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Código de Defesa do Consumidor comemora seu 30º aniversário em meio a pandemia que alterou grande parte da relação consumerista

Legislação que regulamenta as relações de consumo faz seu 30º aniversário com a relativização de diversas situações que, em detrimento do momento pandêmico, se tornaram necessárias para manutenção de setores da economia.

29/10/2020

(Imagem: Arte Migalhas)

Considerada uma das contribuições legislativas mais importantes dos últimos tempos, o Código de Defesa do Consumidor1 acaba de comemorar 30 anos destinados, notadamente, a equilibrar as relações de consumo, as quais sempre foram objeto de crítica pela imponente prevalência cognitiva dos fornecedores em detrimento dos consumidores.

Por meio da dita legislação, o Poder Judiciário pode, enfim, analisar as relações consumeristas sob a ótica da equidade processual, fazendo com que as partes pudessem, à sua medida, serem encaradas como tecnicamente iguais na defesa de seus respectivos direitos, seja na constituição ou no impedimento do provimento jurisdicional.

Todavia, há de se considerar que durante todo este tempo, em que a defesa do consumidor se demonstrou de grande contribuição no mundo jurídico, nenhuma situação trouxe tantas relativizações ao universo jurídico quanto a pandemia do coronavírus.

Diante de um cenário agonizante para diversos setores do comércio, em que se viu a estagnação de atividades intimamente atreladas ao ato negocial presencial, o Governo Federal se viu compelido a contingenciar direitos consumeristas e adotar estratégias que deem fôlego à economia.

Dentre elas, a mudança mais significativa se fez mediante a promulgação da lei 14.0102, que dispôs sobre o chamado Regime Jurídico Emergencial e Transitório (“RJET”). Referida legislação determina a relativização de algumas situações jurídicas que, em detrimento do momento pandêmico, causariam o desequilíbrio da relação imposta para alguma das partes, como entendeu-se ser o caso do art. 49 do CDC3.

O “RJET” impôs a suspensão da aplicação do chamado “direito de arrependimento” para entregas em domicílio (delivery) de produtos perecíveis ou de consumo imediato e de medicamentos, determinando ainda que a suspensão fosse mantida, a priori, até 31 de outubro do ano corrente.

Mas não foi só. Dois dos mercados mais afetados durante o surto pandêmico ganharam uma sobrevida do Governo Federal: o setor da aviação civil e o setor de eventos.

Mediante a promulgação da lei 14.0344, que passou a vigorar no mês de agosto, a malha aérea brasileira ganhou prazo dilatado de até 12 (doze) meses para que proceda ao reembolso dos valores tidos com a aquisição de passagens aéreas até o último dia do ano corrente.

Já a lei 14.0465, também em vigor desde o fim do mês de agosto, possibilitou ao prestador de serviços a isenção de reembolso ao consumidor em relação a eventos culturais entre os meses de março/20 a setembro/21, desde que assegurada a remarcação do serviço e a disponibilização do crédito para uso em compra da mesma empresa.

À frente de todas as legislações supracitadas, parte da doutrina argumenta que o Código de Defesa do Consumidor deveria ser detidamente analisado e aplicado, porquanto possui previsão expressa de revisão de cláusulas contratuais em detrimento de situações supervenientes que tornem a relação demasiadamente onerosa6.

Contudo, é importante salientar que o exercício de relativização de algumas normas é medida necessária em meio a uma das maiores crises sofridas pelo nosso país, a fim de que se preserve, de maneira excepcional, a possibilidade de giro do capital mediante uma relação consumerista sadia, ainda que para isto, esteja ocorrendo uma excepcional alteração na dinâmica jurídica.

Decerto, em toda a sua história, o Código de Defesa de Consumidor nunca enfrentou tantos desafios para demonstrar a sua força no mundo jurídico, cabendo ao legislador e ao operador do direito uma análise aprofundada do regime jurídico emergencial à luz das normas protetivas ao consumidor, tornando ambos em institutos complementares, e não, excludentes entre si.,

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1 Disponível clicando aqui

2 Disponível clicando aqui

3 “Art. 49 do CDC - O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.”

4 Disponível clicando aqui

5 Disponível clicando aqui

6 “Art. 6º do CDC - São direitos básicos do consumidor: (...) V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;”

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*Guilherme Henrique Vieira Calais Rezende é advogado da equipe de Direito Consumerista do Vilas Boas Lopes e Frattari Advogados.

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