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O dilema da votação eletrônica

Qual o melhor sistema de votação para garantir que o voto seja registrado de acordo com a vontade do eleitor?

27/11/2020

(Imagem: Arte Migalhas)

Recentemente tivemos eleições nos Estados Unidos e também do Brasil. Enquanto nos EUA a votação foi feita utilizando o papel como principal meio para registrar o desejo do povo, no Brasil, há mais de 20 anos, usamos as urnas eletrônicas. Nos EUA, a apuração demorou dias e ainda segue em andamento em alguns estados. No Brasil, mesmo com um atraso de algumas horas, o resultado saiu praticamente no mesmo dia.

Qual o melhor sistema de votação para garantir que o voto seja registrado de acordo com a vontade do eleitor?

Em um recente artigo publicado por pesquisadores do MIT - Massachusetts Institute of Technology1, foi analisado o uso de uma solução para votação online, via Internet, usando a tecnologia de blockchain2. Eles argumentam que as eleições devem ser baseadas em evidências, ou seja, as eleições devem não somente definir o vencedor, mas também convencer o eleitorado com evidências da vitória. Para isso, os pesquisadores elencaram cinco requisitos mínimos e não suficientes para uma eleição segura baseada em evidências: (I) garantia de voto secreto; (II) independência de software (ou seja, uma mudança não detectada ou erro no software não pode causar uma mudança indetectável no resultado da eleição); (III) possibilidade de verificação do registro do voto pelo eleitor (o eleitor deve ser capaz de certificar-se que sua vontade foi corretamente registrada no meio de registro do voto); (IV) contestabilidade (fornecer evidências publicamente verificáveis ??de que o resultado da eleição não é confiável, sempre que um erro é detectado) e (V) auditoria (certificar-se de que as evidências são confiáveis ??e consistentes para validação do resultado da eleição).

Pois bem, os pesquisadores do MIT concluem que o uso de cédulas de papel, sejam em votação presencial ou as enviadas pelo correio, são menos suscetíveis a ataques em grande escala em comparação com a votação online, onde a exploração de uma única vulnerabilidade pode afetar todas as cédulas de uma só vez. E que o uso da tecnologia de blockchain aumentaria ainda mais a vulnerabilidade, uma vez que o requisito de independência de software seria o mais afetado. Ou seja, uma falha ou um ataque poderia alterar o voto de um ou muitos eleitores, de forma indetectável, alterando o resultado da eleição. Com a cédula em papel, o eleitor teria a evidência física de que sua vontade foi corretamente registrada.

Trazendo para o sistema de votação brasileiro, que usa votação presencial em urnas eletrônicas, segundo o artigo dos pesquisadores do MIT, estaríamos em um dos piores cenários, votação eletrônica presencial. Contudo, isso não reflete a realidade do sistema de votação eletrônica do Brasil, pelas razões que discorrerei a seguir.

Inicialmente, cabe ponderar sobre a segurança das urnas eletrônicas brasileiras. O TSE organiza um evento chamado Teste Público de Segurança (TPS) desde 2009, um ano antes das eleições. No TPS, investigadores e especialistas verificam os mecanismos de segurança implementados no sistema de votação, com o objetivo de encontrar vulnerabilidades e sugerir correções. O último TPS foi realizado em 2019 e teve dez achados listados3. Após a realização do TPS, o TSE implantou melhorias e correções nos sistemas e foi feita nova avaliação pelos mesmos investigadores. O Relatório Final da Comissão Avaliadora confirmou que as alterações efetuadas pela equipe técnica do TSE "atenderam plenamente a melhoria dos quesitos de vulnerabilidade de segurança  apontados"4. Ademais, cabe destacar que a urna eletrônica em uso no Brasil trabalha sem conexão à Internet ou qualquer rede de computadores (off-line), praticamente eliminando a possibilidade de ataque externo durante a votação. O resultado de cada urna é transmitido por uma rede privada do TSE, de forma a minimizar qualquer risco inerente à rede mundial de computadores, como as falhas graves - ataques em maior escala, mais difíceis de detectar e de execução menos complexa - dos sistemas de votação online, citados pelos pesquisadores do MIT.

E será que a urna eletrônica brasileira cumpre os cinco requisitos mínimos para eleição segura baseada em evidências, listados pelos pesquisadores do MIT?

O primeiro requisito listado é a garantia de voto secreto. Para isso, a urna possui um software que embaralha a ordem de votação, evitando que se identifique em quem cada eleitor votou. Esse software teve uma falha identificada no TPS de 2012 e foi aperfeiçoado e corrigido, sendo testado novamente dos TPS seguintes, que comprovaram sua robustez e segurança5.

