Migalhas de Peso

Os avanços e retrocessos do STJ quanto à necessidade de comprovação de feriado local no momento da interposição de recurso

Esse tema, historicamente, sofreu avanços e retrocessos nos tribunais.

13/11/2020

(Imagem: Arte Migalhas)

No julgamento do REsp 1.813.684/SP, o STJ decidiu que, à luz da interpretação conjunta dos arts. 1.003, § 6º e 1.029, § 3º, do CPC, o recorrente tem o ônus de comprovar, no momento da interposição do recurso, a ocorrência de feriado local. A falta de comprovação do feriado nessa oportunidade foi tida, para o Tribunal, como um vício insanável.

Esse tema, historicamente, sofreu avanços e retrocessos nos tribunais.

Durante a maior parte de vigência do CPC/73, a jurisprudência do STJ foi no sentido de que era vedada a comprovação do feriado local em momento posterior ao da interposição do recurso.1

Em 2012, no julgamento do AgRg no AREsp 137.141/SE, a Corte Especial do STJ reviu o entendimento, à luz do que já era aceito pelo STF, para admitir a comprovação posterior do feriado local.2 Não houve, diante daquelas circunstâncias, acertadamente, modulação de efeitos da decisão.

Esse posicionamento perdurou até a entrada em vigor do CPC/15. Com base no art. 1.003, § 6º do CPC/15, a orientação do STF3 e do STJ4 foi novamente alterada, passando a considerar intempestivos os recursos em que não tivesse havido a devida comprovação do feriado local no momento de sua interposição. Com isso, à parte não deve ser dado prazo para regularizar e demonstrar, em momento posterior, a ocorrência de feriado local, não se aplicando, à hipótese, o que determinam os arts. 932, parágrafo único e 139, IX.

Essa segunda ruptura jurisprudencial, que agravou a situação da parte recorrente, violou a confiança legítima dos jurisdicionados e da sociedade, e, justamente por isso, acertadamente, o STJ modulou os efeitos da decisão, estabelecendo que esse entendimento só deveria ser adotado nos recursos interpostos após a publicação do acórdão (18/11/19). Aos recursos interpostos anteriormente a essa data, deveria ser dada nova oportunidade ao recorrente de fazer a comprovação do feriado local.

O acórdão em que foi firmada a tese acima referida transitou em julgado em 10 de dezembro de 2019.

Em 3/2/20, porém, a min. Nancy Andrighi apresentou “questão de ordem” à Corte Especial, para que a modulação se restringisse ao feriado da segunda-feira de carnaval, não alcançando os demais feriados locais (que, originariamente, estavam compreendidos na tese fixada no precedente e se submetiam aos termos da modulação, contando com a possibilidade de comprovação posterior). No mesmo sentido votaram os mins. Francisco Falcão, Laurita Vaz, Maria Thereza de Assis Moura, Benedito Gonçalves, Mauro Campbell e Raul Araújo.

A respeito do desacerto dessa “revisão”, o min. Luis Felipe Salomão, esclareceu, na oportunidade, com razão, que:

“…não se pode admitir, penso eu, que decisão prolatada em sede de questão de ordem possa se sobrepor à tal imutabilidade, desprezando a função primordial do referido instituto de garantir a segurança intrínseca do processo, assegurando a irreversibilidade das posições jurídicas cristalizadas.

Em suma, atribuir ao instrumento da questão de ordem essa peculiar eficácia, inovando tanto em termos legais, quanto regimentais, significaria franquear, a partir de agora, a revisão de toda e qualquer tese fixada em decisão judicial, ainda que transitada em julgado, o que, a nosso ver, representa verdadeira e indevida relativização da coisa julgada que promoverá inegável insegurança jurídica.

No caso em tela, verifica-se que o acórdão transitou em julgado em 10 de dezembro de 2019, consoante certidão de fls. 1357, não podendo mais ser modificado, sobretudo por meio de questão de ordem, sendo certo que, desde então, os órgãos fracionários desta Corte vêm cumprindo o quanto decidido naquela oportunidade”.

A posição defendida pelo min. Salomão, no entanto, ficou vencida.5

Em nosso sentir não está correto o entendimento de que não é possível juntar o comprovante do feriado local após a interposição do recurso. Pensamos que, à luz dos princípios constitucionais expressamente encampados pelo CPC/15, o vício é plenamente sanável. Não se está a sanar a intempestividade do recurso, mas a falta de juntada da prova do feriado local. Discordamos, ainda, da decisão que foi tomada no julgamento da questão de ordem, que tornou ainda mais difícil a situação dos recorrentes, limitando a possibilidade de comprovação posterior, para os recursos interpostos até 18/11/19, apenas para o feriado de segunda-feira de carnaval.

