Migalhas de Peso

Redução de benefícios fiscais de ICMS no Estado de SP e seus impactos sobre a cadeia de insumos agropecuários

A aprovação dessas medidas se deu com a publicação da lei 17.923, de 16 de outubro de 2020, a qual, dentre outras medidas, introduziu importantes alterações na legislação tributária.

14/12/2020

(Imagem: Arte Migalhas)

Estado de São Paulo revisou recentemente o ordenamento legislativo estadual visando efetuar alterações voltadas ao ajuste fiscal e reequilíbrio das contas públicas, cujo quadro, que já era preocupante, foi agravado pela pandemia da covid-19.

A aprovação dessas medidas se deu com a publicação da lei 17.923, de 16 de outubro de 2020, a qual, dentre outras medidas, introduziu importantes alterações na legislação tributária.

No que toca ao ICMS, as modificações veiculadas na referida lei autorizaram o Governo do Estado de São Paulo a renovar e a reduzir benefícios fiscais e financeiros-fiscais ajustados por convênios firmados entre as unidades da Federação, além de dispor que qualquer previsão de alíquota em patamar inferior a 18% será considerada benefício fiscal.

Em seguida à publicação da lei 17.923/20 foram editados vários decretos, reduzindo benefícios fiscais de isenção, redução de base de cálculo e crédito outorgado para produtos objeto de circulação em vários setores da atividade econômica, dentre os quais os insumos agropecuários e máquinas e implementos agrícolas.

Sem adentrar os motivos que levaram o Estado de São Paulo a rever a política de concessão de incentivos fiscais, é importante avaliar, de forma pragmática, os efeitos e impactos negativos, nas perspectivas econômica e financeira, em relação a cadeia de produção vinculada ao agronegócio. É importante assinalar que essas repercussões, em menor ou maior grau, poderão também atingir outros setores, dependendo da forma com que operam.

A cadeia de valor que envolve os insumos agropecuários possui como agentes econômicos as indústrias (ou importadores), as distribuidoras atacadistas, os produtores rurais (pessoas físicas ou jurídicas) e/ou as agroindústrias e, no fim desse elo, os consumidores finais. A equação tributária e financeira utilizada para precificar o setor estava madura e estabilizada desde a edição do Convênio ICMS 100, publicado em 1997. Aqueles que atuam nessa área conhecem bem a importância desse ato conjunto, pois por meio dele as unidades da Federação acordaram a concessão dos benefícios da redução de base de cálculo nas operações interestaduais e da isenção de ICMS, nas saídas internas dos insumos agropecuários. Essas desonerações, que perpassam toda a cadeia de valor, permitiram dar maior competitividade aos produtos agropecuários nos mercados internacionais, além de estimular a economia nacional especialmente no que tange ao consumo de produtos primários e alimentos da cesta básica.

Desde o final da década de 1990 esses benefícios fiscais vinham sendo reiteradamente prorrogados, tendo sua extinção atualmente prevista para ocorrer no dia 31 de março do próximo ano nos termos do que dispõe o Convênio ICMS 133/20; todavia, por meio do decreto 65.254/20 o Estado de São Paulo resolveu reduzir os referidos benefícios fiscais a partir de janeiro de 2021.

Foram instituídos redutores às isenções que hoje desoneram totalmente do ICMS as operações realizadas dentro do Estado de São Paulo com os insumos agropecuários relacionados no Anexo I do Regulamento do ICMS, transformando a desoneração em isenção parcial do imposto. Assim, com o início das medidas tomadas pelo referido Decreto do Estado de São Paulo, as operações de saída de insumos e produtos do agronegócio praticadas no âmbito do estado, antes beneficiados pela isenção, passarão a sofrer a incidência do ICMS com uma carga tributária de 4,14% (que pode variar conforme a alíquota interna do produto), o que certamente impactará os preços de toda a cadeia.

Como é sabido, desde maio de 2019, a aquisição de insumos agropecuários isentos no Estado de São Paulo não gera direito ao crédito do imposto para o seu adquirente. Esse mecanismo, que mantém neutra a cadeia do agro, será quebrado diante da majoração da carga tributária para 4,14% , uma vez que, embora possa ser apropriado o crédito do imposto pelos adquirentes, haverá uma antecipação da saída de recursos financeiros, afetando o fluxo de caixa dessas empresas, além da possibilidade de propagar efeitos nos seus resultados contábeis (i) pelo fato de que a compra interna terá incidência do ICMS e, portanto, permitirá a apropriação de créditos fiscais a ele relativo e, a depender do regime tributário da saídas de suas mercadorias, o contribuinte poderá não gerar débitos de imposto suficientes a compensar desses créditos, ensejando o acúmulo de saldos credores sem perspectivas de realização e (ii) pela adoção de eventuais tratamentos diferenciados de tributação nas operações de saída que vedem a apropriação de quaisquer créditos.

