A prática da alienação parental sempre existiu. O que é recente, todavia, é o termo “alienação parental”, cunhado pelo psiquiatra Richard Gardner na década de 1980, quando discorreu sobre a Síndrome de Alienação Parental (SAP).
Gardner (2002) conceitua a Síndrome de Alienação Parental como um “um distúrbio da infância que aparece quase exclusivamente no contexto de disputas de custódia de crianças”. Ela se manifesta preliminarmente como uma “campanha denegritória contra um dos genitores, uma campanha feita pela própria criança e que não tenha nenhuma justificação”. A SAP “resulta da combinação das instruções de um genitor (o que faz a ‘lavagem cerebral, programação, doutrinação’) e contribuições da própria criança para caluniar o genitor-alvo”.
Por sua vez, a lei 12.318/10, popularmente denominada lei de Alienação Parental, pune os atos de alienação parental, ou seja, as condutas que ferem o direito à convivência familiar da criança ou do adolescente com o(a) genitor(a)-alvo.
Em razão disso, o artigo 2º da referida Lei conceitua a prática da alienação parental como “a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.”.
Referida Lei traz, ainda, em seu parágrafo único do artigo 2º, alguns exemplos de atos que possam configurar práticas de alienação parental:
“Art. 2º (...)
Parágrafo único. São formas exemplificativas de alienação parental, além dos atos assim declarados pelo juiz ou constatados por perícia, praticados diretamente ou com auxílio de terceiros:
I - realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade;
II - dificultar o exercício da autoridade parental;
III - dificultar contato de criança ou adolescente com genitor;
IV - dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar;
V - omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço;
VI - apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente;
VII - mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós.” (BRASIL, 2010)
Assim, depreende-se que a alienação parental deve ser comprovada por diversos meios de prova, sobretudo por meio de perícia, conforme dispõe o artigo 699, do CPC, situação em que “o juiz, ao tomar o depoimento do incapaz, deverá estar acompanhado por especialista.”.
Importante destacar que, conforme o artigo 4º da Lei de Alienação Parental, estando presentes os indícios da prática de alienação parental, o juiz poderá determinar medidas provisórias necessárias para assegurar a proteção integral da criança ou do adolescente, in verbis:
“Art. 4º Declarado indício de ato de alienação parental, a requerimento ou de ofício, em qualquer momento processual, em ação autônoma ou incidentalmente, o processo terá tramitação prioritária, e o juiz determinará, com urgência, ouvido o Ministério Público, as medidas provisórias necessárias para preservação da integridade psicológica da criança ou do adolescente, inclusive para assegurar sua convivência com genitor ou viabilizar a efetiva reaproximação entre ambos, se for o caso.
Parágrafo único. Assegurar-se-á à criança ou adolescente e ao genitor garantia mínima de visitação assistida, ressalvados os casos em que há iminente risco de prejuízo à integridade física ou psicológica da criança ou do adolescente, atestado por profissional eventualmente designado pelo juiz para acompanhamento das visitas.”
A alienação parental pode trazer consequências nefastas à vida da criança e do adolescente e em sua relação com o(a) genitor(a)-alvo. Dessa forma, uma vez caracterizada a prática da alienação parental, o magistrado poderá aplicar, de maneira cumulativa ou isoladamente, conforme a gravidade do caso e sem prejuízo do cabimento de medidas cíveis e criminais em face do(a) genitor(a) que pratica o ato de alienação, as seguintes medidas, in verbis:
“Art. 6º Caracterizados atos típicos de alienação parental ou qualquer conduta que dificulte a convivência de criança ou adolescente com genitor, em ação autônoma ou incidental, o juiz poderá, cumulativamente ou não, sem prejuízo da decorrente responsabilidade civil ou criminal e da ampla utilização de instrumentos processuais aptos a inibir ou atenuar seus efeitos, segundo a gravidade do caso:
I - declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o alienador;
II - ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor alienado;
III - estipular multa ao alienador;
IV - determinar acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial;
V - determinar a alteração da guarda para guarda compartilhada ou sua inversão;
VI - determinar a fixação cautelar do domicílio da criança ou adolescente;
VII - declarar a suspensão da autoridade parental.
