O presente artigo objetiva direcionar foco, singelo que seja, de luz à audiência de custódia, elencando os principais pontos, com o viés exclusivo da prática, à reflexão desse momento processual penal.
Por que trazer a audiência de custódia à análise, em seus pontos mais importantes, na prática? Simples. Um elemento custodiado pelo Estado é obrigado ser levado perante à autoridade judiciária, em curtíssimo espaço de tempo, após a prisão efetivada, então, necessitará de defesa.
A primeira sugestão que apresentamos, sendo, talvez, a inicial questão do leitor, seria o valor a ser cobrado à participação na audiência de custódia. Evidentemente, cada profissional conhece o valor de seu trabalho. Não há, nas tabelas de honorários das seccionais da Ordem, um tópico específico para esta cobrança, todavia, analisando estas, em pontos bem próximos, sugerimos que se observe honorários, tão somente para este momento processual, entre 1 (um) e 2 (dois), tendo como referência o salário mínimo nacional.
Feito o introito supra, de forma bem sucinta, vamos, propriamente, à atuação em uma audiência de custodia.
A audiência de custódia é um tipo muito peculiar de instante processual penal, quando qualquer profissional se vê, às pressas, na necessidade de atuar, sem qualquer preparação, pois o tempo, da prisão à audiência de custódia, é infinitamente curto, será em até 24 (vinte e quatro) horas, ocorrendo, inclusive, na maioria dos tribunais, nos finais de semanas.
Há de se ter em mente, apenas por uma visão histórica, que a audiência de custódia, bem há pouco tempo, só ocorria na prisão em flagrante, atualmente, também se realizará na preventiva e na temporária.
Leitor mais observador questionará, de forma lógica, se a prisão por não pagamento de dívida relativa a alimentos encaixa-se na necessidade da audiência de custódia. A resposta é, não. Para este tipo de prisão, não há fundamento legal que justifique tal audiência. A prisão pelo não pagamento dos alimentos, temo-la determinada no código de processo civil brasileiro, mais precisamente no parágrafo 3º, do artigo 528, sendo certo de que o pagamento do débito liberará o alimentante (devedor) imediatamente.
Observe, em uma audiência de custódia não se tem um réu, tem-se custodiado, é, sendo assim, uma audiência que antecede ao processo criminal, não há denúncia, portanto, não se discute mérito. É um procedimento processual penal, com similaridade àquele, a fim de acordo, no juizado especial criminal, qual seja, a audiência preliminar.
Quais, então, são, objetivamente, as necessidades da audiência de custódia?
Entendemos, prioritariamente, dois pontos de fundamentais importâncias e relevantes questões a serem apresentadas pelo juízo ao custodiado: o primeiro, se no momento da prisão ocorreu, ao custodiado, algum tipo de agressão; segundo, se a este foram garantidos seus direitos infraconstitucionais e constitucionais. Veremos, o porquê destes pontos, mais adiante.
A institucionalização da audiência de custódia em nosso país deu-se pelos inúmeros, todavia, eventuais que sejam, casos de espancamentos de presos em flagrante, em desrespeito frontal ao ser humano, pois não se pode admitir agressão a uma única pessoa quando custodiada. O tempo, como acima indicamos, é exíguo à apresentação do custodiado, por um motivo simples, pois se ocorreu alguma agressão o magistrado, tendo diante de si o custodiado, observará se ocorreu ou não agressão, pois as marcas, de uma forma geral, só se diluem após 4 ou 5 dias. Assim, o juízo, observando algum tipo de agressão, tomará as necessárias providências, com relação ao custodiado e seus eventuais agressores.
Há objetivos outros na audiência de custódia a serem observados pelo juízo, tais como a condição de saúde do custodiado, a necessidade deste de seus remédios obrigatórios, pois, se estancando estes daquele o óbito seria provável; devendo, também, ser observado se com o custodiado, ou custodiada, no ato da prisão, havia menor sob sua responsabilidade e não ocorreu a devida atenção deste por parte dos agentes públicos.
Um bom início ao estudo da audiência de custódia será a lida da resolução 213/15, do Conselho Nacional de Justiça – CNJ. Igualmente, outra leitura obrigatória, será o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas, neste, mais especificamente, o item 3, do artigo 9º. Outra passada de olhos com atenção, não menos importante, deve ser no artigo 7º, item 5, do Pacto de San José da Costa Rica.
O artigo 4º, da Resolução mencionada, regula que, além do juiz, a audiência de custódia realizar-se-á na presença do Ministério Público e da Defensoria Pública, caso o custodiado não tenha Defensor constituído no momento da lavratura do flagrante, mas é perfeitamente admitido que a indicação de um advogado se dê à audiência de custódia, mesmo se este não presente na lavratura do flagrante.
Outro ponto de atenção, quando na audiência de custódia, é que nesta os agentes policiais responsáveis pela prisão, não podem estar presentes.
Tanto a Defensoria Pública, quanto o advogado constituído, têm assegurado seu direito de, reservadamente, ter-se com seu cliente antes da audiência de custódia.
