Migalhas de Peso

A regulamentação de critérios para a aplicação de multa administrativa ambiental

O caso da recente portaria SVMA 54/20, do município de São Paulo

23/10/2020

(Imagem: Arte Migalhas)

Em diversos dispositivos legais do ordenamento jurídico brasileiro é possível verificar a opção do legislador em conferir maior margem de liberdade ao aplicador do direito, de modo a permitir que este último avalie as particularidades do caso concreto e dê a melhor solução com base nas normas pertinentes. Isso pode ser observado quando o texto normativo vale-se de cláusulas gerais e dos chamados “conceitos jurídicos indeterminados”, bem como quando determinado dispositivo legal prevê multa variável de um valor modesto para um muito alto. A aplicação de sanção de multa administrativa em matéria ambiental não foge disso.

A lei federal 9.605/98, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, estabelece em seu artigo 75 que a multa por infração ambiental será imposta no valor entre R$ 50,00 (cinquenta reais) e R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais). Essa variação impede que o cidadão identifique a sanção a que está sujeito e confere enorme margem de liberdade ao agente público na aplicação da multa, o que pode conduzir a subjetivismos e arbitrariedades. Diante da necessidade de estabelecer parâmetros mais definidos, o próprio decreto que regulamenta essa lei (decreto federal 6.514/08) prevê que “o órgão ou entidade ambiental estabelecerá de forma objetiva critérios complementares para o agravamento e atenuação das sanções administrativas” (art. 4º, § 1º).

Recentemente, no âmbito do município de São Paulo, foi expedida, pela Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente, a portaria 54, de 17 de agosto de 2020, justamente regulamentando os critérios para a aplicação da sanção de multa administrativa ambiental.

De início, cabe pontuar que, além de o próprio decreto federal 6.514/08 ter previsto essa possibilidade, não se verifica ofensa à legalidade a postura de órgãos estabelecerem de forma objetiva esses critérios na aplicação da sanção administrativa, desde que sejam obedecidos os parâmetros legais. Trata-se de uma autolimitação à sua própria discricionariedade, estreitando a margem de liberdade no âmbito da aplicação de sanções.

Na verdade, a edição de regulamento nesse sentido traz maior segurança ao particular e ajuda a coibir subjetivismos excessivos. A lei não é capaz de prever todas as situações juridicamente relevantes e regulá-las, mesmo porque o legislador não consegue acompanhar a dinâmica da sociedade e sua evolução. Diante desse déficit por parte da legislação em comparação com a evolução dos acontecimentos sociais é que a lei muitas vezes vale-se de enunciados abertos e de standards, cabendo à Administração Pública dar o devido preenchimento aos espaços deixados pelo texto legal e adentrar nas minúcias técnicas que o caso concreto possa exigir.

Nesse cenário em que a lei apenas estabelece parâmetros, a autolimitação operada por ente da Administração é pertinente e favorece a previsibilidade na aplicação do direito sancionador ao caso concreto, desde que respeitada, é claro, a moldura prevista em lei.

É o caso da portaria aqui em comento, que, inclusive, traz critérios interessantes no que diz respeito às espécies de multas a serem impostas. Por exemplo, seu art. 2º faz a distinção entre multa-fechada e multa-aberta, em que a primeira tem seu valor “previamente fixado em lei ou regulamento, com base unicamente em unidade de medida, de acordo com o objeto jurídico lesado” (inciso I); já a segunda é aquela cujo “valor fixado em lei ou regulamento consiste em um intervalo discricionário a ser definido durante o processo de apuração da infração” (inciso II).

Como se observa, é em relação à multa-aberta que se faz ainda mais pertinente a verificação dos variados critérios estabelecidos pela Portaria para a imposição da sanção. O seu art. 8º menciona três critérios a serem considerados na hipótese de multas-abertas: (I) gravidade dos fatos; (II) os antecedentes do infrator quanto ao cumprimento da legislação de interesse ambiental; e, (III) a capacidade econômica do infrator. Cada um desses critérios ainda é acompanhado de um quadro previsto no anexo I da portaria estabelecendo parâmetros mais objetivos para sua aplicação, com a menção a faixas de valores a depender do grau da conduta infracional.

O parágrafo único desse art. 8º ainda estabelece expressamente o dever de motivar no caso de a multa-aberta ser aplicada acima do valor mínimo por unidade de medida. Vale dizer, quando a imposição da sanção implicar em avaliação que vai além da unidade mínima prevista em lei, ou seja, quando a análise não se der com fundamento em bases legais objetivas, torna-se indispensável expor os motivos que levaram a esse aumento.

É claro que esses critérios não eliminam por completo eventuais subjetivismos do aplicador, mas ajudam a estabelecer um modelo mais racional e previsível na conduta sancionadora. Essa autolimitação da discricionariedade, desde que respeitados os limites legais, promovem maior segurança jurídica, principalmente quando os valores de multa previstos em lei contam com uma enorme variação como é o caso da lei federal 9.605/98.

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*Marco Antonio Batista de Moura Ziebarth é sócio no escritório Escudero & Ziebarth Advogados.





*João Vitor Carvalho é assistente jurídico no escritório Escudero & Ziebarth Advogados.

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