As empresas dessa cadeia de produção atuam normalmente com contratos celebrados para a safra seguinte, o que torna essencial explorar ao máximo a previsibilidade de seus custos. Assim, com a safra encerrada em 2020, muitas empresas do setor já formularam seu compromisso de aquisição de insumos agropecuários a serem entregues durante a formação da safra 2021, além da realização de suas estimativas e previsões de venda considerando o sistema de precificação antes praticado com a isenção fiscal. Portanto, os agentes da cadeia vinculada ao agronegócio foram surpreendidos, em pleno desenvolvimento da safra, com o ajuste fiscal promovido na legislação do Estado de São Paulo após mais de duas décadas do regime tributário de contratos pactuados sob a premissa da desoneração total do ICMS.

Sem um plano específico de transição que pudesse evitar prejuízo para as safras em andamento, será altamente necessário para as empresas e produtores rurais uma avaliação cautelosa do impacto da majoração da carga tributária na sua estrutura operacional e, caso necessário, atuem no redirecionamento das fórmulas de precificação para atenuar potenciais prejuízos comerciais, considerando que a majoração provocada pelo decreto paulista poderá tornar os produtos produzidos e comercializados no Estado de São Paulo menos competitivos em relação àqueles transacionados em outras Unidades da Federação, fazendo com que o contribuinte paulista perca competitividade em relação às demais unidades da Federação.

Para as operações de saídas interestaduais com insumos agrícolas foram rebaixados os percentuais de redução da base de cálculo do ICMS nos percentuais de 60% para 47,2% e de 30% para 23,8% (rações e adubos).

Teme-se que as providências adotadas pelo Estado de São Paulo possam provocar um abalo na relação entre as unidades da Federação, reproduzindo novo episódio da guerra fiscal de ICMS, depois de todos os esforços para eliminá-la com a edição da lei complementar 160/17 e da celebração do convênio ICMS 190/17. Explica-se.

A partir de janeiro de 2021, numa hipotética venda de insumo agropecuário realizada por um contribuinte paulista a um destinatário localizado em Minas Gerais, o ICMS devido, que antes era calculado à uma alíquota de 4,80%, passará a ser calculado à alíquota de 6,33%, considerando que o percentual de redução da base de cálculo da operação será diminuído de 60% para 47,2%.

A medida tomada por São Paulo resultará num incremento de arrecadação do imposto neste Estado e na diminuição do ICMS devido ao Estado de Minas Gerais. Isto porque, o adquirente mineiro terá direito de abater, integralmente, o ICMS pago na aquisição do insumo, do imposto a ser recolhido aos cofres mineiros, provocando uma quebra no equilíbrio federativo que havia sido alcançado com a adesão desses dois Estados aos termos do convênio ICMS 100/97.

Deste modo, embora existam argumentos jurídicos que possam sustentar a manutenção integral do crédito, o estado de destino onde está localizado o adquirente do insumo em uma operação interestadual poderá vedar a apropriação dos créditos relativos ao imposto destacado nesta transação em sua totalidade, ou de forma proporcional, sob alegação de que a carga tributária nela incidente contraria o disposto no convênio ICMS 100/97.

Como visto, as modificações trazidas na regra paulista farão com que a cadeia de insumos agropecuários tenha que rever todo o seu sistema de precificação e de operação logística para tentar mitigar comercialmente os efeitos das reduções dos benefícios. Ademais, qualquer aumento da carga tributária em última análise será repassado para o consumidor final, penalizando, principalmente, o consumidor de baixa renda.

Os benefícios com as alterações apresentadas se estendem até 31 de dezembro de 2022, salvo na hipótese de prazo inferior de validade do convênio ICMS 100/97. É importante destacar que atualmente o prazo de vigência do Convênio se extingue em 31 de março de 2021.

Em razão do exposto, seria de todo conveniente que ações políticas fossem desenvolvidas no sentido de eliminar essas medidas ou de mitigar seus efeitos para o setor do agronegócio, um dos pilares do desempenho da balança comercial do país, que cumpre papel fundamental no acesso da população brasileira e mundial a alimentos com custos acessíveis.

Ricardo Varrichio
Sócio da RVC Advocacia e Consultoria Tributária e Empresarial.

Paulo Barbosa
Sócio da RVC Advocacia e Consultoria Tributária e Empresarial.

Evany Oliveira
Sócia da RVC Advocacia e Consultoria Tributária e Empresarial.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Artigos Mais Lidos

Decisão importante do TST sobre a responsabilidade de sócios em S.A. de capital fechado

20/12/2024

Planejamento sucessório e holding patrimonial: Cláusulas restritivas societárias

20/12/2024

As perspectivas para o agronegócio brasileiro em 2025

20/12/2024

A sua empresa monitora todos os gatilhos e lança as informações dos processos trabalhistas no eSocial?

20/12/2024

O futuro dos contratos: A tecnologia blockchain e o potencial dos smart contracts no Brasil

20/12/2024