O inciso II, do artigo 8º, da Resolução nos diz sobre a apresentação do custodiado sem algemas à audiência de custódia. Todavia, é normal, o custodiado chegar algemado e sem qualquer justificação por escrito. Poder-se-ia, evidentemente, requerer ao juízo a imediata retirada daquelas ou a colocação na pauta de audiência o motivo das algemas; a nosso ver, em razão da rapidez temporal de uma audiência de custódia, seria, pelo menos, por parte do advogado, também do defensor público, requerimento desnecessário. Todavia, se o profissional entender que o inciso II, do artigo 8º, da resolução do CNJ 213/15 deva ser seguido, terá todo o direito de requerer sua observância, pela autoridade judiciária.
Há, no inciso III, do mesmo artigo imediatamente acima apresentado, de que o custodiado tem o direito de permanecer em silencio. Particularmente, neste ponto, nosso entendimento é que, para uma audiência de custódia, na qual não se discute o mérito, o direito de se silenciar é, totalmente, desnecessário, haja vista as perguntas que, obrigatoriamente, fará o juízo, em nada, em tese, comprometerá o custodiado, até porque este estará acompanhado de seu Defensor e este terá atenção às questões formuladas, podendo, pela ordem, de acordo com o inciso X, do Art. 7º, da lei federal 8.906/94, requerer que a pergunta não seja respondida e se houver insistência, então, o direito ao silêncio.
As questões a serem formuladas pelo juízo, em síntese, encontramo-las nos incisos IV, V, VI e VII, do artigo 8º, da resolução do CNJ 213/15.
No momento dos questionamentos do juízo, a defesa deve ter a máxima atenção em não permitir questões que incriminem o custodiado ou que produzam provas à investigação relativas aos fatos objeto da prisão em flagrante (inciso VIII, do art. 8º, da Res. CNJ 213/15). Este, a nosso sentir, é o instante precípuo do advogado na audiência de custódia e neste requer total atenção.
Finda esta etapa, o magistrado deferirá ao Ministério Público e à Defesa, nesta ordem, reperguntas compatíveis com a natureza do ato. Em seguida, relaxará a prisão, se assim for de direito do custodiado, para que este responda em liberdade. Os autos, então, irão à livre distribuição, iniciando-se, assim, a ação penal, ou seja, outra etapa processual.
O Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas é nossa proposta de leitura; neste referimos, pontualmente, ao item 3, do artigo 9º, que norteou a resolução 213/15, do CNJ, e esse nos diz: “qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade. A prisão preventiva de pessoas que aguardam julgamento não deverá constituir a regra geral, mas a soltura poderá estar condicionada a garantias que assegurem o comparecimento da pessoa em questão à audiência, a todos os atos do processo e, se necessário for, para a execução da sentença”.
Na mesma esteira, pinçamos o item 5, do artigo 7º, do Pacto de San José da Costa Rica. A leitura deste, igualmente, sugerimos. No artigo 7º elenca-se o direito à liberdade pessoal e apresenta-nos em seu item 5, a seguinte redação: “Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo”.
Como se lê, os textos têm bastante semelhança, entretanto, mesmo com as orientações dos Pactos, no Brasil nada se fazia a colocar em prática a audiência de custódia, só vindo a efetivar-se com a resolução 213/15, do CNJ.
Outro ponto que entendemos ser de importância vital à compreensão de uma audiência de custódia, será a observação, de cada profissional, em ir às portarias ou atos normativos de cada Tribunal, no qual trabalhará nesse tipo de audiência, e entenda as determinações a esse momento processual penal, pois a norma local fará melhor detalhamento que a norma geral.
A indicação da audiência de custódia temo-la, finalmente, pela primeira vez, inserida em lei federal 13.964, de 24/12/19, conhecida com o Pacote Anticrime, na qual há relevantes mudanças no código de processo penal - CPP. O primeiro item a ser observado é o artigo 287, sendo o preso imediatamente apresentado ao juízo competente, no caso da infração ser inafiançável. Outra fundamental mudança encontraremos, também no código de processo penal, com redação, igualmente, formulada pelo Pacote Anticrime, pelo mesmo instrumento legal, no artigo 310 do Código de Processo Penal
Vimos que detido o custodiado, a autoridade policial tem até 24h para informa ao juízo sobre a detenção e este até 24h à realização da audiência de custódia. A questão que se impõe, então, é se o juízo não marcar esta audiência, o que fazer?
O Pacote Anticrime também respondeu a esta indagação no § 4º do artigo 310, do CPP. Porém, há de se ter muita atenção a este parágrafo, pois aos 22/1/20, o ministro Fux suspendeu a eficácia deste dispositivo, em decisão monocrática nas ADIns 6298, 6299, 6300 e 6305. Assim, antes de requerer o relaxamento da prisão, pela ilegalidade do flagrante, com base no § 4º, do art. 310, de seu cliente, observe se essa decisão do STF ainda vigora; até a confecção deste artigo a decisão valia.
