Migalhas de Peso

Eleições na OAB: caminhando pela e para a igualdade

Mais um avanço, mais um importante passo dado.

17/12/2020

No último dia 14 de dezembro, a comunidade jurídica recebeu a notícia da aprovação pelo Conselho Pleno da OAB Nacional da adoção de paridade de gênero (50%)1 e da política de cotas raciais para pretos e pardos (30%)2. Para as próximas eleições, deverão ser respeitados os referidos percentuais na composição de todas as chapas, em todos os níveis (Federal, Seções e subseções e Caixas de Assistência), tanto para titulares como para suplentes.

A primeira mulher a exercer a advocacia no Brasil foi Myrthes Gomes de Campos. Algumas pouquíssimas outras já haviam se graduado em Direito, mas nenhuma ainda obtivera o competente registro profissional e de fato exercido a profissão. Myrthes formou-se em 1898. Contudo, teve que enfrentar muita resistência até obter sua filiação no Instituto da Ordem dos Advogados do Brasil.

Atualmente, transcorrido mais de um século, analisando-se a advocacia brasileira, o número de mulheres registradas na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) alcança patamar de quase igualdade numérica aos homens, são 605 mil homens e 603 mil mulheres3. Contudo, ao verificarmos os números nos cargos de liderança da instituição, encontramos, por exemplo, uma Diretoria do Conselho Federal composta exclusivamente por homens, apenas 13,67% de mulheres como Conselheira Federal, 31,25% de mulheres na composição de Comissões do CFOAB. Ocorre na OAB, assim como nos escritórios de advocacia, uma flagrante diminuição de participação feminina quando observamos os assentos nos órgãos de direção e quadros societários.

Em estudo publicado em 2017, constatou-se que o ingresso de mulheres e homens como advogadas/advogados júnior (primeiro nível na sociedade de advogados) nos 15 maiores escritórios de advocacia da cidade de São Paulo, principal centro da advocacia internacionalizada, é equânime. Entretanto, conforme se observa os cargos de advogada/advogado pleno e sênior (segundo e terceiro níveis) a participação feminina é drasticamente reduzida, chegando a 10%4. Percebe-se o que os estudiosos denominam de segregação vertical, processo pelo qual as mulheres são excluídas de forma estrutural da ascensão da carreira nas sociedades de advogados.

Assim, fica bastante evidente que a igualdade numérica de advogadas inscritas nos quadros da OAB, bem como o grande número de estudantes mulheres nos cursos de graduação em Direito, estão ainda longe de ser o suficiente para que se observe uma verdadeira inclusão na carreira, o que torna a votação histórica de 14 de dezembro um marco no movimento pela equidade de gênero, não só na advocacia, mas com reflexo em todas as carreiras jurídicas. A adoção da paridade de gênero foi resultado da ousada iniciativa da advogada Valentina Jungmann (OAB/GO), proposição que ficou conhecida por meio da campanha Projeto Valentina: paridade já!

Quanto as cotas raciais, os notórios e lamentáveis ataques a negros e pardos que assistimos na mídia brasileira e mundial este ano (e que sabemos ocorrer todos os dias, sob os holofotes da mídia ou não...) são mais que suficientes para mostrar o quanto precisamos caminhar em ações antirracistas.

Com a nova regulamentação para as eleições, a OAB cumpre sua finalidade estampada no artigo 44, I, de seu Estatuto:  defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas.

E mais. Em tempos de pauta ESG (environmental, social and governance), a OAB alinha-se com a governança corporativa exigida de todas as organizações, e não apenas das empresas. Vai ao encontro dos objetivos 5 e 10 (Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas), pois não nos esqueçamos que diversidade e inclusão integram a sustentabilidade das organizações.

A OAB fez a lição de casa. Mais um avanço, mais um importante passo dado; porém, muito caminhar ainda pela frente para todas as organizações, especialmente unindo os dois marcadores sociais, gênero e raça, onde nos encontramos na encruzilhada chamada de interseccionalidade5.

_________

1- Conselho Pleno aprova paridade de gênero para as próximas eleições (oab.org.br)

4- BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins. Feminização da advocacia e ascensão das mulheres nas sociedades de advogados. Cad. Pesqui., São Paulo, v. 47, n. 163, p. 16-42, mar. 2017. DOI: https://dx.doi.org/10.1590/198053143656. Disponível aqui. Acesso em: 12 out. 2020.

Letícia Baddauy
Advogada (FADUSP). Administradora de empresas(FGV). MBA Agronegócios(USP/ESALQ). Mestre em Processo Civil(UEL). Fellow CIArb. Árbitra. Diretoria CAMFIEP. Professora Universidade Estadual de Londrina.

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