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Superendividamento do consumidor - As mudanças previstas no CDC

Saiba tudo sobre o projeto de lei do Superendividamento e as principais mudanças no Código de Defesa do Consumidor (CDC) e nos direitos dos consumidores!

21/12/2020

(Imagem: Arte Migalhas)

Em 2020, um projeto de lei envolvendo as normas de Direito do Consumidor ganhou o cenário jurídico. Trata-se, assim, do projeto de lei do Superendividamento, o qual dispõe sobre mudanças tanto para o Código de Defesa do Consumidor quanto para o Estatuto do Idoso. No entanto, entre tantos debates, nem sempre fica claro, do ponto de vista do consumidor, o que mudará de fato. Há impactos, por exemplo, nas regras sobre negativação? Ou o que muda quanto à negociação das dívidas?

Por essa razão, mais do que debater os aspectos jurídicos do projeto de lei, sua aprovação e a consequente publicação das alterações, o objetivo deste artigo é esclarecer para os consumidores o que mudará na prática do Direito do Consumidor e quais os direitos materiais envolvidos.

Em primeiro lugar, portanto, é preciso esclarecer o que é o superendividamento para a legislação e para o senso geral.

O que é superendividamento

Superendividamento é a incapacidade econômica de quitação das dívidas contraídas, diante do saldo negativo mensal do consumidor. Ou seja, quando o rendimento mensal cobre apenas as despesas mensais e não há excedente disponível para cobrir as dívidas já realizadas. Desse modo, a dívida permanece inadimplida. O consumidor, todavia, também corre o risco de contrair novas dívidas para as quais não haverá meios de quitação.

Imagine, por exemplo, que Ana tem um emprego em que ganha, em valor líquido, R$ 3.000. Contudo, os gastos com alimentação, aluguel e escola do filho superam R$ 4.000. Nesse caso, mensalmente Ana já gasta 1000 reais a mais por mês do que aquilo que tem condições de pagar. Esse gasto excedente, por si, já gera uma dívida mensal que não poderá ser paga nos meses seguintes justamente por não haver saldo disponível.

Agora, suponha que ela não consiga meios de complementar a renda mensal. Ao longo dos meses a dívida aumentará para 2000, 3000, 4000 reais e assim em diante. E a situação se agrava quando que pensamos que podem advir situações excepcionais, tal qual visto durante a pandemia do coronavírus.

A pandemia, de certo modo, incentivou a retomada de debates acerca da mudança na legislação, sobretudo no que concerne ao superendividamento, justamente por considerar que a realidade já é de uma condição de dívida da população.

Inclusive, essa situação, já vislumbrada no dia a dia de boa parte da população, é a razão pela qual o número de pessoas inscritas em sistema de proteção ao crédito como o SPC e o Serasa – ou seja, que precisam limpar o nome – seja grande no país. E situações inesperadas, como a vivenciada em 2020 com a suspensão de contrato de trabalho e demissão, apenas agravam esse cenário.

Boa-fé e má-fé nas relações de consumo: Como as razões pelas quais o consumidor faz a dívida influenciam na sua resolução

Antes de analisar as mudanças propostas pelo projeto de lei, contudo, é preciso diferenciar duas espécies de superendividamento: o superendividamento ativo consciente e o inconsciente.

Se você já buscou por temas jurídicos na internet, talvez já tenha se deparado com termos como de boa-fé e de má-fé, os quais se relacionam à ideia de um superendividamento consciente ou inconsciente. Os termos são autoexplicativos, mas cabe sempre relembrar que a moral individual não necessariamente é traduzida na moral objetiva do Direito – ou seja, no bom e no mau para o Direito. O mesmo vale para a boa-fé e para a má-fé – sempre consideradas objetivamente.

A boa-fé, de modo geral, refere-se a um ato praticado com base em conhecimento do que se acreditava ser o juridicamente adequado. Isto é, por mais que a pessoa incorra em erro, a situação a levava a presunção de que seguia os passos adequados. A má-fé, por outro lado, pode não prescindir de malícia no ato, mas de um conhecimento da irregularidade ou do aspecto impeditivo de um ato com o objetivo de prejudicar, senão alguém, as próprias normas jurídicas.

Claudia Lima Marques, especialista em Direito do Consumidor, dispõe nesse sentido que o superendividamento é “a impossibilidade global de o devedor, pessoa física, consumidor, leigo, de boa-fé, pagar todas as suas dívidas atuais e futuras de consumo”.

O projeto de lei do Superendividamento, por sua vez, também traz a boa-fé na conceituação, definindo-o, assim:

Entende-se por superendividamento a impossibilidade manifesta de o consumidor, pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial, nos termos da regulamentação.

Superendividamento ativo consciente e inconsciente e superendividamento passivo

A partir de ambas as concepções, pode-se dizer que o superendividamento se aplica somente a pessoas naturais. Portanto, pessoa jurídica (empresa), ainda que possa ser consumidora, não sofre superendividamento. O que ocorre com elas, então, é a falência.

Contudo, há diferentes razões para uma dívida e há, inclusive, aqueles que as contraem mesmo sabendo da impossibilidade de adimpli-las. Estes, portanto, agem de má-fé na relação de consumo, já que sabem que não terem meios de quitar os gastos excedentes.

Por essa razão, fala-se em três formas de superendividamento:

Projeto de lei do Superendividamento: O que muda para o consumidor

O projeto de lei do Superendividamento toma como base, então, a preservação do mínimo existencial, nos termos da regulamentação, na repactuação de dívidas e na concessão de crédito. E prevê, dessa forma, alterações no CDC e no Estatuto do Idoso para promover a educação financeira – de modo a evitar, sobretudo, o superendividamento ativo inconsciente – mas também para promover a negociação das dívidas, seja direto entre consumidor e empresa ou por meio do aparato judicial.

Quais dívidas são objeto do PL 3.515/15?

Primeiro, as dívidas de que trata a o projeto de lei “englobam quaisquer compromissos financeiros assumidos, inclusive operações de crédito, compras a prazo e serviços de prestação continuada”. Retomando, no entanto, a explicação sobre boa-fé e má-fé, são excluídas das novas regras as dívidas contraídas mediante fraude, má-fé ou oriundas de contratos que já foram contraídos no objetivo de não se realizar o pagamento

Superendividamento gera dano moral?

O projeto prevê mudanças na informação sobre custos e meios de pagamento no momento da oferta, principalmente quanto à oferta de crédito (em empréstimos principalmente). E expõe, ainda, que o fornecedor de serviço que descumprir com as obrigações de informação e esclarecimento – algumas das quais já constantes do Código de Defesa do Consumidor – estará sujeito a penalidades, como a obrigação de redução de juros e até mesmo indenização por danos morais.

Afora isso, cabe lembrar que a negativação indevida pode gerar também danos morais. No que concerne ao superendividamento, portanto, é importante que o consumidor, mesmo que tenha dado causa à dívida e se enquadrado nesta situação, fique atento ao prazo de 5 anos para cadastro dos seus dados nos sistemas de proteção ao crédito. E que, em caso de renegociação da dívida, as empresas sejam notificadas e retifiquem seus dados do sistema em até 5 dias.

Ademais, o valor das parcelas em contração de crédito será limitado a 30% dos rendimentos mensais do consumidor, para evitar que se caia no superendividamento.

Por fim, o projeto de lei também prevê a possibilidade de renegociação da dívida, sobremaneira para caso em que haja violação a algum dos deveres do fornecedor do crédito.

Gustavo Ferrari
Sócio advogado do escritório Gustavo Ferrari Advocacia.

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