Migalhas de Peso

Novas regras para distribuição de prêmios por organizações da sociedade civil

Ministério da Economia edita norma para orientar organizações que desejem arrecadar recursos destinados à sua manutenção ou custeio.

21/12/2020

(Imagem: Arte Migalhas)

Entidades sem fins lucrativos devem se valer das mais variadas fontes de receitas para garantir a sua sustentabilidade financeira e a perenidade de seus projetos e atividades, destacando-se, entre tais fontes, os sorteios, rifas, concursos e operações congêneres. Para as pessoas que desejam contribuir para as causas sociais, os sorteios e rifas acabam tendo um apelo forte e positivo, por propiciarem a "ajuda com benefícios".

Porém, a entidade interessada em angariar fundos por meio de sorteios, rifas e concursos deve estar ciente de que a legislação não permite que tais atividades sejam desenvolvidas livremente, pois dependem de autorização do Poder Público.

Apesar de ser uma prática usual, as rifas não autorizadas são classificadas como contravenções penais, pois equivalentes a loterias ilegais, puníveis com pena de prisão simples, de seis meses a dois anos, e multa, nos termos do artigo 51 do decreto-lei 3.688/1941 (Lei das Contravenções Penais). Ademais, o artigo 69 do decreto-lei 6.259/1944, que dispõe sobre o serviço de loterias, estabelece que quaisquer obrigações resultantes de loterias não autorizadas são nulas de pleno direito, ou seja, o sorteado pode não receber o prêmio, pois originário de operação ilegal.

A lei 5.768/1971 regulamenta a distribuição gratuita de prêmios a título de propaganda quando efetuada mediante sorteio, vale-brinde, concurso ou operação assemelhada, exigindo, para tais operações, prévia autorização do Ministério da Fazenda.

Com relação à distribuição gratuita de prêmios por entidades sem fins lucrativos, a lei 5.768/1971 a permitia somente àquelas declaradas de utilidade pública e que se dedicassem exclusivamente às atividades filantrópicas.

Com a edição da lei 13.204/2015, que alterou a lei 13.019/2014 (mais conhecida como Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil - MROSC), estendeu-se a possibilidade de realização da distribuição gratuita de prêmios às Organizações da Sociedade Civil (OSC) que, independentemente de certificação, poderiam "distribuir ou prometer distribuir prêmios, mediante sorteios, vale-brindes, concursos ou operações assemelhadas, com o intuito de arrecadar recursos adicionais destinados à sua manutenção ou custeio" (artigo 84-B, inciso III).

Porém, esse artigo não deixava claro se as OSC estavam dispensadas das regras previstas na lei 5.768/1971, que determinava a necessidade de autorização prévia por parte do Ministério da Fazenda e o pagamento de taxa de distribuição de prêmios. 

Então, em 20 de julho de 2020, foi editada a lei 14.027/2020, que revogou esse inciso III do artigo 84-B da lei 13.019/2014 e alterou a lei 5.768/1971 para disciplinar de forma mais detalhada a distribuição gratuita de prêmios pelas OSC. Em seu texto atual, o artigo 4º da lei 5.768/1971 dispõe claramente que é exigida a prévia autorização para a realização de sorteios, conforme regulamentação do Ministério da Economia.

Em 17 de setembro de 2020, o Ministério da Economia editou a portaria 20.749/2020, que aprova normas relativas à distribuição de prêmios realizada por organizações da sociedade civil, com o intuito de arrecadar recursos adicionais destinados à sua manutenção ou custeio, a que se refere a lei 5.768/1971.

O texto da portaria não traz grandes novidades, pois os seus artigos reiteram o que já consta da lei 5.768/1971, porém estabelece os ritos a serem seguidos pela OSC e a documentação necessária à obtenção da autorização, dentre outras informações procedimentais.

Nos termos dessa norma, para realizar a distribuição gratuita de prêmios, a OSC deve: i) possuir uma das finalidades sociais previstas no artigo 84-C da lei 13.019/2014 (como, por exemplo, a promoção da educação, saúde e assistência social, defesa do meio ambiente), ii) não participar de campanhas de interesse político-partidário ou eleitorais, e iii) não distribuir ou converter os prêmios em dinheiro.

Ademais, a OSC deverá seguir alguns procedimentos, tais como:

a) solicitar a autorização à Subsecretaria de Prêmios e Sorteios por meio do Sistema de Controle de Promoção Comercial – SCPC, entre 40 e 120 dias antes da data de realização da operação;

b) juntar declaração de que os recursos obtidos serão destinados à manutenção ou custeio de obras sociais a que se dedicam, inteiramente aplicados no país;

c) apresentar prova de que a propriedade dos bens a sortear se tenha originado de doação de terceiros, devidamente formalizada; e

d) realizar o sorteio com base nos resultados da extração das Loterias Federais, admitidos outros meios caso o sorteio se processe exclusivamente em programas públicos nos auditórios das estações de rádio ou de televisão.   