Com a publicação da decisão, seja no momento em que é proferida a sentença em audiência ou proclamado o resultado do acórdão, seja com o ato do escrivão, nos autos físicos ou eletrônicos, o pronunciamento judicial torna-se imutável para o juiz.6 Exceção se faz, apenas, para correção de erro material, vício sobre o qual não recai a coisa julgada. Por isso, a tese fixada no julgamento do REsp 1.813.684/SP não poderia ter sido alterada em julgamento de questão de ordem.

É importante destacar que, embora no REsp 1.813.684/SP a discussão tenha versado sobre a tempestividade de Recurso Especial, o mesmo entendimento tem sido adotado, a nosso ver, equivocadamente, a todo e qualquer recurso.

Os Tribunais de Justiça têm adotado a tese para não conhecer de recurso de Apelação por intempestividade e, com base no art. 1.030, II do CPC/15, negar seguimento a recurso Especial. Assim, a questão tende a transitar em julgado e restará à parte, eventualmente, a via da Ação Rescisória.

Considerou-se intempestivo, por exemplo, o recurso da apelante que deixou de demonstrar que o dia 22/11 (Dia da Consciência Negra) teria sido feriado local na cidade de S. Paulo.

Para o relator daquele caso, “como a recorrente deixou de cumprir o disposto no art. 1.003, § 6º, do CPC, forçoso o reconhecimento da intempestividade do recurso, posto que, sem a comprovação do feriado local não há que se cogitar de dilação do prazo recursal, sendo imperioso o reconhecimento de que o prazo expirou-se 22/11/17 e a consequente intempestividade do recurso interposto em 23/11/17(…). Nesse sentido, precedentes desta E. Corte e do C. STJ”.7

Fica o alerta, então: no momento da interposição de qualquer recurso, a parte tem o ônus de comprovar a ocorrência de feriado local, por meio, por exemplo, de certidão do próprio Tribunal de Justiça ou de decreto municipal, sob pena de ver seu recurso considerado intempestivo.8

_________

1 Confira-se, a título exemplificativo, o seguinte acórdão: STJ, AgRg no Ag 708.460/SP, Corte Especial, rel. Min. Castro Filho, j. 15/3/06.

2 STJ, AgRg no AREsp 137.141/SE, Corte Especial, rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, j. 19/9/12.

3 Houve, inclusive, reclamação julgada improcedente pelo STF em que se pretendia a aplicação do entendimento firmado anteriormente: Rcl 22.021/SP, dec. mono., rel. Min. Edson Fachin, j. 16/12/15. O posicionamento atual do STF, portanto, é o de que a comprovação do feriado local não pode ser feita em momento posterior: “Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Recurso extraordinário. Intempestividade. Feriado local. Comprovação. Necessidade. Precedentes. 1. A parte agravante não observou o prazo de 15 (quinze) dias úteis para a interposição do recurso extraordinário (art. 1.003, § 5º, c/c art. 219, ambos do CPC). 2. A comprovação da ocorrência de feriado local deve se dar no ato de interposição do recurso (art. 1003, § 6º, do CPC). 3. Agravo regimental não provido. 4. Havendo prévia fixação de honorários advocatícios pelas instâncias de origem, seu valor monetário será majorado em 10% (dez por cento) em desfavor da parte recorrente, nos termos do art. 85, § 11, do Código de Processo Civil, observados os limites dos §§ 2º e 3º do referido artigo e a eventual concessão de justiça gratuita”. (STF, ARE 1258094 AgR, rel. Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, j. 27/4/20, DJe 26/5/20).

Há um interessante acórdão em que, a despeito de se ter reconhecido a alteração de jurisprudência, deu-se provimento a Embargos de Declaração para aplicar o entendimento anterior: “EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSO CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO INTEMPESTIVO. FERIADO LOCAL. COMPROVAÇÃO POSTERIOR. ALTERAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. OMISSÃO VERIFICADA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ACOLHIDOS”. (STF, AI 797795, rel. Des. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, j. 14/10/16, DJe 03/11/16).

