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Afinal, é obrigatória ou não a apresentação de certidão de regularidade fiscal para a concessão de recuperação judicial?

Diante de tantas idas e vindas, percebe-se que o tema é deveras controverso, contudo o último posicionamento acena para a necessidade de cumprimento da disposição do art. 57 da lei 11.101/05.

26/10/2020

(Imagem: Arte Migalhas)

Sabe-se que a Lei n. 11.101/2005, que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário foi elaborada sob o espírito da preservação da atividade empresária em razão da função social que exerce. Tal ideal de preservação pode ser visto em diversos dispositivos da aludida lei, mas especialmente no art. 471, que inicia as disposições acerca do processo de Recuperação Judicial.

Com o expresso objetivo de viabilizar a superação de crise econômico-financeira do devedor, o processo de Recuperação Judicial possui natureza jurídica de composição entre devedor e seus credores, de modo que somente será efetivamente concedida a recuperação judicial após a aprovação em assembleia geral de credores de plano de soerguimento ofertado pelo devedor.

Ocorre que, muito embora o legislador pátrio, tenha por meio do caput do art. 49, sujeitado à recuperação judicial “todos os créditos existentes à data do pedido, ainda que não vencidos”, alguns créditos não serão levados ao processo de RJ como é o caso dos créditos fiscais nos termos do que dispõe o art. 6º, § 7º da lei 11.101/05:

Art. 6º A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário. 

§ 7º As execuções de natureza fiscal não são suspensas pelo deferimento da recuperação judicial, ressalvada a concessão de parcelamento nos termos do Código Tributário Nacional e da legislação ordinária específica.

Deste modo, as execuções de natureza fiscal não serão suspensas pelo deferimento da recuperação judicial, salvo em casos de parcelamentos. Cabe ressaltar que, não apenas as demandas fiscais, mas também outras que eventualmente continuem tramitando, como as trabalhistas ou aquelas ilíquidas, não podem ocasionar atos constritivos ao patrimônio da empresa devedora, sem o crivo do juízo universal, consoante precedentes STJ2.

Frisa-se que pende julgamento de tema repetitivo nº 987 afetado à Corte Especial do STJ, que tratará da “possibilidade da prática de atos constritivos, em face de empresa em recuperação judicial, em sede de execução fiscal”.

A questão mais polêmica, por assim dizer, que se busca tratar é da obrigatoriedade prevista no art. 57 da lei 11.101/05, e que foi objeto de recente decisão do Ministro e Presidente do STF Luís Fux, atendendo pleito da União contra decisão do STJ.

O art. 57 é claro ao dispor que, após a aprovação do plano de recuperação judicial em assembleia geral, cumpre ao devedor a apresentação de Certidões Negativas de Débitos Tributários, senão vejamos:

Art. 57. Após a juntada aos autos do plano aprovado pela assembléia-geral de credores ou decorrido o prazo previsto no art. 55 desta Lei sem objeção de credores, o devedor apresentará certidões negativas de débitos tributários nos termos dos arts. 151, 205, 206 da lei 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional. (Destacamos)

Percebe-se que tal exigência é posterior à aprovação do plano de recuperação judicial pelos credores, isto é, o devedor já regularizou suas pendências junto à credores particulares, de modo que então o legislador estabelece a exigência de que esteja em dia também junto ao Poder Público. A esse propósito o art. 68 da Lei Falimentar dispõe que as Fazendas Públicas deferirão parcelamentos especiais à empresas em recuperação judicial3.

Pois bem. Nesse tocante reside a questão a ser melhor compreendida. Isso porque a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça enfrentou o assunto no julgamento do REsp n. 1.187.404/MT de 19/03/2013 e consignou que: “O parcelamento tributário é direito da empresa em recuperação judicial, que conduz a situação de regularidade fiscal, de modo que eventual descumprimento do que dispõe o art. 57, só pode ser atribuído, ao menos imediatamente e por hora, a ausência de legislação específica que discipline o parcelamento em sede de recuperação judicial, não constituindo ônus do contribuinte, enquanto se fizer inerte o legislador, a apresentação de certidões de regularidade fiscal para que lhe seja concedida a recuperação.”

