Há muito tempo a importância da liberdade para caracterização distintiva do ser humano é conhecida e almejada e, por esse motivo, a liberdade entendida de forma ampla vem tomando espaço de reflexões, análises e investigações dos estudiosos sob os diversos aspectos e concepções, os quais objetivam legitimá-la e por elas serem legitimados.
Estamos vivendo em uma época de busca intensa pela concretização da liberdade humana. Mundialmente, a sociedade se mobiliza de forma crescente e das mais variadas formas em favor da efetivação de seus direitos de liberdade, os quais essencialmente são a base da dignidade humana, especificamente quando se fala em direito de exercer crenças religiosas que comumente são intrínsecas à formação do indivíduo e da forma com que ele se relaciona com os demais seres.
Nesse sentido, em 1981, a Organização das Nações Unidas (ONU) proclamou a declaração em que qualquer espécie de intolerância ou atitude discriminatória relacionadas à religião ou crença deve ser repudiada: “Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião. Este direito inclui a liberdade de ter uma religião ou qualquer crença de sua escolha, assim como a liberdade de manifestar sua religião ou crença, individual ou coletivamente, tanto em público quanto em particular”.
O Brasil é um Estado laico não ateu, ou seja, não possui uma religião atribuída ao país e deve manter separadas as questões que se relacionam entre Estado e religião e, por esse motivo tem o compromisso de garantir que seu povo tenha direito à liberdade religiosa, tanto de crer em algo e exercer cultos e reuniões religiosas, quanto de optar por não possuir crença específica.
Saliente-se que, não é essencial que um Estado seja caracterizado como laico para que se emane o direito à liberdade religiosa. Isso significa que um Estado pode ter uma religião oficial, sem que isso interfira na prática de religiões diversas pelos cidadãos, como ocorre com o Reino Unido e a Dinamarca, por exemplo.
Além das questões que envolvem cultos e cerimônias religiosas, no último dia 26 de novembro de 2020, foi levado ao Supremo Tribunal Federal duas questões que há muito são tema de debate social: a necessidade de alteração de datas e horários de concursos públicos ocorridos em dias de guarda por algumas religiões, como ocorre na igreja adventista do sétimo dia e no judaísmo, conhecidos como “sabatistas”, bem como a possibilidade de a administração pública, durante o estágio probatório, estabelecer critérios alternativos para o exercício dos deveres funcionais ao servidor público.
No julgamento do Recurso Extraordinário 611.874 e Agravo em Recurso Extraordinário 1.099.099 foram fixadas teses de repercussão geral de grande importância, eis que o artigo 5º, inciso VIII, da Constituição Federal foi aplicado de forma razoável e equilibrada, de modo a se decidir que é possível a realização de etapas de concurso público em datas e horários distintos dos previstos em edital, por candidato que invoca escusa de consciência por motivos de crença religiosa, desde que presente a razoabilidade da alteração, a preservação da igualdade entre todos os candidatos e que não acarrete ônus desproporcional à administração pública, que deverá decidir de maneira fundamentada, bem como ser plenamente cabível à administração pública estabelecer critérios alternativos para o regular exercício dos deveres funcionais inerentes aos cargos públicos, inclusive durante o estágio probatório, aos servidores que invocam escusa de consciência por motivos de crença religiosa, desde que, presente a mesma razoabilidade acima mencionada e sem caracterização de eventual desvirtuamento no exercício de suas funções e não acarrete ônus desproporcional à administração pública.
O que se percebe é que, ao decidir pela proteção da liberdade religiosa aos “sabatistas”, o Supremo Tribunal Federal agiu com observância aos princípios da Razoabilidade e Isonomia, além de levar em consideração as peculiaridades dos casos em julgamento.
Veja-se que, mesmo que a proteção à liberdade religiosa tenha sido o centro do julgamento, as brilhantes decisões deixaram claro que não pode ocorrer, em nenhuma hipótese, o descumprimento do princípio da igualdade de competição e do exercício de cargos públicos.
Diante dos recentes julgamentos com repercussão geral, pode-se afirmar que que a laicização do Estado e a adoção de um sistema que garanta a plena liberdade religiosa contribui consideravelmente para que seja reduzida a intolerância religiosa e ao mesmo tempo consagrado o respeito à crença alheia de modo que a sociedade possa seguir seu curso de uma forma mais diversa e equilibrada.
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