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O STJ e a interpretação do art. 56, § 1º, da Lei da Propriedade Industrial: É possível a arguição de nulidade incidental de patentes na justiça estadual?

A possibilidade de arguição de nulidade de patentes como matéria de defesa no contexto de uma ação de infração, além de evitar custos e aproveitar a uma discussão já em andamento, também evita a propositura de uma ação de nulidade autônoma.

24/11/2020

(Imagem: Arte Migalhas)

A Lei de Propriedade Industrial prevê, no § 1º do artigo 56, que “a nulidade da patente poderá ser arguida, a qualquer tempo, como matéria de defesa”1. Já, o artigo 57 do mesmo diploma legal, dispõe que a ação de nulidade de patente “será ajuizada perante a Justiça Federal, com a intervenção do INPI”2.

A distinção entre os dispositivos de lei supracitados reside no fato de que, a nulidade alegada com base no § 1º do artigo 56, a chamada nulidade incidental, pode ser aduzida a qualquer tempo como matéria de defesa, o que permite a sua alegação pelo réu nos autos de uma ação de infração, na justiça estadual, e sem a participação do INPI, sendo que apenas possui eficácia inter partes (ou seja, entre as partes daquele processo). A ação de nulidade autônoma, por sua vez, prevista no art. 57 da LPI, deve necessariamente ser proposta na Justiça Federal, em razão da intervenção obrigatória do INPI, e possui efeito erga omnes (com efeito para todos).

A possibilidade de arguição de nulidade de patentes como matéria de defesa no contexto de uma ação de infração, além de evitar custos e aproveitar a uma discussão já em andamento, também evita a propositura de uma ação de nulidade autônoma, permitindo que o juiz reconheça que não há infração apenas com relação ao demandado naqueles autos – uma vez que, caso constatado vício no título, inexiste infração.

Em decisão recente de relatoria do ministro Paulo de Tarso Sanseverino3, a 3ª turma do Superior Tribunal de Justiça, de forma unânime, julgou pela possibilidade de se declarar, incidentalmente, a nulidade de uma patente/desenho industrial, no bojo de uma ação de infração, sem a necessidade de uma ação autônoma, conforme expressamente autorizado pelo art. 56, § 1º da LPI. Ressaltou, inclusive, que a possibilidade de arguição de nulidade de patentes como matéria de defesa configurou uma inovação na Lei de Propriedade Industrial, citando a obra de autoria de Jacques Labrunie para embasar a sua decisão.4

O ministro Sanseverino mencionou, ainda, que a possibilidade de nulidade incidental de patentes de invenção, de modelos de utilidade e desenhos industriais é diversa da situação envolvendo marcas, na qual o STJ já firmou posicionamento consolidado pela impossibilidade de nulidade incidental5. Isso porque, no caso das patentes, a possibilidade da nulidade incidental está expressamente prevista na Lei de Propriedade Industrial, diversamente do que ocorre no caso de marcas registradas, que exige a propositura de uma ação autônoma.

Observa-se que essa recente decisão segue o posicionamento anteriormente manifestado pelo ministro Luis Felipe Salomão em decisão monocrática (proferida com base na súmula 83/STJ), na qual se consignou ser possível a arguição de nulidade como matéria de defesa, e que não há conflito entre os arts. 56, § 1º, e 57, da LPI.

O ministro Salomão pontuou que a ação de nulidade de patente proposta perante a Justiça Federal, com a participação do INPI, teria efeitos ex tunc e eficácia erga omnes; já a declaração incidental de nulidade pelo juízo estadual (que pode se dar sem a participação do INPI), teria efeitos inter partes, “isto é, para fins de atribuir ou eximir eventual responsabilidade naquela relação processual específica, não atingindo quaisquer outras pessoas ou instituições o efeito desse reconhecimento, nem mesmo o próprio INPI”6.

Naquela ocasião, o Ministro também esclareceu que esse entendimento não representava dissídio jurisprudencial em relação a precedentes da 3ª turma abordando a nulidade incidental de marcas7, pois, ao contrário do que ocorre com as patentes, essa possibilidade não é expressamente prevista pela LPI.

Interessante notar que, embora tal decisão monocrática tenha sido confirmada por unanimidade pelo colegiado da 4ª turma8, no ano seguinte, a mesma 3ª turma decidiu, por maioria, no sentido oposto – isto é, aplicou, por analogia, um precedente envolvendo nulidade de marca9 para se reconhecer que a arguição de nulidade de patente seria de competência absoluta da Justiça Federal, o que impedia o seu manejo como matéria de defesa perante a Justiça Estadual10.

Nesse sentido, ao privilegiar a literalidade do art. 56, § 1º, da LPI, a decisão mais recente da 3ª turma representa uma ruptura quanto às conclusões manifestadas em seu precedente anterior, emitido no ano passado. Assim, embora constitua um passo importante na efetividade do 56, § 1º, da LPI, ainda nos parece necessária a promoção de esforços de uniformização para que seja assegurada a necessária segurança jurídica quanto ao tratamento do tema.

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1 “Art. 56. A ação de nulidade poderá ser proposta a qualquer tempo da vigência da patente, pelo INPI ou por qualquer pessoa com legítimo interesse.

§ 1º A nulidade da patente poderá ser argüida, a qualquer tempo, como matéria de defesa.”

2 “Art. 57. A ação de nulidade de patente será ajuizada no foro da Justiça Federal e o INPI, quando não for autor, intervirá no feito.”

3 STJ. Recurso Especial 1.843.507/SP, rel. min. Paulo de Tarso Sanseverino, 3ª turma, j. em 6/10/20.

4 Vide: “Jacques Labrunie ressalta que a possibilidade de arguição de nulidade de patentes como matéria de defesa em ações cíveis configura inovação expressa da Lei n. 9.279/96 (in Direito de Patentes: Condições legais de obtenção e nulidade. Barueri: Editora Manole, 2006, p. 129/131)”.

5 STJ. Recurso Especial 325.158/SP, rel. min. Nancy Andrighi, 3ª turma, j. em 10/8/06.

6 Vide: STJ. REsp 1.522.339/PR. 4ª turma. min. rel. Luis Felipe Salomão, j. 30/6/17.

7 São eles: STJ. REsp 1.281.448/SP. 3ª turma. rel. min. Nancy Andrighi, j.  5/6/14 e REsp 1.132.449/PR. 3ª turma. Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 13/3/12.

8 Cf. AgInt nos EDcl no AgRg no REsp nº 1.522.339/PR. 4ª turma. min. rel. Luis Felipe Salomão, j. 13/12/18.

9 Vide Tema de Recurso Repetitivo 950. REsp n. 1.527.232/SP. 2ª seção. rel. min. Luis Felipe Salomão, j. 13/12/17.

10 Cf. STJ. REsp 1.558.149 – SP. 4ª turma. rel. min. Marco Aurélio Bellizze, j. 26/11/19.

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*Marcos Chucralla Moherdaui Blasi é sócio do escritório Gusmão & Labrunie - Propriedade Intelectual.





*Jaddy Maria Alves Pereira Messias é advogada no escritório Gusmão & Labrunie - Propriedade Intelectual.





*Jessica Satie Ishida é advogada no escritório Gusmão & Labrunie - Propriedade Intelectual.

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