Há setenta e cinco anos a ordem global foi reorganizada a partir da criação da Organização das Nações Unidas (ONU), substituindo apropriadamente o órgão internacional prévio desenvolvido no fim da I Guerra Mundial com vistas a impedir um novo conflito de larga escala. O resultado daquela instituição, qual seja, a Liga das Nações, foi fracassado, como sabemos e teve um curtíssimo período de existência podemos dizer, apenas vinte e um anos.
De outro lado, estamos vivenciando um difícil ano, quase como uma lembrança do que pode ser o conceito de uma guerra ou de um revival de uma epidemia medieval, porém com mais tecnologia e disponibilidade global de conhecimento e, com tudo isso em mente, temos um sentimento de que ainda estamos mais seguros do que nos últimos séculos.
A ONU no mês de setembro se reuniu em Assembleia Geral para relembrar os seus setenta e cinco anos, o Brasil, como típico da nossa tradição diplomática, abriu os discursos daquela Assembleia1, em que pese a incapacidade presencial de estarem reunidos os chefes de Estado dos países-membros em uma data solene, mas que sanitariamente se encontra parcialmente inviabilizada. Da existência da Organização das Nações Unidas somos beneficiários diretos ou indiretos, ainda que críticas devam ser feitas, não seria possível imaginar o mundo atual sem a presença e utilidade da ONU e das suas instituições vinculadas como a Organização Mundial da Saúde ou outras organizações internacionais não correlacionadas, mas de alcance também global como a Organização Mundial do Comércio, a OMC, ou a esquecida, porém não menos importante Agência Internacional de Energia Atômica – AIEA.
Quanto ao papel do Brasil inserto nessas instituições internacionais e a vida dos seus cidadãos não se deve imaginar uma incoerência, mas uma complementariedade sempre necessária, como pudemos explanar em outros artigos citados neste portal acerca da Mediação no Processo Civil2 ou a essencial lei de combate à violência de gênero, Lei Maria da Penha3.
O estudo do Direito Internacional e do Direito Comparado são fundamentais para a crítica acadêmica e profissional do jurista, contudo também estão cada vez mais correlacionado ao exercício das mais variadas ciências como a Medicina, em especial quando se fala em Saúde Pública, ou da atividade da Aviação Civil a partir das regras da Aviação Internacional celebradas junto à Organização da Aviação Civil Internacional (OACI) e podem ser encontradas não apenas na legislação esparsa, como na lei fundamental, a Constituição Federal de 1988, o que possibilita uma compreensão alargada das vontades do país e do povo indiretamente reunido na Assembleia Constituinte de 1988 e que positivou desejos pelo desenvolvimento nacional e a independência nacional através da Defesa.
Quando vemos na imprensa a crítica feita aos sucessivos governos pela questão orçamentária em relação ao Ministério da Defesa, pouco se diz ou nada se diz sobre a importância da economicidade em parceria com o desenvolvimento nacional. Devemos nos atentar que o desenvolvimento nacional, queira ou não, deve ser grato a alguns dos maiores projetos do país em conjunto às Forças Armadas Brasileiras, basta estudarmos o projeto da siderúrgica nacional e a criação da Embraer.
Entre os princípios fundamentais da República Federativa do Brasil, o artigo 1º, inciso I, prevê a soberania, bem como a dignidade da pessoa humana, entretanto, é no artigo 3º da nossa lei maior que encontramos o céu em que o país mira sobrevoar sem maiores turbulências:
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. (grifo nosso).
Na construção de relações internacionais que sejam apropriadas ao país sob a ótica do interesse nacional e constitucionalizada em 1988, prossegue o texto:
Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:
I - independência nacional;
II - prevalência dos direitos humanos;
III - autodeterminação dos povos;
IV - não-intervenção;
V - igualdade entre os Estados;
VI - defesa da paz;
VII - solução pacífica dos conflitos;
VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo;
IX - cooperação entre os povos para o progresso da humanidade;
X - concessão de asilo político. (grifo nosso).
A partir da leitura dos artigos propedêuticos da Constituição já podemos concluir qual via o país deve buscar trilhar. A paz e o desenvolvimento nacional são fundamentais para a nossa existência como grande país do Hemisfério Sul, isso é inegável quando reconhecemos nossas dimensões e história.
De outro lado, contudo, o Brasil hoje se encontra em circunstâncias ainda mais desafiadoras ao seu propósito de desenvolvimento, não falamos aqui das questões endógenas, mas dos desafios resultantes da política financeira internacional e do Direito Internacional, como as regras a que estamos vinculados pelos acordos no seio da Organização Mundial do Comércio inter alia, i.e. a proibição de criação de barreiras comerciais que não sejam permitidas pela legislação internacional.
Explicamos, porém, que segundo o Acordo Geral de Tarifas e Comércio de 1994 (GATT), em seu artigo XXI, existe a previsão de excetuar as regras desse acordo internacional afastando o livre-comércio e elevando ou criando barreiras comerciais a outros países quando for imperativo à segurança nacional do país que se declarar em risco ou que possa ser prejudicado pela entrada de produtos ou itens que possam afetar sua Defesa e Segurança, alegação já utilizada por outras potências para assegurar seu mercado interno, violando o próprio acordo e não observando a mens legis.
