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A negociação como elemento essencial das operações de M&A

Trata-se de artigo que busca explicar a importância da Negociação dentro de uma operação de M&A, mostrando que a negociação está presente tanto nas fases preliminares quanto na fase concreta deste tipo de operação.

21/10/2020

(Imagem: Arte Migalhas)

I. Introdução

O termo M&A (Mergers and Acquisitions), importado do direito norte-americano, tem sido amplamente utilizado no Brasil. A expressão, se traduzida, faz referência às operações de Fusões e Aquisições, de alta complexidade e que há algumas décadas vêm ganhando maior relevância no contexto brasileiro. Trata-se de operação realizada entre duas partes que serve para unir companhias ou para que uma empresa adquira outra, com a finalidade de obtenção de lucros sob uma ótica de mercado e de capitalização de ganhos empresariais.

Em julho de 2018, as duas maiores fabricantes de aeronaves no mundo, a brasileira EMBRAER e a norte-americana BOEING, anunciaram um acordo de intenções para criação de uma joint venture – acordo legal entre duas empresas que decidem unir recursos para atingir uma finalidade específica. Com a publicização deste acordo, as operações de M&A ganharam uma importância ainda maior no cenário nacional.

O pacto acordado entre as duas empresas incluía o desembolso de 4,2 bilhões de dólares por parte da Boeing para criação da chamada Boeing Brasil-Commercial, que assumiria todas as operações comerciais pela fabricante brasileira, sendo que a empresa norte americana passaria a possuir 80% das ações desta nova companhia, na medida em que a empresa brasileira deteria de 20% das ações. Entretanto, no dia 24 de abril de 2020, diante da crise econômica instaurada pelo covid-19, e por fatores internos a relação entre as partes, a BOEING anunciou a desistência da operação, encerrando a nova empresa e a parceria inicialmente criada.

Mesmo com o insucesso desta operação, as operações de M&A ganharam os holofotes diante da magnitude dos números que envolviam este acordo. Assim, grandes teóricos e juristas passaram a dar mais importância e significação para estas operações. Desse modo, mostra-se necessário tratar da importância da negociação dentro de uma operação de M&A, conforme será verificado no presente trabalho.

II. Etapas de uma operação de M&A e a importância da negociação durante este curso

De início, insta salientar que a negociação é elemento indispensável para realização de uma operação de M&A. São raras as operações de fusão ou de aquisição sem a realização de diversas sessões de negociação entre as partes. Diante de uma operação de tamanha complexidade, são diversos os possíveis conflitos que podem surgir entre as partes, evidenciando como a negociação de todos os termos do contrato se mostra imperiosa para evitar tais conflitos e para garantir o sucesso da operação.

Cabe destacar que uma operação de M&A se divide em várias etapas que podem variar de acordo com cada caso, uma vez que toda operação de M&A apresenta suas particularidades. Nas operações em que há concurso de compradores, a fase inicial é informar a um grupo seleto de possíveis compradores que a empresa está à venda. Nesse momento, os interessados elaboram planos de aquisição contendo suas propostas (DUQUE, Bruno; ZILBOVICIUS, Moacir. 2020).

Após este contato inicial, os compradores interessados apresentam suas Non Binding Offers, ou seja, propostas não vinculantes. Nessa fase são iniciadas as negociações de valores e condições. Caso o vendedor opte por aceitar uma eventual oferta, adentra-se em uma segunda etapa do M&A que seriam as Binding Offers, ou Letter of Intention. A partir desse momento as propostas são vinculantes e iniciam-se as negociações para elaboração concreta da operação.

Findada esta fase preliminar, inicia-se a fase concreta da operação. Neste momento, ambas as partes realizam um processo de due diligence, que consiste em uma grande auditoria para verificar a atual situação da empresa a ser comprada, bem como o passado desta para encontrar eventuais passivos ou irregularidades que possam impactar o preço final ou ter consequências negativas futuramente ao comprador (RAUPP, Fabiano Maury; WARKEN, Ricardo Muller. 2020). Com os resultados da auditoria em mãos, as partes iniciam os incessantes rounds de negociação para elaboração do contrato de compra e venda de ações (SPA ou QPA).

