Nesta terça-feira, dia 15/12, toma posse o Magnífico Reitor da UFPR cuja nomeação, publicada1 no DJ poucos dias antes do término de seu mandato, em 10/12, trouxe alívio à comunidade universitária da UFPR que viu prevalecer o processo democrático interno de definição de seus dirigentes.
A apreensão era grande já que durante o governo de Jair Bolsonaro, o debate da autonomia universitária e liberdade acadêmica ganhou importantes contornos. Com a edição da MP 914, ainda que tenha tido sua vigência encerrada, já demonstrava como busca-se naturalizar interferências concretas e profundas nessa seara. Outro exemplo relevante é o desrespeito à escolha do reitor de unidades públicas mais votado de acordo com seus respectivos colegiados. Na UFRGS2 e na UFRB3, os terceiros colocados foram escolhidos em detrimento dos primeiros. Já na UFGD e Cefet/RJ, foram nomeados nomes que nem sequer se encontravam nas listas4. Em 2019, o Presidente da República interveio em metade das universidades federais que tiveram eleições para a reitoria5 - e até agosto do presente ano já havia pelo menos onze intervenções em nomeações de reitores6.
A autonomia universitária e a liberdade acadêmica são pautas atuais e importantes no contexto contemporâneo, principalmente no que tange à nomeação de reitores e vice-reitores para universidades públicas. No ordenamento nacional, é previsão constitucional que as universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.
Ademais, a lei Federal 5.540/68, em seu art. 16, I, prevê nomeação de reitores e vice-reitores pelo Presidente da República, cujos nomes figurem em listas tríplices organizadas pelo colegiado da universidade. No entanto, é costume que se escolha o primeiro nome da lista, em respeito à autonomia universitária de escolher seus próprios reitores, dentro de uma perspectiva de autonomia administrativa de determinar seus princípios regentes. No entanto, há vasto arcabouço normativo em parâmetros interamericanos de direitos humanos, bem como do direito comparado em si, que podem e devem ser observados de modo a garantir, e mesmo ampliar, a proteção da autonomia universitária.
Neste sentido, tem-se que o Brasil, não apenas no cumprimento dos comandos constitucionais diretos, mas em diálogo multinível com o sistema que integra e detém obrigações específicas, deve utilizar os referidos standards como base interpretativa e normativa de seu bloco de constitucionalidade. Isto, mais uma vez, decorre de previsão constitucional no art. 5, §2o §3o - e, em caso de lacunas ou desafios concretos, pode utilizar das perspectivas comparadas para embasar soluções adequadas.
O Brasil tem, então, a possibilidade de dialogar normativa e interpretativamente de modo vertical - com sistemas regionais e mundial -, e horizontal - com países que tenham precedentes importantes a serem considerados.
No que tange ao Sistema ONU de direitos humanos, o art. 13 do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais prevê o direito à educação, o que, conforme o Comentário Geral no 137, engloba a liberdade acadêmica e a autonomia institucional, para se expressar livremente para cumprir suas funções sem discriminação ou medo de repressão pelo Estado. Assim, a liberdade acadêmica traz obrigações, como a de respeitar a liberdade dos outros entes acadêmicos, de modo a garantir uma discussão justa e a pluralidade. Destarte, o "gozo da liberdade acadêmica requer a autonomia das instituições de ensino superior. Autonomia é o grau de autogoverno necessário para a efetiva tomada de decisão pelas instituições de ensino superior em relação ao seu trabalho acadêmico, padrões, gestão e atividades relacionadas8", desde que coerente com os gastos públicos.
Instrumentos de soft law também valem ser mencionados, como a Recommendation concerning the Status of Higher-Education Teaching Personnel, de 1997, da UNESCO, que estabelece importantes parâmetros interpretativos. Nele, é frisado como o direito à educação, ensino e pesquisa apenas podem ser gozados plenamente com a liberdade acadêmica e autonomia institucional[9]. Assim também é a Declaração de Lima sobre a Liberdade Acadêmica e a Autonomia das Instituições de Ensino Superior, aprovada na 68o Assembleia Geral da World University Service (WUS), que conceitua a liberdade acadêmica como uma precondição essencial ao direito à educação10.
Considerando o contexto atual, em que há ameaças a universidades e estudantes em mais de 60 países11, a proteção das garantias de autonomia ganha contornos ainda mais relevantes, principalmente frente a ondas conservadoras e totalitárias contemporâneas que apresentam ameaças reais às democracias, autonomias e liberdades. É neste contexto que a Alta Comissária da ONU por Direitos Humanos, Michelle Bachelet, identificou as ameaças à liberdade acadêmica como um problema sistemático de violação de direitos humanos.
Além disso, a perspectiva regional é de extrema relevância. Não apenas devido ao fato de o Brasil integrar e estar obrigado pelo art. 2º da Convenção Americana de Direitos Humanos a adotar, de acordo com as suas normas constitucionais e com as disposições desta Convenção, as medidas legislativas ou de outra natureza que forem necessárias para tornar efetivos direitos e liberdades nela previstas.
Por isso, quanto ao tema, o Sistema Interamericano de Direitos Humanos, durante o 171º Período de Sessões, de 7 a 16 de fevereiro de 2019 em Sucre, Bolívia, foram denunciadas inúmeras restrições e represálias contra liberdade acadêmica e autonomia universitária na região latino-americana. É necessário "interamericanizar" o direito à liberdade acadêmica e autonomia universitária12 com o estabelecimento de standards sobre o direito de pensar livremente, de liberdade acadêmica, autonomia e independência universitária, para promover o pensamento e a voz crítica13.
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