Migalhas de Peso

A revolta da vacina

O fato histórico me veio à lembrança diante das discussões sobre a vacinação contra o covid-19.

4/12/2020

(Imagem: Arte Migalhas)

Na Velha República (1889-1930) uma das revoltas pouco conhecidas foi a dos alunos da Escola Militar da Praia Vermelha, contra o Governo Rodrigues Alves. O pretexto consistiu na aplicação de lei que obrigava as pessoas a se vacinarem contra a epidemia de varíola. O governo seguia a orientação do médico Oswaldo Cruz, diretor-geral da Saúde Pública. Entre os dias 10 e 15 de novembro de 1904 milhares de moradores revoltados contra a demolição de pardieiros, medida necessária ao saneamento da cidade pois contribuíam, pela falta de higiene, para a propagação de doenças como febre amarela, peste bubônica, varíola. No dia 10 o populacho se armou com paus e pedras e saiu às ruas para quebrar tudo que estivesse ao seu alcance. A revolta se espalhou até a decretação do estado de sítio por 30 dias e a extinção da Escola Militar, substituída pela criação da Escola de Guerra de Porto Alegre. O governo respondeu com violência. Morreram 30 pessoas, 945 foram presas e 461 deportados para o Acre.

Sobre a revolta e a posição de Rui Barbosa no episódio, é recomendável ler o artigo Rui e a Vacina Obrigatória, que faz parte do livro Rui o Homem e o Mito, de Magalhães Júnior, editado pela Civilização Brasileira em 1965.

O fato histórico me veio à lembrança diante das discussões sobre a vacinação contra o covid-19. Os países adiantados travam corrida no sentido de pesquisar, descobrir e produzir quantidade suficiente de vacinas, para colocá-las a disposição dos menos desenvolvidos no começo do próximo ano. No Brasil o Instituto Butantã e a Fiocruz se integraram à tarefa humanitária

São grandes as esperanças de que o produto esteja à disposição até o mês de março. As primeiras doses seriam destinadas ao pessoal da área da saúde, a idosos, indígenas e presidiários. Parece-me impossível, entretanto, antecipar como será a logística da distribuição. O Brasil tem experiência no terreno da vacinação em massa contra a gripe, paralisia infantil, varíola. O caso da covid-19, todavia, apresenta dificuldades específicas, relativas a armazenamento, transporte e aplicação. Segundo informações da imprensa, por desídia do Ministério da Saúde e da Anvisa estariam em falta as seringas.

Quero crer que aos negativistas ou negacionistas não ocorra a ideia de reviver a revolta da vacina. Imagino, também, ser dispensável legislação que torne a vacinação obrigatória. As pessoas sensatas sabem que a melhor maneira de impedir que o covid-19 continue a enviar vítimas aos hospitais e matar está na vacina. A “gripezinha”, da qual têm receio os “maricas”, na opinião do presidente Jair Bolsonaro, já infectou no Brasil mais de 6,4 milhões de pessoas e matou cerca de 175 mil. Somando-se os mortos na guerra da Independência, nas revoltas durante o Império, na Guerra do Paraguai, em Canudos, no Contestado, nos golpes de Estado, na campanha da Força Expedicionária Brasileira na Itália, a quantidade é menor.

Diante de números assustadores, insistir na ignorância dos fatos é demonstração de falta de sensibilidade e de inteligência. Espera-se que não aconteça.

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*Almir Pazzianotto Pinto é advogado. Foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho.

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