Analisadas as propostas e escolhida aquela mais vantajosa ao vendedor, celebra-se o contrato (signing). Após essa fase, há o termo de fechamento (closing), momento no qual o contrato é de fato firmado, havendo a partir daí a compra efetiva da empresa e início do pagamento.

Sublinha-se, conforme já mencionado, que cada operação é repleta de particularidades, porém, o elemento comum as operações é a utilização da negociação, uma vez que ela está presente durante todas as etapas da operação, seja nas fases preliminares seja na etapa mais concreta de discussão sobre preço e garantias do contrato. Desta feita, tratar-se-á da importância da negociação em cada etapa específica das operações de M&A.

III. Negociação nas fases preliminares da operação de M&A

Considerando que a negociação está presente durante toda a operação de M&A, convém abordar inicialmente a importância da negociação nas fases preliminares da operação, ou seja, antes da criação de um vínculo formal entre as partes e da estruturação concreta do SPA.

A fase preliminar das operações de M&A consiste em um primeiro contato entre a empresa adquirente e a empresa target. É exatamente neste momento que se inicia a discussão de valores e alguns outros assuntos cruciais para o bom andamento da operação, tais como os acordos de confidencialidade (Non Disclosure Agreement) e condições de pagamento.

Nesse primeiro contato, os compradores efetuam as ofertas de compra não vinculantes (Non Binding Offers). Ainda que não vinculantes, existe um grande processo de negociação antes do envio propriamente destas ofertas. Essas negociações ocorrem tanto entre vendedor e comprador quanto internamente na empresa compradora.

No âmbito interno, a negociação ocorre entre os próprios sócios da empresa compradora, sendo que essas negociações servem para analisar os riscos da compra, projetar o cenário após um possível closing e, também, convencer todos os votantes a apresentar uma proposta. Já em relação às negociações entre vendedores e compradores, verifica-se que a negociação está intimamente ligada ao processo de apresentação das non binding offers.

Antes da divulgação destas ofertas, a empresa vendedora se reúne com os diversos potenciais compradores e apresenta inúmeros documentos para que seja possível à compradora fazer uma proposta. Essas reuniões são baseadas em negociações; de um lado, tem-se a vendedora mostrando os benefícios de comprar a empresa alvo da operação e apresentando um valor mais alto para a aquisição, enquanto do outro lado, tem-se a compradora avaliando a documentação apresentada e apontando pontos negativos a fim de diminuir o valor apresentado.

Além disso, as non binding offer são negociadas também em outros aspectos, como nas condições de pagamento, declarações e garantias e outros. Isso se dá pois, caso haja uma diferença muito grande entre os termos oferecidos por uma e outra empresa, sem a negociação a operação restaria fracassada antes mesmo de ser apresentada oferta vinculante. Com a negociação prévia às ofertas vinculantes, permite-se que as partes tenham maior conhecimento sobre a intenção da outra parte e que qualquer incongruência entre as propostas seja ajustada.

Ainda dentro das fases preliminares da operação, para além das negociações nas Non Binding Offers, verifica-se estritamente necessária a negociação dos acordos de confidencialidade (Non Disclosure Agreement) que preveem a não divulgação de informações, e que delimita a utilização de informações somente com o propósito de evolução de uma possível transação. 

Nas fases preliminares da operação, diversas informações financeiras a respeito da empresa target são compartilhadas com os possíveis adquirentes. Entretanto, não é porque um possível comprador demonstrou interesse na aquisição de uma eventual empresa que esta operação de fato se concretizará, restando clara a importância da definição de confidencialidade das informações divulgadas entre as partes, até como uma maior proteção à empresa vendedora.

