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A responsabilidade dos sócios das sociedades limitadas

Há várias instâncias onde não só os sócios administradores, mas até mesmo os minoritários podem ter seu patrimônio afetado por débitos da empresa, mesmo que na origem causal desses débitos eles não tenham nenhuma participação.

1/12/2020

(Imagem: Arte Migalhas)

Em linha de princípio a responsabilidade do sócio da sociedade limitada se limita a obrigação de integralizar as cotas que subscreveu, e ainda, e aqui de modo solidário, responde com os demais sócios pelo valor das cotas de outros sócios acaso não integralizadas (artigo 1052 do Código Civil).

Talvez seja melhor já anotar aqui que há ainda a responsabilidade quinquenal solidária de todos os sócios pela integridade e realidade, 'exata estimação", dos bens acaso usados por algum deles para integralizar o capital (artigo 1.055 parágrafo 1º).

No trato das sociedades simples o Código revela regra expressa (artigo 1.032) declarando a responsabilização do sócio retirante por um prazo de dois anos (após a averbação no registro público daquela retirada) por todos os ônus da sociedade anteriores a sua saída. Tal responsabilização, também categorizada no artigo 1003 do Código, é tida, no dizer da lei, como solidária com o cedente das cotas e se aplica perante terceiros e a própria sociedade. O que deve ficar claro é que tais ônus da sociedade, pendentes por dois anos perante o sócio retirante, são apenas aqueles pelos quais o sócio responderia se ali continuasse.

Logo se aventa a consideração da aplicação dessa regra às sociedades limitadas, diante da norma do artigo 1.053, que prevê a aplicação subsidiaria às limitadas das regras do Código sobre as sociedades simples.

No caso de exclusão do sócio minoritário por decisão da maioria a norma do artigo 1.086 é clara, remetendo diretamente ao artigo 1.032, sendo de se concluir que aqui não há dúvidas quanto a responsabilização bienal do retirante.

Mas, sempre fica a ponderação quanto àquelas limitadas que optem em seu contrato social pela submissão subsidiária as normas sobre as companhias

Na verdade, o que a doutrina logo esclareceu, diante da dicção do artigo 1.053 do Código Civil, é que, ao referir se a aplicação subsidiária da lei das S.A., o legislador cuidou de complementação, não de antinomia de regras, cabendo à lei das companhias, complementando lacunas, subsidiar os institutos da limitada que assim optou. Neste sentido Manoel Pereira Calcas, em "sociedade limitada no novo Código Civil" SP, Ed. Atlas, 2003 pág.81

Mas, no que toca a lei geral aplicável às sociedades limitadas, está se espraia nas regras das sociedades simples conforme quis o artigo 1.053.

Disso já nos leva a concluir que a responsabilidade bienal do sócio retirante - qualquer que seja a espécie dessa retirada - se aplica em todas as sociedades limitadas. O importante é saber quais são esses ônus societários pendentes que podem ser arguidos contra o sócio que se retira.

Não se pode esquecer que basicamente existe uma limitação clara às responsabilidades do sócio, conforme o artigo 1052 do Código declara: valor da sua parcela de capital subscrita, e também, aqui solidariamente com todos os sócios, por quaisquer frações de capital impagas.

Contudo, na ordem jurídica brasileira existem outras frestas onde se invoca a responsabilização do sócio.

De início já temos a regra clara e genérica do artigo 1.080 do código, declarando a responsabilidade ilimitada de todos os sócios por deliberação afrontosa á lei ou ao contrato social.

Haroldo Malheiros Vercosa (Curso de Direito Comercial SP, Malheiros Editores, 1 volume, 2010b, págs. 341/342) adverte que os sócios que se abstiverem ou votarem contra tal deliberação não tem responsabilidade por não estarem comprometidos com a infração, o que nos parece mais que razoável.

Em segundo lugar há a sanção responsabilizatoria do próprio código nos casos de culpa (artigo 1016). É claro que aqui só se fala, como a lei deixa claro, de sócios gerentes ou diretores responsáveis pela decisão comissiva ou omissiva. 