4 A alteração da orientação no STJ se deu no julgamento do AgInt no AREsp 957.821/MS, Corte Especial, j. 20/11/17, rel. Min. Raul Araújo, Rel. p/ Acórdão Min. Nancy Andrighi, para quem “Assim, a jurisprudência construída pelo STJ à luz do CPC/73 não subsiste ao CPC/15: ou se comprova o feriado local no ato da interposição do respectivo recurso, ou se considera intempestivo o recurso, e, em consequência, opera-se a coisa julgada. Por todo o exposto, não há como aplicar ao vício da intempestividade previsto no parágrafo único do art. 932 do CPC/15”.

5 A AASP, como amicus curiae, interpôs Embargos de Declaração, sob o fundamento de que não teria sido intimada do julgamento da questão de ordem, ocasião em que se restringiram novamente os efeitos da decisão. Com o pedido de vista do Min. Salomão, o julgamento dos Embargos de Declaração foi suspenso.

6 Nesse sentido, esclarece a doutrina clássica: CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil, com notas de Enrico Tullio Liebman e introdução de Alfredo Buzaid. 3ª ed., S. Paulo: Saraiva, 1969, p. 38 e ss.

José Manoel Arruda Alvim, em parecer não publicado e a nós gentilmente cedido, esclarece a diferença entre o momento da formação da sentença e a sua documentação. Segundo o referido doutrinador, “conteúdo e efeitos respectivos de uma sentença somente são suscetíveis de serem conhecidos quando a sentença é publicada, seja pela publicação propriamente dita através de jornal ou pela imprensa, seja pela publicidade que a ela se dá em cartório, quando o juiz devolve o processo com a sentença, antes mesmo da publicidade pela imprensa, ou pela intimação às partes. A partir da lavratura e da assinatura da sentença, e desde a sua entrega em cartório, o seu conteúdo e efeitos são conhecidos e é ela inalterável em sua substância, salvo erros materiais ou por embargos de declaração, em estreito âmbito. Há, portanto, identidade cronológica, entre o conhecimento do ato decisório e sua publicidade; é a publicidade que revela o conteúdo do ato sentencial, que é escrito. (…) Já, diferentemente, se passa com a decisão de Tribunal. A decisão, propriamente dita, não nasce do acórdão, senão que ela emerge inteira e exaurientemente do ato coletivo de julgamento. O resultado do julgamento passa a ser conhecido na sessão de julgamento, em que o recurso tenha sido julgado, onde o relator e revisor lêem os seus votos e o terceiro juiz, igualmente, vota. O que se lhe segue diz respeito, única e exclusivamente, à publicidade ulterior à sessão (porque ao julgamento se haverá de ter dado prévia publicidade); o que se segue à sessão de julgamento diz respeito, apenas e tão-somente, à documentação do que foi decidido. Por isto, parece ressaltar evidente que os efeitos do julgamento nascem e se exaurem no momento em que se realiza e termina o julgamento. O que se segue, como se disse, é mera e estrita documentação”.

Consulte-se ainda interessante artigo escrito por Teresa Arruda Alvim. O momento da eficácia de um precedente. Disponível também nesse Migalhas: clique aqui. Acesso em: 10/11/20.

7 “SEGURO OBRIGATÓRIO. AÇÃO DE COBRANÇA JULGADA IMPROCEDENTE. RECURSO DE APELAÇÃO. HIPÓTESE EM QUE A APELANTE NÃO COMPROVOU NO ATO DA INTERPOSIÇÃO DO RECURSO, PARA FINS DE DILAÇÃO DO PRAZO RECURSAL, A OCORRÊNCIA DE FERIADO LOCAL. DESCUMPRIMENTO DO DISPOSTO NO ART. 1.003, § 6º, DO CPC. INTEMPESTIVIDADE RECONHECIDA. PRECEDENTES DESTA E. CORTE E DO C. STJ. PREJUDICADA A ANÁLISE DO AGRAVO RETIDO. Recurso de apelação e agravo retido não conhecidos, com determinação”. (TJ/SP, Apelação Cível 1013446-59.2014.8.26.0100, rel. Des. Cristina Zucchi, 34ª Câmara de Direito Privado, j. 20/3/18, DJe 20/3/18). No mesmo sentido, mais recentemente: “AGRAVO INTERNO. Decisão monocrática que não conheceu do recurso de apelação, ante sua intempestividade. Existência de feriado local para fins de aferição da tempestividade que deve ser comprovada no ato de interposição do recurso, conforme expressa previsão do art. 1.003, § 6º do CPC/15. Precedentes do C. STJ. Recurso a que se nega provimento”. (TJ/SP, Agravo Interno Cível 1006143-78.2017.8.26.0038, rel. Des. Maurício Campos da Silva Velho, 4ª Câmara de Direito Privado, j. 15/1/20, DJe 15/1/20); “RECURSO - Agravo interno - Interposição contra decisão monocrática que negou seguimento ao agravo de instrumento, por ser intempestivo - Decisão fundamentada e em conformidade com o art. 1.003, 6º do CPC - Falta de comprovação da ocorrência de feriado local quando da interposição do agravo de instrumento – Manutenção da decisão que negou seguimento ao recurso - Agravo interno desprovido”. (TJ/SP, Agravo Interno Cível 2148225-30.2020.8.26.0000, rel. Des. Álvaro Torres Júnior, 20ª Câmara de Direito Privado, j. 23/10/20, DJe 23/10/20).

