhista em relação ao tributário, vê-se condição inferior no tratamento do privilegiado. Evidencia-se, sim, aversão institucionalizada ao trabalhador e à justiça do trabalho, que, julgando reiteradamente a questão, aplicava o índice de correção monetária IPCA-E acrescido de juros de mora à base de 1%. Há como ver, na prática, clara afronta ao princípio constitucional da isonomia. 

Urge como evidente afronta ao princípio da isonomia, outrossim, o fato de que os precatórios trabalhistas, conforme sedimentado pelo próprio STF, devem ser corrigidos pelo índice IPCA-E, acrescidos de juros de mora. Credores trabalhistas que demandam contra a administração pública, então, teriam ampla vantagem em relação aos credores de empresas privadas. 

Caso a questão não seja alterada via atuação legislativa, exsurge-se como uma das poucas saídas à classe trabalhadora e à Justiça do Trabalho a utilização da indenização suplementar prevista no art. 404 do Código Civil, plenamente aplicável ao direito trabalhista por força do Art. 8º, § 1º Consolidado, tendo em vista que a taxa Selic sequer cobre a hodierna inflação. A indenização deverá ser concedida em proporção correspondente à diferença entre a taxa Selic e a inflação do período em análise. 

Por fim, espera-se atuação efetiva da Justiça do Trabalho para sanar os diversos problemas que a decisão do Supremo Tribunal Federal irá causar no âmbito trabalhista. O decisum incentiva procrastinação processual patronal, já que lhes será economicamente benéfico, e, ainda, analisando a questão sob um prisma geral, grande agravamento na inadimplência de haveres trabalhistas, ante o novo caráter benéfico da judicialização de contendas.

Vinícius Atanes Chainça
É advogado das áreas Trabalhista e Cível no escritório Chainça Advocacia.

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