Tal entendimento foi firmado, em razão da disposição contida no art. 68 da Lei Falimentar, a medida que, enquanto não houvesse parâmetros legais que estabelecessem como se dariam os parcelamentos dos créditos fiscais, não seria então possível a exigência de apresentações de CND.

Na mesma toada, verifica-se a disposição contida no Enunciado nº 55 da I Jornada de Direito Comercial: “O parcelamento do crédito tributário na recuperação judicial é um direito do contribuinte, e não uma faculdade da Fazenda Pública, e, enquanto não for editada lei específica, não é cabível a aplicação do disposto no art. 57 da Lei n. 11.101/2005 e no art.191-A do CTN.”

Ocorre que, em 13/11/2014, foi então publicada a Lei n. 13.043, que enfim disciplinou modalidade de parcelamento para empresas em recuperação judicial, possibilitando então, com a adesão ao parcelamento, a suspensão da exigibilidade do crédito tributário e por consequência a certidão negativa.

O curioso é que, mesmo após a edição da mencionada lei, diversos juízos continuam afastando a exigência contida no art. 57 da Lei n. 11.101/2005, em alguns casos até por meio de declaração de inconstitucionalidade do referido dispositivo, por via difusa.

Em 26/06/2020, a contenda veio a ser novamente objeto de julgamento pela Terceira Turma do STJ no REsp n. 1.864.625-SP, de Relatoria da Ministra Nancy Andrighi, ocasião em que restou consignada pela desnecessidade de apresentação de certidões negativas de débitos tributários, por entre outros argumentos, não ser compatível com o espírito de preservação da empresa essencialmente inserido na Lei 11.101/2005. Vejamos trecho do acórdão do referido julgamento:

“Assim, de se concluir que os motivos que fundamentam a exigência da comprovação da regularidade fiscal do devedor (assentados no privilégio do crédito tributário), não tem peso suficiente – sobretudo em função da relevância da função social da empresa e do princípio que objetiva sua preservação – para preponderar sobre o direito do devedor de buscar no processo de soerguimento a superação da crise econômico-financeira que o acomete.” (STJ - REsp: 1864625 SP 2019/0294631-9, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 23/06/2020, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 26/06/2020)

Porém recentemente, no dia 06/10/2020, houve nova mudança, quando o Ministro Luiz Fux, atual presidente do STF, em medida cautelar, na Reclamação nº 43.169, decidiu pela necessidade de apresentação de Certidão Negativa de Regularidade Fiscal para a homologação de plano de recuperação judicial aprovado em assembleia geral de credores.

Em trecho da decisão, o Excelentíssimo Ministro afirma que: “A exigência de Certidão de Regularidade Fiscal para a homologação do plano de recuperação judicial faz parte de um  sistema que impõe ao devedor, para além da negociação com credores privados, a  regularização de sua situação fiscal, por meio do parcelamento de seus débitos junto ao Fisco.”

E seguiu aduzindo que: “Consectariamente, a não regularização preconizada pelo   legislador possibilita  a  continuidade  dos  executivos fiscais movidos pela Fazenda (art. 6º, § 7º da Lei  11.101/05), o que, em  última instância, pode resultar na constrição  de  bens  que tenham sido objeto do Plano de Recuperação Judicial, situação que não se afigura desejável.”

Diante de tantas idas e vindas, percebe-se que o tema é deveras controverso, contudo o último posicionamento acena para a necessidade de cumprimento da disposição do art. 57 da Lei n. 11.101/2005, ou seja, a necessidade de apresentação de CND para a concessão da recuperação judicial. Aguardemos as cenas dos próximos capítulos... 

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1- Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

2- CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 114.987 - SP (2010/0212610-7).

Jurisprudência em Teses do STJ, Edição nº 37, Enunciado nº 8: O deferimento da recuperação judicial não suspende a execução fiscal, mas os atos que importem em constrição ou alienação do patrimônio da recuperanda devem se submeter ao juízo universal.

3- Art. 68. As Fazendas Públicas e o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS poderão deferir, nos termos da legislação específica, parcelamento de seus créditos, em sede de recuperação judicial, de acordo com os parâmetros estabelecidos na Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional.

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*Rafael Britto é advogado e professor universitário de Direito Empresarial, sócio proprietário do escritório Britto & Simões Advogados.

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