A maior parte das agressões e coações físicas contra crianças e adolescentes não deixam vestígios dos atos praticados pelo agressor, e a prova fica prejudicada pela ausência da materialidade.
Em geral as agressões físicas são somadas à violência psicológica recorrentes do padrão comportamental do agressor, que formam uma atmosfera de temor constante na vida das crianças e adolescentes.
Quando as crianças e adolescentes relatam as agressões sofridas (geralmente por um genitor, sendo que a criança vai contar ao outro genitor não agressor ou a um parente próximo), isso poucas vezes vai surtir resultado processual protetivo.
A palavra da vítima se apresenta como uma das poucas provas possíveis ao processo (em geral são ações que envolvem guarda e visitas em relação aos filhos, e a agressão é um complicador ou catalizador das discussões).
Os atos de violência são praticados de maneira limítrofe, ou seja, há dúvidas se se trata de repreensão ou agressão.
Além dos limites tênues, que devem ser analisados em um contexto global em conjunto com o perfil agressivo e padrão comportamental da vítima, as agressões às crianças ocorrem geralmente às escondidas, em ambientes familiares ou privados.
Sendo assim, poucas vezes tem a presença de alguém, e há quando terceiros, na maior parte das vezes aqueles que presenciam não podem ser testemunhas conforme os critérios processuais.
Sendo assim, seja pela parcialidade ou intimidade com o agressor, o depoimento daqueles que presenciaram valem simples informação ao juízo. Aqui se incluem os familiares e amigos íntimos do agressor.
Além dessas razões que levam à dificuldade em reportar com provas a ocorrência da violência infantil, conjuga-se a falta de compreensão da criança sobre o ato e a representação da figura do agressor na vida da criança, que confunde a atitude do agressor com uma simples repreensão mais enérgica.
A representatividade da figura do agressor conjuga-se a coerção que oferece à vítima, constantemente, já que, em geral, faz parte de sua rotina, e exerce poder familiar sobre a criança.
Os profissionais que recebem as crianças e adolescentes, em já se deparam com a barreira do temor da vítima em relação a futuras represálias ou a culpa que deriva de sua dor psíquica em crer que falhou, e que de alguma forma poderia ter evitado a situação.
Além do sofrimento pela violação de sua integridade, a criança e o adolescente vitimados enfrentam a falta de proteção das autoridades, da família e da sociedade, seja por uma visão por vezes distorcida, desinformada ou pautadas na ausência de vestígios das agressões.
Influenciados pelo descrédito, as vítimas passam a achar que fantasiam os fatos relativos à ocorrência das agressões e acabam distorcendo, minimizando ou omitindo das autoridades. Para que isso não ocorra, a preparação dos profissionais que trabalham com esse tema, é imprescindível para a identificação dos fatos, convicção dos juízos e proteção integral da vítima.
Toda suscetibilidade a essas influências, que se conjugam ao abalo emocional sofrido pelos menores quando são vítimas de agressões, somados à falta de vestígios materiais, ou pobreza testemunhal, colocam os relatos das crianças e dos adolescentes em questionamentos, inclusive por parte dos julgadores ou inquiridores.
O descrédito no depoimento dessas vítimas é extremamente prejudicial na busca da verdade real, pois na maior parte das vezes a única prova que existe é o depoimento das crianças e adolescentes.
Além do descrédito, é também verdade que há uma resistência exageradamente burocrática para que ela seja ouvida.
A atuação enérgica de profissionais qualificados, o que engloba profissionais juristas, psicólogos o conselho tutelar, capazes de proporcionar segurança à criança fazem toda a diferença para que tenhamos o seu melhor interesse resguardado.
Muitas vezes, por traumas, há a descoberta da verdade é relativa quanto ao que se passa. E essa verdade relativa pode ser para menos ou para mais, em um nível de gravidade da agressão. Porém, em geral, tanto a criança, quanto o genitor (não agressor), acreditam inicialmente que os atos agressivos fazem parte de um poder familiar, educativo e hierárquico.
O fato é, que se deve buscar da verdade real, e isso permite ao juiz ordenar a produção antecipada de provas urgentes e relevantes, bem como determinar a realização de diligências.
Apesar de todas especificidades e gravidade dos casos, não existe previsão legal exclusiva para a oitiva das crianças e adolescentes, restando aos juízes e promotores a utilização do mesmo procedimento de tomada de depoimentos de adultos.
Por essa razão, quando se trata de processos que envolvem menores, o preparo dos profissionais é imprescindível, considerando que os adultos que presenciam os fatos geralmente são da família ou amigos íntimos, e estão sugestionados (quiçá mau intencionados) ou não possuem o discernimento da gravidade, por estarem envolvidos emocionalmente com fato.
Tanto para as crianças e adolescentes que são mais maduras e entendem a gravidade das agressões em um contexto social, e que analisam as consequências dos atos, entendem que há reflexos jurídicos, quanto para crianças àquelas que apenas veem o evento agressivo, o evento é traumático e traz graves consequências.
No que se refere as vítimas mais maduras, essas passam a viver um desgaste mental enorme, pois acabam se culpando, achando que podiam evitar a agressão e não foram capazes, entendem os riscos e a ausência de provas, e seus relatos podem vir cheios de ponderações e juízos de valor, por conta das análises de consequências para o contexto.
Sem dúvida, há urgência na conscientização e preparo dos profissionais que atendem situações que expõem as crianças a riscos, reforçando que as agressões não nunca são normais, nada justifica que ocorram e que a culpa é do agressor. A abordagem dos menores de maneira inadequada e despreparada acaba por incutir um sentimento de culpa na vítima, fazendo com silenciem ou fantasiem sobre os fatos.
Negligências e descasos com qualquer sinal de agressão podem causar danos extremamente graves e por essa razão, é imprescindível a intervenção multidisciplinar, protetora e terapêutica, e profissionais qualificados que propiciem a produção de provas de qualidade, favorecendo o processo, a proteção e o poder do estado em zelar pela proteção integral e melhor interesse das crianças.
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CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2005.
CÉZAR, José Antônio Daltoé. Depoimento sem dano: uma alternativa para inquirir crianças e adolescentes nos processos judiciais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.
Depoimento sem dano: ouvindo a criança de forma a evitar mais traumas. Ministério Público do Estado do Espírito Santo, 2008. Disponível aqui. Acesso em: 28 de outubro de 2020.
SOUZA, Jadir Cirqueira de. Depoimento Especial de Crianças e Adolescentes no Sistema de Justiça. São Paulo: Pillares, 2018.
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*Martina Catini Trombeta é advogada sócia da Catini Trombeta. Pós-graduada em Direitos Humanos pela Universidade de Coimbra/PT, Ius Gentium Conimbrigae e em Direito Previdenciário pela FACAB - Universidade Casa Branca.