Parágrafo único. Caracterizado mudança abusiva de endereço, inviabilização ou obstrução à convivência familiar, o juiz também poderá inverter a obrigação de levar para ou retirar a criança ou adolescente da residência do genitor, por ocasião das alternâncias dos períodos de convivência familiar.”
Em casos extremos, em que se verifica que o(a) genitor(a) exerceu um verdadeiro abuso de autoridade sob a criança ou o adolescente, pode o magistrado aplicar medidas diversas que entender cabíveis que sejam suficientes para obstar a prática dos atos de alienação. As situações mais graves podem ensejar inclusive a suspensão, ou até a perda, do poder familiar, conforme dispõem os artigos 1.637 e 1.638, inciso IV, ambos do CC.
“Art. 1.637. Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público, adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha.
Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que:
(...)
IV - incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente.”
Como se nota, o propósito da Lei de Alienação Parental é coibir a prática de atos que violem o princípio da proteção integral da criança e do adolescente. Todavia, a CPI dos Maus-Tratos do Senado Federal, concluída em 2018, apurou a deturpação dos propósitos da Lei. Com isso, apresentou-se o Projeto de Lei do Senado nº 498/2018, que propõe a revogação da Lei de Alienação Parental:
“Propomos a revogação da Lei de Alienação Parental, após tomar conhecimento das gravíssimas denúncias trazidas ao conhecimento do Senado Federal por diversas mães de crianças e adolescentes que, ao relatarem às autoridades policiais e ministeriais competentes as graves suspeitas de maustratos que os seus filhos poderiam ter sofrido, quando estavam sob os cuidados dos pais, perderam a guarda deles para os pais maltratantes, com base nas hipóteses de mudança de guarda previstas nessa mesma Lei.” (BRASÍLIA, 2018, p. 42)
Após diversas audiências públicas realizadas, a Senadora Leila Barros apresentou um substitutivo ao referido Projeto de Lei, com o objetivo de alterar a Lei, e não a revogar, como foi originariamente proposto. A proposta é restringir as situações que possam configurar alienação parental, de modo a obstar a deturpação apurada pela CPI.
A primeira alteração se refere ao acréscimo do inciso VI no parágrafo único do artigo 2º da Lei de Alienação Parental1. Este acréscimo alude ao fato de a denúncia realizada pelo(a) genitor(a) ser sabidamente falsa. Destaca-se que a denúncia feita por excesso de cautela não é punida. “Essa má-fé distingue o denunciante que tem por finalidade exclusiva prejudicar o outro genitor do denunciante preocupado com a criança. Isso permite discernir entre um eventual excesso de zelo, no segundo caso, e a alienação maliciosa, no primeiro.” (BRASÍLIA, 2020).
A segunda alteração, acrescentando quatro parágrafos ao artigo 4º2, amplia a participação do magistrado em todas as fases do processo e reforça a necessidade de exame pericial para que se constate a existência de violação à integridade física e psíquica da criança ou do adolescente.
Assim, e em consonância com o princípio da não surpresa, é vedado ao juiz conceder as medidas provisórias constantes do caput do artigo 4º sem que se tenha sido previamente realizada uma audiência com as partes, salvo se houver indícios de violência contra a criança ou o adolescente. A alteração proposta pelo artigo 4º também incentiva a resolução do conflito através de métodos alternativos, tais como a mediação e a conciliação.
Por fim, visando aos interesses da criança e do adolescente, o §4º do artigo 4º propõe o sobrestamento do processo de alienação parental no caso em que houver processo criminal contra um dos genitores cuja vítima seja um dos filhos. O sobrestamento perduraria até a decisão de primeira instância do juízo criminal.
