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O “super poder” da Receita Federal e a indedutibilidade dos juros de mora de IRPJ/CSLL criada via solução de consulta

Segundo a interpretação da SC exarada pela RFB, qual contribuinte teria a dedutibilidade dos juros vedada? O YZP, simplesmente pelo fato dos juros serem sobre atraso de IRPJ.

16/10/2020

Imagem: Arte Migalhas.

Como sabido, as decisões de matéria tributária apresentadas pelo STF nestes últimos tempos tem sido uma catástrofe jurídica. Em alguns casos, com a devida vênia, não é absurdo dizer que os ministros colocaram suas posições pessoais sobre alguns temas acima da incontestável Carta Magna.

Porém, parece que não é só o STF que se “concedeu super poderes” em 2020. A Receita Federal do Brasil (RFB), desesperada com a perda de arrecadação, simplesmente, começou a criar “novas regras” através de Soluções de Consulta (SCs).

Primeiramente, em março deste ano, através da SC 15/20, a RFB “determinou” a indedutibilidade do estorno do crédito “original” no caso de utilização de crédito outorgado de ICMS concedido pela legislação Paulista. Essa vedação à dedutibilidade não consta apresentada em qualquer normativo de IRPJ/CSLL e, na prática, é de “complicadíssima aplicação” (para não dizer impossível), uma vez que o estorno do crédito deve ser realizado contra estoque e ser apropriado ao custo na medida em que for realizado.

Porém, a mais impressionante “mágica arrecadatória” da RFB veio através da SC 101/2020, publicada no DOU em 30/09/2020. Nesta oportunidade, ao responder uma pergunta “tardia” sobre o PERT, a RFB “determinou” que as despesas de juros incorridas pela mora no pagamento de IRPJ/CSLL são indedutíveis para fins de apuração destes mesmos tributos, uma vez que o acessório segue a regra de dedutibilidade do principal.

Nada mais absurdo! Vejamos:

O artigo 398 do Regulamento de Imposto de Renda – RIR/18 (decreto 9580/18), determina que “os juros pagos ou incorridos pelo contribuinte são dedutíveis como custo ou despesa operacional, observado o disposto nesta Subseção”.

Na subseção mencionada, foram criadas limitações apenas para deduções de juros nos casos de arrendamento mercantil e empréstimos para partes relacionadas.

Pela aplicação do princípio da legalidade ao direito tributário, mais especificamente ao cálculo de IRPJ/CSLL, podemos afirmar que toda despesa é dedutível, salvo aquelas cuja dedutibilidade encontra-se expressamente vedada na legislação.

Note que esse dispositivo, além de não vedar a dedutibilidade do gênero juros, passou a permitir expressamente a dedução.

Ademais, assim como o fez no caso das duas espécies já citadas (arrendamento e empréstimos para partes relacionadas), se o legislador tivesse a intenção de limitar a dedução dos juros incidentes sobre atrasos de IRPJ e CSLL deveria tê-la realizado de forma expressa.

Assim, não pode a RFB, por aplicação de norma genérica (leia-se: com base no argumento de que o acessório segue o principal), determinar que os juros incorridos sobre despesas de IRPJ/CSLL sejam indedutíveis.

Adotar tal prática seria uma clara afronta ao princípio da legalidade por inúmeros fatores e quiçá ao princípio da isonomia, uma vez que não é plausível os juros sobre atraso de ICMS, ISS, PIS, COFINS serem dedutíveis e o da CSLL não.

Para finalizar e visando demonstrar na prática o absurdo pretendido pela RFB, peço que o leitor (após considerar o fato de que o normativo menciona que os juros incorridos são dedutíveis independente do seu pagamento) reflita sobre a seguinte situação:

O contribuinte XPTO tem acumulado dívidas mensais de PIS/COFINS por 48 meses (sem nenhum pagamento) e os juros são atualizados pela SELIC na contabilidade – conforme princípio da competência. Por sua vez, o contribuinte YZP detinha todos seus tributos liquidados, mas atrasou uma única DARF de IRPJ, registrou os juros e pagou.

Segundo a interpretação da SC exarada pela RFB, qual contribuinte teria a dedutibilidade dos juros vedada? O YZP, simplesmente pelo fato dos juros serem sobre atraso de IRPJ.

Difícil acreditar...

_______

*Elias Cohen Júnior é advogado.

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