Podemos pensar no acordo offset com a Suécia pela compra de caças da Força Aérea e cairmos no equívoco de pensar no “custo” de tal parceria e se realmente indispensável ao país, o que, conforme especialistas em Defesa, já era mais que necessário em consideração às dimensões e riquezas do país. O acordo de transferência de tecnologia no caso em tela não sofre dos óbices tradicionais que um país em desenvolvimento costuma sofrer na aquisição de equipamentos, concorrência ou outras variáveis já que é considerado compra governamental, estando protegido pelas regras da OMC, como pudemos dissertar em breve artigo sobre o tema4.
Todavia, duas questões de cunho constitucional entram no debate, a independência nacional e o desenvolvimento nacional, respectivamente princípio nas relações internacionais e objetivo fundamental da República.
Não há que se falar em rearmamento do país ou coisa que o valha, e sim da aquisição de instrumentos dissuasórios à luz da Estratégia Nacional de Defesa do país publicada em 2008 e que vincula o Desenvolvimento à Defesa do país. Sobre o assunto e citando a aquisição dos caças suecos o ministro da Defesa do Brasil à época, Celso Amorim, disse:
“Forças Armadas bem aparelhadas e adestradas minimizam a possibilidade de agressões, permitindo que a política de defesa contribua decisivamente com a política externa voltada para a paz e o desenvolvimento”5 (Grifo nosso).
Estamos falando da compra, treinamento e desenvolvimento de equipamentos para todas as Forças Armadas, não podendo nos esquecer do desenvolvimento dos submarinos à propulsão nuclear que estão sendo desenvolvidos com auxílio da França no programa Pro-Sub, além de outros programas do Ministério da Defesa inseridos em uma política de Estado, não de governo. Na maior parte dos grandes projetos se encontra o essencial: formação de pessoal e apropriação de tecnologia para o país.
O que para alguns soa supérfluo ou desconectado da realidade do país nos dias atuais pode ser mais iluminado pela comparação com o que foi realizado durante a segunda metade do século XX, em que após a aquisição de equipamentos dos EUA durante a II Guerra, o Brasil continuou a perseguir o desenvolvimento pela nacionalização da segurança com projetos como o Acordo Nuclear com a Alemanha em 1975 e a elaboração de uma política comercial de exportação de material bélico brasileiro, o que possibilitou ao país saldos na balança comercial e a mitigação dos efeitos da crise do petróleo no fim dos anos 1970, como apontam Cervo e Bueno6.
Assim, pelos investimentos em Defesa Nacional, o país possibilita sob este viés de características peculiares, alcançar seu desenvolvimento nacional, o que não o desobriga a investir em outras áreas ou colocar de lado os investimentos prioritários em Educação, já que inviável pensar em tecnologia, indústria, segurança coletiva sem a mão de obra nacional imprescindível para alcançar tais objetivos de paz e desenvolvimento.
Aos juristas também é desejável a compreensão sobre o tema em razão das discussões não apenas de Direito Internacional, naturalmente afeitas aos profissionais de Estado, mas em complemento e principalmente na atuação direta nos mais variados campos como do Direito Administrativo, em que falamos sobre licitações e contratos ou mesmo em matéria de Responsabilidade Objetiva do Estado, além do Comércio Exterior, pela compra e venda desses materiais e as implicações comerciais e tributárias.
O objetivo: o desenvolvimento nacional, um direito constitucional, também reconhecido pelo Direito Internacional.
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1 As tratativas que resultaram na escolha do Brasil como país a abrir a Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas como primeiro orador estão relatadas no livro de nossa autoria. Ver “O G-4 e a Reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas: O Brasil na ONU”, p. 46
2 Ver Mediação e conciliação para as próximas civilizações. Migalhas, 2020. Disponível clicando aqui. Acesso em: 23 out. 2020.
3 Ver 14 anos de proteção à mulher: o Direito que acolhe. Migalhas, 2020. Disponível clicando aqui. Acesso em: 23 out. 2020.
4 A Transferência de Tecnologia da Força Aérea Brasileira: Compra Governamental Internacional. Disponível clicando aqui. Acesso em: 23 out. 2020.
5 Ver A grande estratégia do Brasil: discursos, artigos e entrevistas da gestão no Ministério da Defesa (2011-2014). p. 38.
6 História da Política Exterior do Brasil, p. 434.
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AMORIM, Celso. A grande estratégia do Brasil: discursos, artigos e entrevistas da gestão no Ministéio da Defesa (2011-2014). Brasília: FUNAG, 2016.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 1988.
CERVO, Amado Luiz; Bueno, Clodoaldo. História da Política Exterior do Brasil. 4ª. Ed. Revista e ampliada, Brasília: UnB, 2011.
DIAS, Thiago dos Santos. O G-4 e a Reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas: O Brasil na ONU. São Paulo: Publicação Independente pela @Amazon, 2019.
________________. A Transferência de Tecnologia da Força Aérea Brasileira: Compra Governamental Internacional. Disponível clicando aqui. Acesso em: 23 out. 2020
DIAS, Thiago dos Santos; JOSE, Rose. Mediação e conciliação para as próximas civilizações. Migalhas, 2020. Disponível clicando aqui. Acesso em: 23 out. 2020.
DIAS, Thiago dos Santos; RIBEIRO, Isaque. 14 anos de proteção à mulher: o Direito que acolhe. Migalhas, 2020. Disponível clicando aqui. Acesso em: 23 out. 2020.
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