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Negociado x legislado: Uma análise sob o prisma constitucional

A controvérsia reside na possibilidade de normas coletivas flexibilizarem Direitos Trabalhistas, discussão essa intensificada com a vigência da lei 13.467/17, conhecida como Reforma Trabalhista.

7/1/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Tramita perante o Supremo Tribunal Federal (STF) o ARE 1.121.633, que discute a flexibilização de direitos trabalhistas por meio de acordos e convenções coletivas. Em sessão presencial, ainda sem data marcada, o Plenário do STF julgará o tema 1.046 do catálogo de repercussão geral, qual seja, “validade de norma coletiva de trabalho que limita ou restringe direito trabalhista não assegurado constitucionalmente”.

O leading case é uma ação ajuizada contra uma mineradora de Goiás, cujo acordo coletivo prevê que as horas in itinere, referentes ao deslocamento entre o trabalho e residência, não devem ser contabilizadas na jornada, ainda que o transporte seja fornecido pela empresa. Em julho de 2019, o STF reconheceu a repercussão geral da matéria e suspendeu todas as ações que tratam da prevalência do negociado sobre o legislado.

A controvérsia reside na possibilidade de normas coletivas flexibilizarem Direitos Trabalhistas, discussão essa intensificada com a vigência da lei 13.467/17, conhecida como Reforma Trabalhista, que incluiu o artigo 611-A da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), dispondo diversas hipóteses nas quais as convenções e acordos coletivos têm prevalência sobre a lei. Aqueles que são contrários destacam a hipossuficiência do trabalhador e defendem que a Constituição Federal (CF) não permite a redução de direitos trabalhistas por meio de acordo ou convenção coletiva. Ocorre que reduzir a discussão à possibilidade de “restringir direitos” é uma leitura demasiadamente simplista e que não privilegia a autonomia da negociação sindical e, portanto, a vontade dos próprios trabalhadores.

A questão primordial, em verdade, diz respeito ao reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho, direito este consagrado pelo artigo 7º, XXVI da CF. A negociação coletiva é o mecanismo pelo qual os trabalhadores e empregadores podem contribuir na definição das regras que regerão o pacto laboral, transferindo para os próprios interessados o protagonismo na produção de normas jurídicas, tratando-se de um procedimento legítimo e democrático de pacificação social.

No aspecto, o artigo 611-A da CLT reforça o papel da negociação coletiva como instrumento de diálogo e traz maior segurança jurídica quanto aquilo que foi pactuado. Por meio da negociação coletiva, é possível buscar soluções flexíveis e adequadas para conflitos, formas alternativas de organização de trabalho e estabelecer benefícios mútuos, possibilitando a criação de normas adequadas às necessidades econômicas e às demandas dos empregados e empregadores, de acordo com os interesses da coletividade envolvida.

No que tange à hipossuficiência do trabalhador, aspecto presente nas relações individuais, não se verifica o mesmo fenômeno nas relações coletivas, haja vista a participação necessária do sindicato dos trabalhadores. O artigo 8º da CF, aliás, consagra a liberdade e autonomia sindical, de modo que os sindicatos têm legitimidade para representação dos trabalhadores, pelo que devem atuar ativamente na defesa dos seus interesses, o que ocorre principalmente no âmbito do Direito Coletivo do Trabalho. Nesse sentido, qualquer crítica a respeito de ausência de simetria deve ser solucionada com o fortalecimento dos sindicatos, mas nunca negando o reconhecimento dos acordos e convenções coletivas de trabalho, direito constitucionalmente assegurado.

Também não há como se concluir que o ato de negociação é uma simples “renúncia de direitos”, ainda mais porque a própria CF elenca alguns direitos trabalhistas passíveis de flexibilização por meio de norma coletiva, como a irredutibilidade salarial. Ora, se há autorização constitucional para disposição de um dos direitos mais caros ao trabalhador, não há como se restringir a disposição de direitos infraconstitucionais, destacando-se que um acordo ou convenção coletiva sempre são precedidos de efetiva negociação entre as partes, que pactuam concessões e contrapartidas recíprocas, sem que ocorra a submissão de uma das partes à vontade unilateral da outra.

Na jurisprudência do STF, observa-se uma tendência de se reconhecer a prevalência das normas coletivas negociadas em face da legislação trabalhista, já tendo a Corte decidido pela possibilidade de quitação ampla do contrato de trabalho por meio de transação judicial decorrente de adesão do empregado a plano de demissão voluntária instituído por acordo coletivo (RE 590.415/SC) e validade da supressão das horas in itinere por meio de acordo coletivo de trabalho (RE 895.759/PE), dentre outros julgados.

A interpretação harmônica da CF, que consagra o reconhecimento das normas coletivas e impõe como fundamentos da República os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, confirma a absoluta legitimidade da negociação coletiva. O relator do ARE 1.121.633, ministro Gilmar Mendes, já depositou seu voto, concluindo pela prevalência do negociado sobre o legislado, resguardados os direitos absolutamente indisponíveis, constitucionalmente assegurados.

Victória Cardoso Ferreira
Sócia de Silveiro Advogados. Mestranda em Direito pela UFRGS. Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela UNIRITTER. Pós-graduanda em Direito Público pela UCS.

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