Os acordos de NDA podem ser unilaterais, quando apenas um dos lados divulga informações confidenciais, ou bilaterais, quando os dois lados divulgam informações. Entretanto, em ambos os tipos, é essencial que as partes definam expressamente o conteúdo das informações confidenciais, bem como as multas em caso de descumprimento do acordo. Assim, um acordo de NDA nunca pode ser genérico e padrão, devendo sempre se atentar para o caso concreto de cada operação (HARROCH, Richard. 2018).

Por conta disso, as partes devem negociar os acordos de NDA em consonâncias aos seus interesses, avaliando quais informações de fato devem ser mantidas como confidenciais e quais dados eventualmente podem ser utilizados sem um maior prejuízo para as companhias. Além disso, as partes devem negociar eventuais penalidades para o descumprimento do NDA, algo que também é variável mediante cada caso e que vai de acordo com os interesses das partes contratantes.

IV. Negociação na elaboração do contrato do spa

De suma importância nas fases preliminares da operação, na fase de estruturação do Contrato de SPA a negociação passa a ter relevância ainda maior, mostrando-se elemento quase que inerente à efetivação da operação.

Nesse momento da operação, ambas as partes já realizaram um processo de due diligence para averiguar o passado e todo histórico da empresa que está sendo adquirida. Assim, realizada as fases preliminares e com os resultados das diligências em mãos, as partes começam as tratativas de negociação para estruturação concreta do Contrato de compra e venda de ações (SPA ou QPA).

Em uma operação de M&A “tudo se resume ao preço” (ARAGÃO, Paulo; MAVIGNIER, Monique. 2020). Todas e quaisquer informações relevantes acabam por impactar o preço final da operação. Por exemplo, caso no processo de due diligence seja encontrado uma porcentagem maior de ativos, provavelmente o preço da operação será maior; da mesma forma, todos os passivos que são encontrados neste processo de due diligence acabam sendo deduzidos no preço final da operação.

Outro fator que influi diretamente no valor da operação são as garantias e os direitos de indenização do comprador. Nos casos em que são estabelecidas maiores garantias em relação ao comprador, criando diversos mecanismos de proteção a danos posteriores ao fechamento, o preço da operação tende a ser menor. Em contraponto, nas operações de porteira fechada e nas operações com menores garantias, há maior risco ao comprador, portanto, normalmente é negociado um valor menor para a realização da operação.

Ainda nesse ponto, é importante mencionar que a negociação das garantias do comprador não influi somente no preço da operação, mas também na prevenção de futuros conflitos e litígios entre as partes. Isso porque, essas cláusulas asseguram às exatas condições da empresa adquirida no momento do fechamento e também formalizam as possibilidades de indenização em casos de violação dessas garantias. Portanto, para prevenção de futuros problemas, essas cláusulas devem estar claras e bem dispostas, algo que somente é obtido mediante uma negociação técnica e qualificada entre as partes.

Voltando ao tópico do preço, insta salientar que qualquer acréscimo ou dedução no valor da empresa não acontece de forma simples, uma vez que as partes constantemente negociam apresentando seus argumentos e fundamentos objetivos que baseiam seus interesses. Desse modo, durante toda a operação acontecem diversas sessões de negociação para definição do preço. A parte adquirente negocia apontando as razões para diminuição do preço da operação, ao passo que a parte vendedora busca valorizar sua companhia e negociar para receber uma quantia maior pela operação.

Conforme exposto, tudo se resume ao preço. Assim, essas sessões de negociação ocorrem durante toda estruturação da operação, algo que evidencia a importância de uma negociação técnica e com profissionais qualificados para o bom sucesso da operação.

Também almejando o sucesso das negociações, a utilização do Programa de Harvard de Negociação poderia ser eficaz e frutífera para o bom andamento da operação, uma vez que o método de Harvard preza sempre por uma negociação baseada em princípios, focando sempre nos interesses e não nas posições negociais propriamente ditas. Desse modo, uma negociação pelo método de Harvard contribui para que as partes compreendam os reais interesses da outra parte e o que quer ser obtido com a realização desta operação, facilitando o diálogo entre ambos os lados e provendo um acordo que seja mutuamente benéfico.