É nesse sentido, também, a jurisprudência do TJPR. Vejam-se os seguintes julgados: “nos termos do art. 1003, § 6º do Código de Processo Civil é ônus do recorrente comprovar a ocorrência de feriado local, o que impossibilita, no ato de interposição do recurso portanto, a regularização em momento posterior”. EDcl no AI 0002254-27.2020.8.16.0000, dec. mono., rel. Des. Francisco Oliveira, j. 21/2/20, DJe 21/2/20; “AGRAVO DE INSTRUMENTO. FERIADO LOCAL. NÃO COMPROVAÇÃO. AFRONTA AO ART. 1.003, § 6º DO CPC. VÍCIO INSANÁVEL. PRECEDENTES DO MANIFESTA INADMISSIBILIDADE RECURSAL. STJ E DESTA CORTE. 

REVOGAÇÃO DA LIMINAR CONCEDIDA. RECURSO NÃO CONHECIDO. (TJ/PR, 0041485-95.2019.8.16.0000, 8ª Câmara Cível, rel. Des. Marco Antonio Antoniassi - J. 02/12/19); “AGRAVO INTERNO. DECISÃO QUE NEGOU CONHECIMENTO AO RECURSO EM RAZÃO DE MANIFESTA INTEMPESTIVIDADE. FERIADO LOCAL. NÃO COMPROVAÇÃO NO ATO DE INTERPOSIÇÃO DO RECURSO. VÍCIO INSANÁVEL. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DOS ARTIGOS 932, PARÁGRAFO ÚNICO. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. AGRAVO INTERNO CONHECIDO E NÃO PROVIDO”. (TJ/PR, 0006044-31.2018.8.16.0148, 14ª Câmara Cível, rel. Des. Juíza Fabiane Pieruccini, j. 11/11/19).

Veja-se, ainda, orientação firmada pelo TJMG: “AGRAVO INTERNO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAS - PRAZO RECURSAL - INOBSERVÂNCIA - FERIADO LOCAL - COMPROVAÇÃO POSTERIOR - IMPOSSIBILIDADE - RECURSO - INTEMPESTIVIDADE. - Cabe ao recorrente a observância dos prazos processuais, sob pena de seu recurso não ser conhecido na instância ad quem, por intempestividade. - Embora seja possível correção de vícios processuais não graves, pela regra taxativa do art. 1.013, § 6º do CPC, a prova de feriado local deve ser feita no ato da interposição do recurso, sem possibilidade de comprovação posterior. Precedente da Corte Especial do STJ”. (TJMG, Agravo Interno Cv 1.0000.19.036167-5/002, rel. Des. Ramom Tácio, 16ª Câmara Cível, j. 12/2/20, DJe 13/2/20).

8 Importante destacar que o tema da comprovação dos feriados locais é objeto de análise pelo STJ em outro recurso. No dia 10/3/20, o Agravo Interno no REsp 1.481.810/SP, de relatoria do Min. Luis Felipe Salomão, foi afetado para julgamento pela Corte Especial. No caso, o Recurso Especial não foi conhecido porque o recorrente não teria comprovado, no ato de interposição do recurso, o feriado local de fundação da Cidade de S. Paulo (25 de janeiro).

Espera-se que, nessa nova oportunidade, o STJ reveja seu entendimento e passe a prestigiar os princípios da instrumentalidade e sanabilidade dos vícios processuais, permitindo a sua regularização.

_________

*Maria Lúcia Lins Conceição é doutora e mestra em Direito pela PUC/SP. Especialista em Didática de Ensino Superior pela PUC/PR. Membro da AASP - Associação dos Advogados de São Paulo. Advogada sócia do escritório Arruda Alvim, Aragão, Lins & Sato Advogados.




*João Ricardo Camargo é advogado no escritório Arruda Alvim, Aragão, Lins & Sato Advogados. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Paraná.

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