A terceira alteração diz respeito ao artigo 6º3, que propõe a aplicação das sanções previstas de modo gradativo, com o intuito de conscientizar o(a) alienador(a) e construir uma convivência mais respeitosa, observando-se sempre o direito ao convívio familiar. Ainda, reforçou a necessidade de respeitar o direito ao contraditório e à ampla defesa nos casos de pleitos de ampliação do regime de convivência e alteração ou inversão do regime de guarda.
Referido artigo também incumbiu o magistrado de adotar medidas que coíbam a situação denunciada de abuso ou violência contra a criança ou o adolescente, de forma a obstar a situação de violência, abuso ou negligência causadas pelo(a) genitor(a) denunciado(a).
A quarta alteração se relaciona ao artigo 7º4. Refere-se à guarda, a qual deverá ser concedida preferencialmente ao(a) genitor(a) que efetivamente se preocupa com o bem-estar da criança ou do adolescente, e que não impõe obstáculos ao direito à convivência familiar de ambos os genitores em relação aos filhos.
A última alteração inclui o artigo 6º-A5, que criminaliza, com pena de reclusão de 2 a 6 anos e multa, a prática de falsa acusação de alienação parental com o objetivo de facilitar a prática de delito contra a criança e o adolescente. A pena poderá ser aumentada de um a dois terços se o referido delito contra a criança e o adolescente for consumado.
Importante mencionar que a inclusão do artigo 6º-A teve como base a CPI dos Maus-Tratos, que apurou o mau uso da Lei pelo(a) genitor(a):
“Vimos, ao longo dos trabalhos da CPI, relatos de casos nos quais genitores acusados de cometer abusos ou outras formas de violência contra os próprios filhos teriam induzido ou incitado o outro genitor a formular denúncia falsa ou precária, como subterfúgio para que seja determinada a guarda compartilhada ou a inversão da guarda em seu favor. Seria uma forma ardilosa pela qual um genitor violento manipularia o outro de modo a obter o duplo benefício de acesso à vítima e afastamento do protetor.” (BRASÍLIA, 2018, p. 41)
Por fim, e considerando as conclusões da CPI dos Maus-Tratos, o substitutivo apresentou o PL 5.030/19, que “torna circunstância agravante o fato de o crime haver sido cometido contra menor sob guarda ou tutela ou contra companheiro” (BRASÍLIA, 2020), bem como “agrava as penas para crimes cometidos contra menor de 14 anos” (BRASÍLIA, 2020).
Estes crimes procedem mediante ação penal pública incondicionada e preveem o “perdimento de bens utilizados na prática criminosa” (BRASÍLIA, 2020), bem como a “decretação de medidas protetivas de urgência para a proteção de menor de 14 anos” (BRASÍLIA, 2020).
O Parecer da Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado Federal foi aprovado em 18 de fevereiro de 2020 e, desde 17 de abril de 2020, aguarda designação do relator perante a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania.
O substitutivo apresentado pela CDH traz importantes alterações à Lei de Alienação Parental, a fim de que se obste o mau uso dela. Afinal, tendo em vista o avanço que é a sua existência para coibir atos tão graves como são as práticas da alienação parental, não necessita e não pode ser revogada. Basta, portanto, que os seus efeitos negativos sejam refreados, de modo que haja a efetividade na sua aplicação e que cumpra o seu devido propósito.
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1 “Art. 2º .....................................................................................
Parágrafo único. ............................................................................
VI – apresentar denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, sabendo-a falsa, de modo a obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente;”
2 “Art. 4º ....................................................................................
§ 1º Assegurar-se-á à criança ou adolescente e ao genitor visitação mínima assistida, ressalvados os casos em que há iminente risco de prejuízo à integridade física ou psicológica da criança ou do adolescente, atestado por profissional designado pelo juiz para acompanhamento das visitas.
§ 2º O juiz proporá às partes, como forma de solução de controvérsias e de reaproximação familiar, a mediação e/ou demais métodos adequados de solução de conflitos, ressalvados os casos em que haja indício de violência contra a criança ou o adolescente.