Além disso, o Método de Harvard preza sempre pela utilização de critérios objetivos, algo de extrema relevância no cenário corporativo de uma operação de M&A. Utilizando-se critérios objetivos, evita-se que, por exemplo, o sentimento do vendedor pela empresa vendida aumente o preço da negociação, distorcendo o processo o valor da operação Nesse sentido, a utilização do referido método mostra-se de suma importância para o bom andamento da operação tanto nas fases preliminares quanto nas fases concretas.

V. Conclusão

Evidente, diante do exposto, que a negociação é um elemento essencial para o sucesso de uma operação de M&A, tanto nas fases preliminares quanto na fase concreta da operação.

Sem que haja uma negociação técnica e qualificada, a operação pode ser comprometida antes mesmo de sua estruturação, uma vez que a negociação nas fases preliminares é crucial para o bom andamento da operação. Da mesma forma, a negociação qualificada é essencial na fase concreta de estruturação do SPA, visto que as partes envolvidas precisam chegar a um acordo sobre o preço e as condições da operação, algo que demanda um grande tempo de negociação.

Quanto ao contexto pós-operação, conforme explicado ao longo do texto, uma boa negociação é necessária para a prevenção de problemas posteriores ao fechamento, de forma a evitar futuras demandas e longos litígios envolvendo a operação de M&A.

Por fim, verifica-se que a utilização do Programa Harvard de Negociação poderia auxiliar o sucesso das negociações nas operações de M&A, através da utilização de uma negociação baseada em princípios que busca focar sempre nos interesses em jogo e não nas posições negociais. Deve-se pautar sempre por critérios objetivos de fácil identificação, algo que se mostra como um elemento crucial dentro do cenário corporativo para chegar facilmente a um consenso e para apoiar a pretensão das partes.

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ARAGÃO, Paulo; MAVIGNIER, Monique. Aula 1 - Introdução ao M&A - I Curso de Introdução às Fusões e Aquisições. CM&A USP. Youtube. 03 de Julho de 2020. Disponível clicando aqui

BERTOLDI, M. M.; RIBEIRO, M. C. P. Curso Avançado de Direito Comercial. 10. ed. rev. e atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016.

BLB Brasil Blog. 7 etapas do processo de M&A. São Paulo-SP. 2019. Dísponivel clicando aqui

DUQUE, Bruno; ZILBOVICIUS, Moacir. Aula 2 - Introdução ao M&A - I Curso de Introdução às Fusões e Aquisições. CM&A USP. Youtube. 08 de Julho de 2020. Disponível clicando aqui

FISHER, R.; URY, W.; PATTON, B. Como chegar ao sim: como negociar acordos sem fazer concessões. Tradução de: VIEIRA, R. V. 1 ed. Rio de Janeiro: Solomon, 2014.

GUILHERME, L. F. V. A. Manual Dos Mescs - Meios Extrajudiciais de Solução de Conflitos. Barueri-SP. Editora Manole. 2016.

HARROCH, Richard. A Guide To Non-Disclosure Agreements For Mergers And Acquisitions. Forbes. 2018. Disponível clicando aqui

LAUX, F. de M. Mediação Empresarial: aplicação de mecanismos alternativos para a solução de disputas entre sócios. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018.

RAUPP, Fabiano Maury; WARKEN, Ricardo Muller. Utilização da Due Diligence em Processos de Fusão e Aquisição. Pensar Contábil, Rio de Janeiro, v. 11, n. 45, p. 34 - 40, jul./set. 2009.

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*André Luiz Padilha é acadêmico de Direito na Universidade Federal do Paraná. Membro do Grupo de Estudos de Mediação e Negociação da UFPR. Membro do Grupo de Pesquisa de Direito Societário Aplicado da UFPR.






*Leonardo Dalla Costa é acadêmico de Direito na Universidade Federal do Paraná. Membro do Grupo de Estudos de Mediação e Negociação da UFPR. Membro do Grupo de Pesquisa de Direito Societário Aplicado da UFPR. Membro do Núcleo Discente de Direito Administrativo da UFPR.

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