O custo envolvido nessa operação não é baixo: a portaria 20.749/2020 determina a obrigação do pagamento da taxa, que varia entre R$ 27,00 e R$ 66.667,00, calculada de acordo com o valor do prêmio oferecido, conforme tabela do artigo 50 da MP 2158-35.

Ademais, a OSC beneficiária deve destinar 1% da receita bruta auferida na operação ao Fundo Nacional da Criança e do Adolescente (FNCA) e 1% ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos, sob pena de aplicação de multa de 2% e juros de mora, além de proibição da concessão de novas autorizações.

Ressalte-se que a lei 5.768/1971 prevê, no seu artigo 3º, a dispensa de autorização caso a distribuição gratuita de prêmios ocorra "em razão do resultado de concurso exclusivamente cultural artístico, desportivo ou recreativo, não subordinado a qualquer modalidade de álea ou pagamento pelos concorrentes, nem vinculação destes ou dos contemplados à aquisição ou uso de qualquer bem, direito ou serviço". Assim, quando a distribuição de prêmios ocorrer na modalidade concurso, em que não há o elemento sorte na definição do resultado, a entidade fica dispensada de observar o procedimento descrito na portaria. Recomenda-se, porém, que a entidade fique atenta para as situações que descaracterizam a natureza "exclusivamente cultural" do concurso, nos termos da portaria 422/2013, do Ministério da Fazenda, pois, nesses casos, a realização do concurso sem autorização prévia será irregular.

É importante pontuar que a distribuição de prêmios em desconformidade com a legislação sujeita os infratores à aplicação de multa de até 100% da soma dos valores prometidos como prêmios e a proibição de realizar operações por até 2 anos, razão pela qual não é recomendável que as OSC o façam sem autorização prévia ou que os resultados não sejam vinculados aos da Loteria Federal.

As normas não detalham expressamente de que forma os números dos sorteios podem ser vendidos pelas OSC, mas é possível a "adoção de tecnologia e métodos eletrônicos para inscrição e participação de concorrentes" (artigo 14 da Portaria), tais como rifas e plataformas virtuais, desde que o sorteio seja vinculado aos números da Loteria Federal. Ou seja, não é possível a realização dos sorteios em sites ou plataformas similares hoje existentes.

Caso a OSC opte por terceirizar a administração e/ou a realização da operação, deverá apresentar o contrato firmado com esse fim à Subsecretaria de Prêmios e Sorteios, a qual também analisará a metodologia a ser utilizada.

Da análise das normativas hoje vigentes, é possível concluir que as OSC, ainda que realizem sorteios voltados para captação de recursos destinados à sua manutenção ou custeio, precisam se submeter a procedimentos burocráticos, custosos e que podem inclusive inviabilizar o recebimento dos recursos, haja vista a necessidade de pagamento de taxas que impactam significativamente na receita a ser obtida.

É interessante observar que o PL convertido na lei 14.027/2020 dispensava a autorização para a distribuição gratuita de prêmios de até R$ 10 mil por mês, mas o Presidente da República vetou essa disposição sob o argumento de que "a permissão conferida pelos dispositivos, sem a previsão de autorização prévia do poder público, inviabiliza a demanda fiscalizatória que garante mecanismos de controle do Estado, principalmente, no que tange à lavagem de dinheiro, à sonegação fiscal e à adoção de práticas de proteção".

Cumpre mencionar que a intenção do legislador, na época da edição da lei 5.768/1971, era defender a economia popular, reprimindo jogos de azar, bingos, jogo do bicho etc., a fim de evitar que os cidadãos se endividassem e houvesse colapsos econômicos e financeiros. Por essa razão, optou-se pelo controle estatal dessas ações promocionais.

Contudo, no contexto da crise econômica e social hoje vivida, potencializada pela pandemia de covid-19, o apoio às OSC através de práticas saudáveis de arrecadação de fundos deve ser estimulado pelo Poder Público, e não tolhido com a criação de burocracias que vão não só dificultar a captação de recursos, bem como impactar no próprio funcionamento da Administração Pública, que precisa mobilizar seus servidores na análise de toda e qualquer solicitação de autorização prévia, independentemente do valor do prêmio.

Nesse sentido, o excesso de regras e procedimentos a trazido pela lei 5.768/1971 e reiterado pela portaria 20.749/2020 sinaliza a necessidade de um aprimoramento nas normas voltadas à regulamentação da distribuição de prêmios pelas OSC, haja vista que desconsideram as singularidades dessas entidades.

Urge reconhecer a importância histórica da atuação das OSC no país, e uma das formas de fazê-lo é estabelecendo regras que respeitem as peculiaridades dessas entidades e evitem a adoção de procedimentos que as segregam e as tolhem em razão de um pequeno número de organizações que eventualmente podem atuar em desconformidade com a legislação.

 

Juliana Brandão de Andrade
Advogada do escritório Szazi, Bechara, Storto, Reicher e Figueirêdo Lopes Advogados.

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