Aliás, tal responsabilidade dos sócios gestores, mesmo sendo subsidiária aquela da própria sociedade, é ilimitada, conforme sedimentado na Jornada I STJ 59.

Mesmo inserida na parte geral da lei, essa responsabilização é aplicável a todas as sociedades limitadas, “mesmo aquelas cujo contrato social preveja a aplicação supletiva das normas das sociedades anônimas” (Jornada III STJ 220).

Nesse campo de responsabilidades deferidas aos sócios de limitadas, assim como de outras sociedades ali capituladas, o artigo 1.009 do código declara que todos, gerentes ou não, são responsáveis solidariamente (e de modo subsidiário e ilimitado, conforme Jornada I STJ 59) por terem a si atribuídos “lucros fictícios”, algo básico, condenando manobras que desvirtuem o curso normal da produção de resultados na empresa.

Aqui o código teve o cuidado de abranger os sócios todos que receberem tais resultados inexistentes “conhecendo ou devendo conhecer a ilegitimidade”, certamente pois os gestores, conselheiros e os demais que se mostrarem omissos no controle das contas da sociedade. Os sócios que comparecerem a assembleia ou reunião de aprovação das demonstrações financeiras e as aprovar contendo distribuição de lucros inexistentes também responderão.

Depois, há que se registrar a responsabilidade tributária descrita no artigo 135 do Código Tributário Nacional, e que é de outra parte uma responsabilidade subsidiária aquela da sociedade.

Também neste campo só se pode invocar responsabilidade de sócio gestor, não do mero subscritor de capital. Ainda aqui há que se notar que a jurisprudência brasileira e sólida no sentido de que o mero não pagamento do tributo, a inadimplência na sua satisfação, não configura “infração a lei” demandada para tal responsabilização.

O que se tem, portanto, no caso de obrigações tributárias, é que somente a fraude ou a sonegação acarretam tal chamada responsabilizatoria. E, naturalmente, sendo caso de fraude ou sonegação só respondem os sócios administradores.

Neste sentido acórdãos do STJ no EREsp 374.139/RS 1ª Seção, no DJU de 28/2/05, e ainda no RESp. 1.101.728/SP.

Sobre a responsabilidade previdenciária, que a rigor é também tributária, apesar de disposição legal própria (lei 8.620/93 artigo 13) criando uma responsabilidade solidária dos sócios, o STF = já sedimentou no RE 562.276/PR pelo seu Pleno, julgado em 03/11/10, com Repercussão Geral, que tal provisão legal padece de inconstitucionalidade, estando os sócios gerentes, e por certo os não gestores, isentos de responsabilização desde que não haja fraude ou sonegação. De resto, tal como no tocante a outros tributos, não só as contribuições previdenciárias, somente respondem os sócios administradores responsáveis pelas fraudes e/ou sonegação.

Sobram as condições mais severas de responsabilizações ambientais, trabalhistas e consumeristas, e mesmo as ligadas a infrações á ordem econômica (lei 8.884/94, artigo 18).

Quanto aos ônus ambientais, a severidade é tanta no seu trato, que o Judiciário tem muitas vezes tido como estendida tal responsabilização a todos os sócios, aplicando ainda aqui a teoria menor da desconsideração, que prescinde de fraude ou culpa devida.

A tal propósito temos o acórdão do TJ/RS no AÍ 70047445424/RS publicado em 23/8/12, e outro igual do TRF 4 no AC 50022313520124047213/SC publicado em 25/3/16, e também o próprio STJ no RESp 279.273/SP pela sua 3ª turma no DJU de 29/3/04.

Esse excessivo rigor é de todo condenável na sua extensão a todos os sócios, pois fica difícil sustentar que um sócio pequeno, prestador de capital, vá responder por danos ambientais da empresa. Afinal, a responsabilização, mesmo objetiva, de risco, prescinde de culpa, de elemento volitivo, mas exige basicamente uma ligação causal mínima da pessoa com o fato originário, mesmo dispensando culpa.

É isso realmente não existe no caso de um sócio desligado da gestão ou do controle da empresa.

