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Urnas eletrônicas: um pouco de sua história

A Justiça Eleitoral foi criada pelo Código Eleitoral de 1932, decreto 21.076/32, com a missão básica de preparar, realizar e apurar as eleições, tornando realidade a vontade popular.

20/11/2020

(Imagem: Arte Migalhas)

I.Palavras iniciais.

No I Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral, realizado em Curitiba, Paraná, sob a coordenação do professor Luís Gustavo Severo, em junho de 2008, aprovou-se moção proposta pelo professor Renê Ariel Dotti, a mim dirigida, no sentido de que não se deixasse perder a história das comissões de juristas, cientistas políticos e técnicos em informática, que convocamos, quando presidimos o TSE, em 1994/1996, que a mídia denominou de “Comissão de Notáveis”, e bem assim de idêntica comissão convocada em 2005, quando voltei a presidir o TSE.

A primeira comissão foi dividida em cinco subcomissões temáticas, (1) Código Eleitoral e Organização da Justiça Eleitoral, (2) Sistema Eleitoral ou de Voto, (3) Partidos Políticos, (4) Campanhas Eleitorais: Financiamento e (5) Informática: Informatização do Voto. Desta última, resultou a urna eletrônica e a sua implantação no processo eleitoral brasileiro, o que ocorreu em 1995/1996, utilizadas, pela primeira vez, nas eleições municipais de 1996. A segunda, também chamada pela mídia de Comissão de Notáveis, convocada em 2005, prestou, igualmente, relevante serviço, o que será visto ao longo deste trabalho.

Muito me honrou a proposição. Fui adiando a incumbência, mas sempre pensando na sua realização. Convidado a escrever para a edição comemorativa dos 70 anos do restabelecimento da Justiça Eleitoral, promovida pela Escola Judiciária Eleitoral do TSE – “Balanço das Eleições de 2014” - achei que chegara a hora de começar a atender à proposição do I Congresso Brasileiro Eleitoral de Curitiba, trazendo a lume um pouco da história das urnas eletrônicas brasileiras, contribuição da Justiça Eleitoral para maior legitimidade das eleições e, em consequência, da democracia representativa que praticamos. O tema foi considerado pertinente pela Revista, dado que a urna eletrônica foi “responsável pelo grande avanço na apuração das eleições no Brasil e consequente rapidez no resultado das eleições de 2014.”

II. As eleições na 1ª República, a criação e a extinção da Justiça Eleitoral

As eleições na 1ª República – 1889/1891 a 1930/1934 – não expressavam a vontade dos eleitores. Elas se faziam a bico de pena, apelidadas de eleições do bicório. Interessante anotar, entretanto -- o que é ressaltado pelos estudiosos do tema -- que, se eram ilegítimas as escolhas por parte dos eleitores, legítimas eram as representações. Os escolhidos eram, de regra, homens preparados, cidadãos respeitados nas suas comunidades.

No bojo do movimento revolucionário de 1930, vinha o anseio de mudança daquele estado de coisas, é dizer, a necessidade de os pleitos eleitorais expressarem a vontade do eleitor. A solução seria, segundo os pais da 2ª República, a judicialização do processo eleitoral, com a criação de uma Justiça especializada capaz de afastar a fraude dos pleitos eleitorais.

Esclareça-se que a judicialização do processo eleitoral vinha sendo ensaiada, há muito. No Império, a Lei Saraiva, Carta de Lei 3.029, de 1881, estabeleceu que o alistamento fosse preparado pela Justiça. E em 1916, a lei 3.139, sancionada pelo presidente Wenceslau Braz, entregou ao Poder Judiciário o preparo do alistamento eleitoral.

A Justiça Eleitoral foi criada pelo Código Eleitoral de 1932, decreto 21.076, de 24/2/32, com a missão básica de preparar, realizar e apurar as eleições, tornando realidade a vontade popular. Cumpria à Justiça Eleitoral, dentre outras, as tarefas de realizar o alistamento, organizar as mesas de votação, apurar os votos e proclamar os eleitos. O Código Eleitoral regulou as eleições federais, estaduais e municipais, introduzindo o voto secreto, o voto das mulheres e o sistema de representação proporcional, em dois turnos simultâneos. Referiu-se aos partidos políticos, mas admitiu a candidatura avulsa. Previu o uso de uma máquina de votar.

Registra Walter Costa Porto que as primeiras eleições realizadas no país, após a criação da Justiça Eleitoral, “as de maio de 1933, para a eleição da Constituinte que elaboraria a Carta de 1934, foram saudadas como “eleições verdadeiras”, em que os candidatos se tranquilizaram com os reconhecimentos, entregues, exclusivamente, à Magistratura.”1

Extinta pela Carta de 1937, que simplesmente dava feição formal à ditadura do Estado Novo de Vargas, convém anotar que nem seria necessária a Justiça Eleitoral no tal Estado Novo, dado que nenhuma eleição se realizou enquanto durou a ditadura de Vargas.

III. A restauração da Justiça Eleitoral.

Restaurada a Justiça Eleitoral pelo decreto 7.586, de 28.05.1945, e reinstalado o Tribunal Superior Eleitoral, uma de suas primeiras decisões, da maior relevância, foi a que investiu a Assembleia, eleita em 02.12.1945, de poderes constituintes originários.  A Lei Constitucional nº 9, de 18.02.45, editada por Vargas, convocara a Assembleia simplesmente para rever e reformar a Carta de 1937.

Em resposta a consultas “formuladas pela Ordem dos Advogados do Brasil e pelo Partido Social Democrático, o Tribunal Superior Eleitoral, pela Resolução 215, declarou que o Parlamento Nacional, que será eleito a 2 de dezembro de 1945, terá poderes constituintes, isto é, apenas sujeito aos limites que ele mesmo prescrever.”2 Assim investido de poderes constituintes originários, o Congresso votou e promulgou a Constituição de 1946, de boa lembrança.

__________

1- Porto, Walter Costa, “Reforma da Legislação Eleitoral – Proposta do TSE,” TSE, Secretaria de Documentação e Informação, Brasília, 1996, p. 9.

2- Porto, Walter Costa, ob. cit. p. 10.

__________

*Carlos Mário da Silva Velloso é ministro aposentado, ex-presidente do Tribunal Superior Eleitoral e do Supremo Tribunal Federal. Professor emérito da Universidade de Brasília (UnB) e da PUC/Minas, em cujas Faculdades de Direito foi professor titular de Direito Constitucional e Teoria Geral do Direito Público. Advogado. Sócio da Advocacia Velloso.

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