Migalhas de Peso

Contratação de advogado(s). Inexigibilidade de licitação. STF. ADC 45 julgamento virtual

É momento de trazer ao debate a recentíssima Lei 14.039, de 17 de agosto de 2020.

28/10/2020

(Imagem: Arte Migalhas)

Após mais de três anos hibernando no gabinete do relator, eminente ministro LUIZ ROBERTO BARROSO, teve início o julgamento virtual da Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADC 45, promovida pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, mediante disponibilização, ao plenário virtual, do relatório e voto do Ministro relator, motivação deste artigo.

De entrada, em apertada síntese, esclareça-se que a ADC, promovida pela OAB nacional, tem por objeto, em especial, afastar as controvérsias no que tange aos dispositivos da Lei nacional de licitações e contratos da administração pública: Lei 8.666/93, que autorizam a contratação de serviços jurídicos por inexigibilidade de licitação, com ênfase na tormentosa questão da singularidade do objeto.

Em resumo, o voto do eminente Ministro relator propõe a seguinte tese de julgamento:

“São constitucionais os arts. 13, V, e 25, II, da Lei nº 8.666/1993, desde de que interpretados no sentido de que a contratação direta de serviços advocatícios pela Administração Pública, por inexigibilidade de licitação, além dos critérios já previstos expressamente (necessidade de procedimento administrativo formal; notória especialização profissional; natureza singular do serviço), deve observar: (i) inadequação da prestação do serviço pelos integrantes do Poder Público; e (ii) cobrança de preço compatível com o praticado pelo mercado” .

Da leitura da tese lançada colhe-se, em digressão, e em respeito à cláusula pétrea plasmada no artigo 2º da Carta de 88, evidente invasão de competência legislativa, aliás expressamente reconhecida pelo douto Ministro, sob o manto da interpretação sistêmica, com estas palavras:

A seguir, passo a expor mais dois requisitos que, embora não exigidos literalmente nos dispositivos que constituem objeto da presente ação direta, também devem informar sua interpretação e aplicação. (grifei)

CORTE CONSTITUCIONAL NÃO REDIGE LEI. (O Supremo não é legislador – O ESTADO DE SÃO PAULO, sábado, 17 de outubro de 2020, p.A3)

Registrado o inconformismo, volto ao resumo do voto para, em primeira assentada destacar, para enfrentamento, três dos cinco requisitos que, sob a ótica do nobre relator, devem ser exigidos para se aperfeiçoar a contratação por inexigibilidade de licitação:

(i) natureza singular do serviço;

(ii) inadequação da prestação do serviço pelos integrantes do Poder Público; e

(iii) cobrança de preço compatível com o praticado pelo mercado”, certo que, quanto aos demais, perfeitamente factíveis porque claramente objetivos.

Assim é que, pela ordem colocada no voto, enfrento, de início, a questão da natureza singular dos serviços, requisito polêmico, a respeito do qual muito se escreveu desde a edição do Decreto-lei 2.300, de 1986.

A verdade é que, por mais que se tente adjetivar, qualificar o conceito de natureza singular, jamais se obtém consenso, seja em demandas judiciais, seja na doutrina, seja entre os operadores do direito.

Atividade que envolva complexidades que tornem necessária a peculiar expertise, anota o douto Ministro relator.

Grau de subjetividade insuscetível de ser medido pelos critérios objetivos de qualificação, segundo a Súmula 39, do Tribunal de Contas da União.

Situação anômala, incomum, impossível de ser enfrentada satisfatoriamente por profissional não especializado, na opinião de Marçal Justen Filho, trazida ao voto..

Em suma: a singularidade é relevante e um serviço deve ser havido como singular quando nele tem de interferir, como requisito de satisfatório entendimento da necessidade administrativa, um componente criativo de seu autor, envolvendo o estilo, o traço, a engenhosidade, a especial habilidade, a contribuição intelectual, artística, ou a argúcia de quem o executa, atributos, estes, que são precisamente os que a Administração reputa convenientes e necessita para a satisfação do interesse público em causa, colaciona o voto nas palavras do festejado professor e amigo CELSO ATONIO BANDEIRA DE MELLO.

Os inúmeros e diferentes qualificativos, pontuados pela doutrina, colocados pelos Tribunais de Contas e por centenas de decisões judiciais, carregam forte carga de criatividade, extremamente subjetiva, evidentemente não aclaradora, apesar do louvável esforço do insigne Ministro Luiz Roberto Barroso.

Aliás, com a devida vênia, ouso a afirmar que o voto do insigne Ministro, a quem rendo minhas homenagens, milita na contramão de postulado de hermenêutica recentemente introduzido na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, através Lei 13.655/18, artigo 20, assim redigido:

Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão.

Os diversos e distintos qualificativos grafados no voto, os atributos, referidos por Celso Antonio, tendo por alvo definir o conceito de natureza singular, têm algo em comum, albergam valores jurídicos abstratos que, portanto, admitem uma decisão discricionária do administrador público.

Neste passo, é momento de trazer ao debate a recentíssima Lei 14.039, de 17 de agosto de 2020, aliás sequer ventilada no voto pautado, mas que afasta a polêmica, ao qualificar como de natureza singular todo e qualquer serviço jurídico prestado por advogado ou sociedade de advogados, desde que notoriamente especializados.

A proposta de estabelecer, como requisito para a contratação por inexigibilidade, a inadequação da prestação do serviço pelos integrantes do Poder Público, também merece reparos, na medida em que ostenta forte carga de subjetividade, no tange à decisão de se configurar a impossibilidade de que a atribuição seja exercida pelos membros da advocacia pública.

Trata-se de requisito que exige prova negativa para sua configuração, ou seja, a popularmente denominada prova diabólica ou impossível.

Por derradeiro, mas não menos importante, enfrento o novo requisito denominado pesquisa  de mercado lembrando, em primeiro lugar, que a Lei nº 8.666/93, com muito mais propriedade, pede “justificativa de preço” (art. 26, § único, III) que, a toda evidência não se confunde com pesquisa de mercado.

Justificativa de preço mais compatível com a modalidade de serviço a ser contratado e que, certamente, não implica em invasão da privacidade econômico-financeira do advogado, como propõe o Tribunal de Contas no excerto colacionado a seguir, tirado de decisão do TCU:

“...o contrato com a Administração Pública deverá ser praticado em condições econômicas similares com as adotadas pelo particular para o restante de sua atividade profissional. (grifei)

Ao fim e ao cabo, lembro que o legislador constituinte, a par de prestigiar a advocacia pública: artigos 131 e 132 da Constituição Federal, acentua, no artigo 133, que O advogado é indispensável à administração da justiça...!

______________

*Antonio Sergio Baptista é advogado – USP – turma de 1964 - especialista em Direito Público Municipal- Ex-coordenador do Conselho Técnico da APM - Associação Paulista de Municípios - Coordenador jurídico da Apreesp - Associação de Prefeitos do Estado de São Paulo.

 

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