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STJ pacificará entendimento acerca da vigência das patentes mailbox

As patentes mailbox são aquelas cujos pedidos foram depositados de acordo com o regime de transição da legislação de propriedade industrial no Brasil.

4/11/2020

(Imagem: Arte Migalhas)

Em acórdão publicado em 30 de setembro de 2020, de relatoria da ministra Maria Isabel Gallotti, no âmbito do Recurso Especial 1.869.959, o Superior Tribunal de Justiça determinou que sejam suspensas todas as ações que versem sobre a fixação do prazo de vigência e do termo inicial de contagem da proteção das chamadas patentes mailbox. A determinação se deu em razão da afetação do recurso como Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas – IRDR.

Em decisão ainda mais recente, de 21 de outubro de 2020, a ministra relatora ainda concedeu a tutela provisória requerida pela requerente, a fim de suspender todas as decisões das instâncias inferiores que houvessem reduzido o prazo de vigência das patentes mailbox, a partir do mesmo fundamento utilizado no caso em referência.

As patentes mailbox são aquelas cujos pedidos foram depositados de acordo com o regime de transição da legislação de propriedade industrial no Brasil previsto no artigo 229, parágrafo único, da lei 9.279/96 (“Lei de Propriedade Industrial”), com redação dada pela lei 10.196, de 20011, na medida em que o código anterior não previa a proteção patentária a invenções farmacêuticas e aquelas resultado de processos químicos e seus respectivos produtos.

Importante relembrar que a Lei da Propriedade Industrial foi promulgada pouco depois do ingresso do país na Organização Mundial do Comércio (OMC) e da consequente ratificação do Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (o chamado Acordo Trips, na sigla em inglês), que passou a regular os padrões internacionais mínimos relativos a direitos de propriedade intelectual a partir de janeiro de 1995. Entretanto, a redação original do art. 229 não fazia qualquer distinção quanto às datas de depósito das patentes relativas a matérias anteriormente não protegidas, simplesmente remetendo sua disciplina às disposições específicas previstas nos artigos subsequentes (arts. 230 e 231).

Alguns anos depois, contudo, a Lei da Propriedade Industrial foi alterada para estabelecer que os depósitos de pedidos de patente realizados entre 1º de janeiro de 1995 (data de início da vigência do Acordo Trips) e 14 de maio de 1997 teriam tratamento especial, nos termos do novo parágrafo único do artigo 229, “assegurando-se a proteção a partir da data da concessão da patente, pelo prazo remanescente a contar do dia do depósito no Brasil, limitado ao prazo previsto no caput do art. 40”. Tais patentes receberam o nome pela doutrina de “mailbox”, do inglês “caixa de correio”, já que os depósitos de patentes dessa ordem ficariam aguardando no “correio” do INPI até a data de início da vigência da maioria das disposições da nova legislação, ocorrida em 14 de maio de 1997 (1 ano após sua publicação – v. art. 243 da lei).

Ocorre que, desde o início, o período de vigência de patentes mailbox desencadeou uma enorme controvérsia. Isso porque, embora o parágrafo único do artigo 229 acima mencionado estabeleça o prazo de vigência de 20 anos contados da data do depósito do pedido de patente de invenção (e 15 anos para as patentes de modelo de utilidade), o regime geral previsto no artigo 40, parágrafo único, da Lei de Propriedade Industrial, disciplina também um prazo mínimo de 10 anos a partir da data de concessão da patente (e 7 anos para as patentes de modelo de utilidade), além do prazo de 20 anos contados a partir do depósito do pedido.

Durante anos, o INPI considerou que se aplicaria o regime geral às patentes mailbox, assegurando a elas o prazo mínimo de dez anos de validade contados a partir da data de concessão, a despeito do regime especial previsto no artigo 229. Contudo, a autarquia alterou subitamente seu entendimento, passando a afastar o mencionado prazo mínimo contado a partir da data de concessão – muito embora, vale dizer, muitos pedidos de patentes levassem, à época, entre 10 e 15 anos para ser examinados pela autarquia – o que, na prática, reduziria o período de efetiva proteção ao titular a poucos anos até que fosse alçado o vigésimo aniversário da data de depósito do pedido.

 Em razão da mudança de entendimento pelo INPI, o tema referente ao prazo de vigência das patentes mailbox foi objeto de diversas ações de nulidade perante a Justiça Federal. Diante desse cenário, e a fim de pacificar entendimento sobre o tema que se tornara corriqueiro, o Tribunal Regional Federal da 2ª região, em 27/6/19, julgou o recurso de apelação 0014410-75.2017.4.02.0000 como Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas – IRDR, oportunidade em que firmou o seguinte entendimento:

O parágrafo único do artigo 40 da Lei n° 9.279/96 (Lei de Propriedade Industrial - LPI) não se aplica às patentes "mailbox", diante da limitação estabelecida pelo artigo 229, parágrafo único, da mesma lei, devendo ser aplicado o prazo de vigência máximo de 20 anos da data do depósito, nos termos do artigo 40, caput, da mesma lei.”

Tendo a questão chegado algumas vezes ao Superior Tribunal de Justiça, a Segunda Seção, finalmente reconhecendo a afetação do recurso como representativo de IRDR, determinou a suspensão de todas as ações de nulidade de patentes mailbox em território nacional até que o incidente seja julgado e a questão, pacificada. A relatora, ministra Maria Isabel Gallotti, destacou, inclusive, que o tema é capaz de gerar relevantes reflexos econômicos e de interesse público em relação à produção, à comercialização e ao investimento em pesquisa de medicamentos, defensivos agrícolas e demais produtos químicos.

Em seguida, em apreciação de pedido de tutela de urgência postulado pela recorrente, a ministra relatora determinou a suspensão dos efeitos de todas as decisões de primeiro e segundo graus que tenham aplicado a tese repetitiva firmada pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Como fundamento, além dos já mencionados reflexos econômicos e de interesse público gerados pela matéria, ressaltou que (I) o próprio INPI aplicava entendimento oposto em relação aos prazos das patentes mailbox até o ajuizamento das ações de nulidade sobre o tema; e (II) a aplicação imediata do entendimento exarado pelo Tribunal a quo retiraria a validade das patentes até então vigentes, as quais, no entanto, não teriam os prazos “devolvidos” caso o Superior Tribunal de Justiça reformasse tal posicionamento.

O enfrentamento dessa questão pelo STJ é bastante relevante para o sistema de patentes no Brasil e crucial para pacificar, de uma vez por todas, a principal controvérsia em torno das patentes mailbox. Por essa razão, o assunto continuará a ser acompanhado de perto pelos titulares de patentes mailbox e por todos aqueles que lidam com o sistema de patentes no Brasil.

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1 Art. 229 (...) Parágrafo único. Aos pedidos relativos a produtos farmacêuticos e produtos químicos para a agricultura, que tenham sido depositados entre 1o de janeiro de 1995 e 14 de maio de 1997, aplicam-se os critérios de patenteabilidade desta Lei, na data efetiva do depósito do pedido no Brasil ou da prioridade, se houver, assegurando-se a proteção a partir da data da concessão da patente, pelo prazo remanescente a contar do dia do depósito no Brasil, limitado ao prazo previsto no caput do art. 40.

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*Marcos Chucralla Moherdaui Blasi é sócio do escritório Gusmão & Labrunie - Propriedade Intelectual.





*Henrique Cazerta de Godoy Bueno é advogado do escritório Gusmão & Labrunie - Propriedade Intelectual.





*Natália Romano de Jesus é colaboradora do escritório Gusmão & Labrunie - Propriedade Intelectual.

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