§ 3º Antes de determinar as medidas provisórias de que trata o caput, o juiz promoverá audiência dele com as partes, ressalvados os casos em que haja indício de violência contra a criança ou o adolescente.
§ 4º Na hipótese de existência de processo criminal contra um dos genitores cuja vítima seja um dos filhos, o processo de alienação parental será sobrestado até que haja decisão em primeira instância no juízo criminal. ” (NR)
3 “Art. 6º .....................................................................................................
II – estipular multa ao alienador, podendo o juiz determinar que o valor seja depositado em favor da criança ou do adolescente;
III - determinar acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial;
IV - ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor alienado;
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§ 1º Caracterizada mudança abusiva de endereço, inviabilização ou obstrução à convivência familiar, o juiz também poderá inverter a obrigação de levar a criança ou adolescente da residência do genitor, ou de retirá-los de lá, por ocasião da alternância dos períodos de convivência familiar.
§ 2º A eventual ampliação, alteração ou inversão do regime de guarda, prevista nos incisos IV e V do caput deste artigo, será decidida:
I - em qualquer hipótese, respeitado o bem estar da criança ou do adolescente, considerando a qualidade da sua relação com o genitor favorecido; e
II – na hipótese de prática de atos de alienação parental descritos no inciso VI do parágrafo único do art. 2º desta Lei, com a adoção de medidas para prevenir a exposição da criança ou do adolescente a qualquer forma de violência, abuso, especialmente sexual, ou negligência por parte do genitor denunciado.
§ 3º Na deliberação sobre pedidos de ampliação, alteração ou inversão do regime de guarda será observado o direito ao contraditório e à ampla defesa, devendo o juiz promover audiência com as partes.
§ 4º A menos que apresente receio justificado de risco à integridade física ou psíquica da criança ou do adolescente, o juiz aplicará as medidas previstas neste artigo de modo gradativo, visando à conscientização do alienador e à construção do respeito de todos ao direito ao convívio familiar, em prol da criança ou do adolescente.” (NR)
4 “Art. 7º A atribuição ou alteração da guarda dar-se-á por preferência ao genitor que viabiliza a efetiva convivência da criança ou adolescente com o outro genitor nas hipóteses em que seja inviável a guarda compartilhada, devendo o juiz zelar pelo interesse superior e absolutamente prioritário da criança ou do adolescente, bem como considerar a capacidade parental de quem terá a guarda.“ (NR)
5 “Art. 6º-A. Praticar falsa acusação de alienação parental com intuito de facilitar a prática de delito contra a criança ou o adolescente. Pena: Reclusão de 2 a 6 anos e multa. Parágrafo único: Aumenta-se a pena de um a dois terços se o crime contra a criança ou adolescente é consumado”.
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BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.
BRASIL. Lei nº 12.318, de 26 de agosto de 2010. Dispõe sobre a alienação parental e altera o art. 236 da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990.
BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil.
BRASÍLIA. Congresso Nacional. Senado Federal. Projeto de Lei do Senado nº 498/2018. Íntegra do Projeto de Lei. Disponível aqui. Acesso em: 05 de outubro de 2020.
BRASÍLIA. Congresso Nacional. Senado Federal. Projeto de Lei do Senado nº 498/2018. Relatório da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa. Senadora Leila Barros. Disponível aqui. Acesso em: 05 de outubro de 2020.
BRASÍLIA. Congresso Nacional. Senado Federal. Requerimento nº 277, de 2017. Relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito. CPI dos Maus-Tratos. Parecer (SF) nº 1, de 2018. Brasília: Senado Federal, Comissão Parlamentar de Inquérito, 2017-2018. Disponível aqui. Acesso em: 05 de outubro de 2020.
GARDNER, Richard A. O DSM-IV tem equivalente para o diagnóstico de Síndrome de Alienação Parental (SAP)? Ano da publicação: 2002. Disponível aqui. Acesso em: 05 de outubro de 2020.
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*Stella Curiati Mimessi é advogada formada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie com OAB ativa.