Encontramos decisões mais contidas como as do TJ/SP no AÍ 991.09.046547-5 de 9/2/10, e outra da 30 a câmara de direito privado de 20/5/15, do mesmo TJ/SP, que não arrastaram os sócios minoritários nesse gravame ambiental.

Esse extremo rigor, repita se, ofende a lógica e bom senso, e a invocação da desconsideração da pessoa jurídica que realmente encontra assento na lei ambiental e no Código Civil (artigo 50) não deveria ter seu alcance esticado para englobar sócios menores nas limitadas, que decerto não tem vínculo causal algum com o cogitado ato ou omissão ofensivo a lei, e por certo nada podem fazer a respeito.

Tanta severidade se faz presente em vários pronunciamentos judiciais, havendo que se registrar em um caso de desconsideração da pessoa jurídica num pedido de dano moral coletivo por fraude no mercado Imobiliário, aqui ligada a infração a ordem econômica (lei 8884/94,depois alterada pela lei 12.529/11), o STJ, em decisão de 7/6/13, pela sua 3ª turma, chegou a sentenciar: "mesmo tendo pequena parcela das quotas é dever de cada sócio gerir as atividades e os negócios realizados pela sociedade”, conclusão data vênia totalmente divorciada da patente realidade, pelo menos na generalidade dos casos.

Igual e perigoso rigor anda sendo emprestado pelo Judiciário nas questões consumeristas, sempre arrimadas na aplicação da teoria menor da desconsideração, bastando a insuficiência patrimonial atestada da sociedade para se buscar a responsabilidade de todos os sócios (STJ REsp 279.273/SP 3ª turma julgado em 29/3/04.assim como o mesmo STJ o fez em relação de consumo (REsp 279.273/SP em 29/3/04).

Ainda que mais além o próprio STJ no REsp 876.974/SP, julgado em 9/8/07, e ainda no REsp 1.526.287/SP 3ª turma, no DJU de 2/5/17 tenha refluído para não aplicar a desconsideração se houver apenas o requisito da insuficiência patrimonial, demandando pois fraude, desvio de finalidade, como especifica o artigo 50 do Código Civil.

Pois a matéria assim anda um tanto vacilante, atentas as decisões as peculiaridades de cada hipótese, e o mesmo STJ no REsp 1.526.287/SP no DJU DE 26/5/17, pela mesma 3ª turma, aplicou a desconsideração aquela sociedade, mas pela teoria maior, exigindo fraude, desvio de finalidade.

E note se que ainda o STJ no REsp 1395.288/SP exigiu fraude para desconsiderar a pessoa jurídica, sentenciando, em um caso de dissolução irregular, que este simples fato não autorizaria o incidente.

Quanto a responsabilidade de sócios pelos débitos trabalhistas das empresas, muito considerada com base no artigo 8º da CLT, essa é na ordem brasileira uma espécie de “bete noire” pelo seu uso extremado e muitas vezes absurdo.

Isso a um ponto que o TST no recurso de Revista 02549-2000-012-05-00 publicado e, 10/2/02 logo declarou que, pela desconsideração da pessoa jurídica, aplicável na seara laboral em seus princípios, no caso da empresa devedora trabalhista, se esta não tiver patrimônio suficiente, os sócios todos são chamados a responder. E em 2007 no acordão na AP 01929-2005-046-12-00-0 o TRT da 12ª Regiao declarou que mesmo os minoritários podem ser arrostados nessa responsabilização.

Podemos concluir pois que na ordem jurídica prevalente na atualidade fica muito relativa aquela limitação de responsabilidade (ao valor da cota subscrita e ao valor acaso não integralizado das demais cotas) que foi desde sempre a marca registrada e que adjetivou e ainda adjetiva essas sociedades.

Há várias instâncias onde não só os sócios administradores, mas até mesmo os minoritários podem ter seu patrimônio afetado por débitos da empresa, mesmo que na origem causal desses débitos eles não tenham nenhuma participação.

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*João Luiz Coelho da Rocha é advogado e sócio no escritório Bastos-Tigre, Coelho da Rocha, Lopes e Freitas Advogados e professor de Direito da PUC/RJ.

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