O segundo requisito é a independência de software, ou seja, um erro ou mudança não detectada no software não pode causar uma mudança indetectável no resultado da eleição. Aqui entra a lacração digital dos softwares da urna, com a geração de um hash6. A partir daí, qualquer alteração nos softwares instalados altera o hash e, consequentemente, permite a identificação de que o sistema pode ter sido comprometido. Se isso acontecer, a Justiça Eleitoral pode tomar as ações de contingência7 para que a eleição transcorra normalmente.

Em relação à possibilidade de verificação do registro do voto pelo eleitor, terceiro requisito, quando o eleitor digita o número do seu candidato é exibida a foto e o nome, para que ele possa verificar e confirmar. Além disso, cada voto é gravado em um arquivo chamado Registro Digital do Voto (RDV)8, de forma aleatório, assinado digitalmente pela urna. É com base no RDV que é emitida a zerésima no início da votação, confirmando que não há nenhum voto registrado na urna. Ao final da votação, o Boletim de Urna (BU) é gerado tendo como base o RDV, sendo o relatório com a apuração dos votos da seção. Desta forma, o RDV gera a evidência necessária para que a eleição possa ser auditada, se necessário, pois o voto é registrado exatamente como digitado pelo eleitor. Além disso, o RDV garante o sigilo do voto, pois cada voto é registrado no RDV de forma aleatório, embaralhada e não na sequência de votação dos eleitores. Cópias do RDV podem ser fornecidas aos partidos políticos e coligações, para que eles possam realizar verificações que considerarem pertinentes. Com isso, o RDV também endereça o quarto requisito, a contestabilidade do processo, pois há evidências que podem ser utilizadas para validar o resultado do pleito.

O quinto requisito seria a possibilidade de auditoria. Além da possibilidade de auditoria eletrônica, utilizando-se dos arquivos RDVs das urnas, os Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) de cada Estado realizam um procedimento chamado de Auditoria de Funcionamento das Urnas Eletrônicas9 (Votação Paralela). Nesse processo, os TREs, no dia anterior à eleição, sorteiam algumas urnas já preparadas para a votação oficial para que seja feita uma votação paralela. As urnas sorteadas são levadas para o TRE. No dia da eleição, cédulas de votação em papel preenchidas por representantes de partidos e entidades são registrados na urna eletrônica e em um sistema à parte, em um ambiente monitorado por câmeras, com presença de auditoria independente e aberto ao público. Após a votação, é feita uma comparação entre o resultado da urna eletrônica e da votação em papel, certificando que a votação eletrônica é fidedigna.

Assim, diante do exposto, podemos concluir que a urna eletrônica utilizada no Brasil é um expoente caso de sucesso, que permite que os cidadãos possam exercer seu direito de voto com segurança e contribui para que o resultado seja conhecido com a rapidez e confiabilidade que só a tecnologia permite.

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1 PARK, Sunoo; SPECTER, Michael; NARULA, Neha; RIVEST, Ronald L.. Going from Bad to Worse: From Internet Voting to Blockchain Voting. Cambridge, 06 nov. 2020. Disponível aqui. Acesso em: 19 nov. 2020.

2 Segundo a OCDE, a tecnologia blockchain é uma forma de tecnologia distribuída de livro-razão, a qual atua como um registro (uma lista) aberto e autenticado de transações de uma parte para outra (ou múltiplas partes), onde cada usuário armazena uma cópia local do livro-razão, executando um software blockchain conectado a uma rede blockchain – também conhecido como nó.

3 BRASIL. TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. . Sumário Executivo: Levantamento da tecnologia blockchain. Brasília: TCU, 2020. 46 p. Disponível aqui. Acesso em: 20 nov. 2020.

4 Relatório da Comissão Avaliadora sobre Confirmação das Correções.

5 SISTEMA ELETRÔNICODE VOTAÇÃO - Perguntas mais frequentes

6 Segurança.

7 Procedimentos de contingência.

8 Registro digital do voto.

9 RESOLUÇÃO Nº 23.603, DE 12 DE DEZEMBRO DE 2019.

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*Fabio Correa Xavier é diretor do Departamento de Tecnologia da Informação do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo. Mestre em Ciência da Computação (USP). MBA em Gestão Estratégica de Negócios (IBMEC). Pós-graduado em Gestão Pública e Responsabilidade Fiscal e em Projetos de Redes.

 
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