Qual a orientação, então, que podemos apresentar? Passadas as 24h para a realização da audiência de custódia, como Defensor peticione, imediatamente, ao juízo competente requerendo a realização da audiência ou uma motivação pela não realização. Mas qual seria este juízo competente? Como acima sugerimos, as normatizações, de cada tribunal, lhe darão esta resposta, pode ser o juízo de plantão ou, como em alguns estados, o juízo da audiência de custódia. Esta sua preocupação com a realização da competente audiência se dá pelo fato dos vestígios de agressão, em havendo, no seu cliente sumirem, assim, o principal motivo da audiência de custódia perderia sua finalidade. Há a possibilidade de não realização da audiência de custódia, mesmo depois de toda sua postura profissional, então, há uma solução, o Superior Tribunal de Justiça – STJ, julgou um Habeas Corpus, o HC 485.355, concedendo a liberdade pela não realização da audiência. Não deixe de ler os fundamentos deste HC, pois serão a base de sua peça jurídica.
Haverá de se preocupar, o Defensor, se seu cliente, por motivo de saúde, não puder comparecer à audiência de custódia, então se aguardará sua alta para que a mesma seja marcada, todavia, você como Defensor entende que há motivos de tortura cujas marcas desaparecerão com os dias, então peticionará e requererá, com a devida fundamentação, o motivo pelo qual requer a realização, na unidade hospitalar, da audiência de custódia, nesta peça de requerimento, sugerimos, como pedido alternativo, que, entendendo o juízo pela não marcação, este determine exame de corpo de delito. Caso o juízo indefira os pedidos, então, você, como advogado consciente de suas atribuições, fotografará ou filmará o que entender serem as agressões, sempre com uma página de um jornal do dia, documentando, assim, a data, para, logo que possível, tomar as necessárias providências processuais. O requerimento alternativo do exame de corpo de delito é direito do custodiado mesmo que haja um exame quando no ato da prisão em flagrante, haja vista, as agressões serem, segundo o custodiado, posteriores àquele efetuado na delegacia.
A audiência de custódia é, como vemos, dinâmica, ou seja, tudo acontece naquele momento, é um procedimento que, na maioria das vezes, decorre entre 10 (dez) e 15 (quinze) minutos, assim, na hora da Defesa se manifestar e requerer a liberdade de seu atendido, há de se verbalizar ao juízo que esse não é perigoso à ordem pública e não tem antecedentes, mas se os tiver, estes não possuem relação com o fato, ou seja, o perigo não pode ser abstrato, tem residência fixa, família, emprego (este tem que se provar) e não atuará em desconformidade à instrução criminal. Na prática, com antecedentes, o custodiado terá pouca chance de responder em liberdade. Dê ao Julgador, caso observe, pela fala do Ministério Público, que a liberdade será difícil, na sua manifestação, alternativas, como por exemplo o uso de tornozeleia eletrônica, prisão domiciliar, a entrega do passaporte, da carteira de motorista, apele para a lotação do sistema carcerário, questões humanitárias etc.. À Defesa qualquer pedido lícito, em favor do custodiado, dentro do contexto ocasionador da prisão, é válido e necessário.
Se o juízo, com base no § 2º, do artigo 310, do CPP, esse colocado em rodapé acima, não conceder a liberdade, apresente a decisão do Supremo Tribunal Federal – STF, no HC 104339/SP, julgado em 10/5/12, relatoria do ministro Gilmar Mendes, ser inconstitucional a lei que proíbe a liberdade provisória de forma genérica.
Caso você faça sua audiência de custódia pela primeira vez, não se surpreenda, pois, normalmente, é gravada e não escrita, conforme § 3º, do inciso X, do artigo 8º, da Resolução do CNJ n. 213/15 somente se imprimirá, ao final, a decisão do juiz, para assinatura do custodiado, pois os demais se identificaram com seus documentos no início da audiência.
Em época normal, a audiência de custódia não pode ser realizada por vídeo conferência; todavia, há um Procedimento Administrativo do CNJ de n. 0008866-60.2019.2.00-0000, além de decisão, com relatoria da Min. Laurita Vaz, do STJ, no CC 168.522/PR, julgado aos 11/12/19, facilmente encontrado no Informativo 663, que, em tempos de Covid-19, na Recomendação n. 62, do CNJ, em seu artigo 8º, há possibilidade de se realizar a audiência de custódia por vídeo conferência. Em favor desta perspectiva, há corrente, com predominância da magistratura, de que este procedimento se torne norma; nós, quanto advogados, entendemos que uma audiência de custódia tem obrigatoriedade de ser presencial, até pelos objetivos que analisamos acima, iniciando, assim, corrente de entendimento divergente.
Já no final de nossa brevíssima explanação, acreditamos ter, não esgotado o tema, até porque o estudo de um advogado é perene, mas dado as noções básicas necessárias àqueles que se aventurarão ao universo processual penal em uma audiência de custódia.