O mercado se reforma, reinventa e, principalmente, inova o seu modus operandi a cada crise econômica havida na história da humanidade. Durante a Grande Depressão, considerada por muitos como a pior recessão econômica moderna, a queda da produção industrial — com a consequente redução dos valores no mercado de ações —, culminada com a redução drástica do PIB de diversas nações, resultou no crash da bolsa, tendo os Estados Unidos da América, a passos largos, recuperado o seu poderio econômico e se tornado a maior economia contemporânea.
Com a derrocada do comércio físico ante as medidas restritivas impostas pelos governos federal, estadual e municipal, provocadas pela crise institucional resultante do avanço da covid-19, viu-se emergir uma modalidade de comércio até então ascendente, porém com travas históricas e socioeconômicas que a efetivassem como soberana: o e-commerce.
Em 2019, o comércio on-line representava apenas 5% do volume de vendas no Brasil. De acordo com a Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm), em nota divulgada recentemente pela revista Exame, o volume de vendas por meios virtuais cresceu 40% no mês de março de 2020, se comparado ao mesmo período de 2019. E o mês de março foi apenas o início do recolhimento das pessoas para suas residências.
Em um cenário de mudanças periódicas, a busca constante por alternativas de negócios tornou-se questão de sobrevivência. Com comércio eletrônico em ascensão, a transformação digital é prioridade para as empresas darem continuidade aos seus negócios, atenderem ao novo formato de demanda dos clientes e aumentarem a sua escala de eficiência.
Dessa feita, com a ampliação do comércio eletrônico, viu-se assomar, no Brasil, o marketplace como variante benéfica para o e-commerce tradicional. Definido como sendo um shopping virtual, o marketplace é uma plataforma online em que são divulgados, negociados e vendidos produtos e serviços de diferentes empresas e lojistas.
Todo o procedimento da compra, desde a escolha até a efetivação do pagamento, é realizado na plataforma do e-commerce. Espera-se que, em 2020, o modelo de marketplace represente 35% do faturamento do e-commerce, consoante dados recentes divulgados pela ABComm.
Há, todavia, divergência na forma como é operada essa negociação nos sítios eletrônicos que operam com essa modalidade, existindo três tipos de marketplace, a saber:
i) O denominado marketplace puro, em que os sellers (vendedores) se valem da plataforma para venda dos seus produtos, não realizando esta as vendas diretas aos consumidores. No Brasil, destaca-se o Mercado Livre como típico exemplo desta modalidade.
ii) O modelo híbrido, mais comum e usual no mercado varejista on-line (dos quais se destacam, no Brasil, a Amazon e Americanas.com), onde, além de serem comercializados produtos próprios dessas empresas, há também a negociação, no próprio site, de produtos e serviços de terceiros.
iii) Por último, tem-se a mescla da modalidade híbrida e loja física, em que as empresas empenhadas possuem comércio virtual próprio, atuam como marketplaces, além de possuírem venda direta ao consumidor em lojas físicas (vide Magazine Luiza e Via Varejo).
Em que pese se mostrar benéfica a todas as partes da relação de consumo, tal plataforma não se mostra livre da ocorrência eventual de vícios e falhas na prestação do serviço. Dessa feita, a quem recairia a responsabilidade civil nestes nichos de mercado? As empresas marketplaces podem ser responsabilizadas pela má prestação de serviço ou recusa na resolução de litígios pelo vendedor originário?
Pela inteligência do Código de Defesa do Consumidor (CDC), responderiam objetiva e solidariamente, a plataforma e o fornecedor pelos danos causados ao consumidor, ainda que não tenha agido aquela com culpa ou má-fé. A responsabilização, in casu, seria inerente ao risco do negócio.
Inegável o avanço e a segurança jurídica provocada pelo advento da lei 8.078/90. Nada obstante, irrefutável também aludir que este dispositivo legal se mostra defasado em se tratando das relações de consumo em plataformas virtuais por, diga-se, ser contemporânea ao surgimento da internet no Brasil (1988). O Direito não pode, portanto, se engessar e se fechar para as mudanças socioeconômicas que o tangenciam.
Ademais, a lei 12.965/14, popularmente conhecida como o "Marco Civil da Internet", traz em seu bojo normativo a expressa vedação de responsabilização civil ao provedor de conexão à internet por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros, o que, por analogia, aplicar-se-ia aos marketplaces. Além disso, prevê a "responsabilização dos agentes de acordo com suas atividades" e a "liberdade dos modelos de negócios promovidos na internet" (art. 3º, VI, VIII da lei 12.965/14), não havendo que se falar em imposição estatal para regulamentar as referidas relações.
Ainda que prevaleça a máxima de responsabilização solidária prevista no CDC, há que se levar em consideração a excludente de responsabilidade prevista no art. 13 do referido diploma legal, visto que os marketplaces, quando da mera disponibilização de produtos em sua plataforma on-line, identificam claramente os fabricantes/vendedores e, principalmente, não são os responsáveis pela conservação e armazenamento dos bens comercializados, quando perecíveis.
Diante de um cenário punitivo às empresas, em que não se busca de fato aferir a responsabilidade destas nas eventuais falhas inerentes às relações de consumo, devem os marketplaces se resguardar juridicamente a fim de evitar responsabilidades que não são suas. A máxima de que os contratos existem para serem cumpridos, mesmo com as atenuações da lei, não são meras palavras ao vento.
O princípio do pacta sunt servanda gera obrigações, direito e deveres às partes contratantes e deve ser utilizado pelas empresas que prestam serviço de marketplace. Contratos de parceria comercial com os sellers são importantes para definirem a responsabilização civil destes tanto nas demandas administrativas como nas judiciais — isentando, por conseguinte, as plataformas de qualquer reparação de danos a terceiros causados por eles.
E não apenas ali: os contratos com os consumidores finais ou os termos de uso da plataforma devem alertar, com destaque, que a responsabilidade por mazelas nas transações é somente da empresa com a qual se compra/contrata, reforçando as teses defensivas em caso de judicialização.
Não se pode deixar de assinalar que os sites são responsáveis pelos erros que eles próprios cometem.
Ressalva-se, por último, o direito de regresso em caso de responsabilização objetiva por vício no produto ou falha na prestação de serviço em sua plataforma, não devendo o marketplace arcar com prejuízos financeiros a que não deu causa.
Enfim, este é um tema pulsante, decorrente das novas práticas comerciais pela internet que chegaram há pouco tempo em nosso país, somado ao elevado volume de transações on-line que a pandemia do coronavírus SARS-CoV-2 (covid-19) causou. A doutrina e a jurisprudência ainda deverão se pacificar. Esperamos que pela forma legal e justa.