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RDD e regime de segurança máxima

A grave e preocupante questão da disciplina do preso que se encontra recolhido em algum estabelecimento penal de segurança máxima ou média já se encontrava devidamente regulada na Lei de Execução Penal, especialmente nos artigos 53, IV, 54 e 58. Uma das mais severas sanções previstas nesta lei consiste no “isolamento do preso na própria cela”. Cuida-se de conseqüência penal a ser imposta pelo diretor do presídio, em ato motivado, por prazo não superior a 30 dias. Esse conjunto de dispositivos legais que acaba de ser enumerado já era mais do que suficiente para manter a devida disciplina e a ordem dentro dos estabelecimentos penais.

12/12/2006


RDD e regime de segurança máxima

Luiz Flávio Gomes*

A LEP e o isolamento do preso

A grave e preocupante questão da disciplina do preso que se encontra recolhido em algum estabelecimento penal de segurança máxima (fechado) ou média (semi-aberto) já se encontrava (e se encontra) devidamente regulada na Lei de Execução Penal (LEP – Lei 7.210/1984 - clique aqui), especialmente nos artigos 53, IV, 54 e 58. Uma das mais severas sanções previstas nesta lei consiste no “isolamento do preso na própria cela”. Cuida-se de conseqüência penal a ser imposta pelo diretor do presídio, em ato motivado, por prazo não superior a 30 (trinta) dias. Esse conjunto de dispositivos legais que acaba de ser enumerado já era (e é) mais do que suficiente para manter a devida disciplina e a ordem dentro dos estabelecimentos penais.

Parece muito evidente a razoabilidade e superioridade técnica e garantista da LEP em relação ao famigerado RDD e, agora, ao RMAX (regime de segurança máxima, que estaria na iminência de ser aprovado pelo Congresso Nacional). Quando a LEP foi redigida (1984) ainda não se falava em “Direito penal do inimigo”, que é uma idéia difundida mais recentemente na América Latina (estamos nos referindo à doutrina de Jakobs, Derecho penal del enemigo, Madrid: Thonson-Civitas, 2003, obra que tem como co-autor Cancio Meliá). Todo endurecimento penal ofensivo à dignidade humana, para além de constituir expressão desse modelo de “direito” penal, enquadra-se no movimento punitivista simbólico e emergencial, desenvolvido desde os anos 80, sobretudo na Itália (para combater – inicialmente - as organizações mafiosas).

(In) constitucionalidade do RDD

Três são as hipóteses de RDD previstas na LEP (art. 52 e ss.). A primeira está prevista no caput do art. 52, que diz o seguinte: “A prática de fato previsto como crime doloso constitui falta grave e, quando ocasione subversão da ordem ou disciplina internas, sujeita o preso provisório, ou condenado, sem prejuízo da sanção penal, ao regime disciplinar diferenciado”.

As características de RDD são: “I - duração máxima de trezentos e sessenta dias, sem prejuízo de repetição da sanção por nova falta grave de mesma espécie, até o limite de um sexto da pena aplicada; II - recolhimento em cela individual; III - visitas semanais de duas pessoas, sem contar as crianças, com duração de duas horas; IV - o preso terá direito à saída da cela por 2 horas diárias para banho de sol.”

Essa hipótese de RDD seria, em princípio, constitucional, até porque conta com certa correspondência com o isolamento já previsto na LEP, que decorre de um comportamento concreto do agente. Falamos em princípio (constitucional) pelo seguinte: se o juiz não fixar o prazo de duração do RDD de forma razoável, respeitado o limite original da LEP de trinta dias, parece não haver dúvida que estamos diante de uma medida desumana, torturante e cruel (logo, inconstitucional). Fundamental é verificar a gravidade da infração cometida dentro do presídio. Se o agente está preso só se pode falar em sanção disciplinar por algo que tenha concretamente praticado dentro do estabelecimento penal. Nem o tempo de duração nem as condições de execução do RDD podem violar a dignidade humana. O RDD, na hipótese que estamos analisando, constitui conseqüência de um comportamento do agente. Funda-se, como se vê, no chamado Direito penal do fato. De qualquer modo, ainda que se admita essa hipótese de RDD como constitucional, sua aplicação prática (duração, modo de execução, condições de execução etc.) não pode ser inconstitucional.

Diferentes são as situações contempladas nos §§ 1º e 2º do art. 52, que se fundam em suposições ou suspeitas (ainda que fundadas), de que se trata de agente perigoso ou de que o agente participe de organização criminosa. Nenhum ser humano pode sofrer tanta aflição por suspeitas. Viola o princípio da presunção de inocência agravar as condições de cumprimento de uma pena em razão de suposições ou suspeitas. E se o agente efetivamente integra alguma organização criminosa, por isso irá responder em processo próprio. Aplicar-lhe mais uma sanção pelo mesmo fato significa bis in idem (dupla sanção ao mesmo fato).

Pela gravidade do RDD e pelo nível de constrangimento que ele implica ao bem jurídico liberdade, somente provas inequívocas relacionadas com um fato concreto praticado dentro do presídio é que poderiam permitir a sua aplicação.

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no Habeas Corpus n. 978.305.3/0-00, julgou inconstitucional o RDD, considerando que se trata de “uma determinação desumana e degradante (art. 5º, III, da CF - clique aqui), cruel (art. 5º, XLVII, da CF), o que ofende a dignidade humana (art. 1º, III, da CF)”. De fato, o RDD só não seria inconstitucional se respeitasse o prazo de trinta dias e se sua execução resguardasse a segurança interna e externa, mas sem afetar desarrazoadamente a essência da dignidade humana.

O Estado constitucional, democrático e garantista de Direito é o que procura o equilíbrio entre a segurança e a liberdade individual, de maneira a privilegiar, neste balanceamento de interesses, os valores fundamentais da liberdade do ser humano. O desequilíbrio em favor do excesso de segurança com a conseqüente limitação excessiva da liberdade das pessoas implica, assim, em ofensa ao referido modelo de Estado.

PLS 179/05 e o Regime de Segurança Máxima

O desequilíbrio que acaba de ser apontado está mais do que evidente no PLS de n. 179/05 (clique aqui), que faz parte do chamado “pacote antiviolência” aprovado no Senado, no dia 17 de maio de 2006, logo após a primeira onda de ataques do PCC. Agrega-se ao art. 52 um novo dispositivo legal, que prevê o regime de segurança máxima “ao preso provisório ou condenado sobre o qual recaírem fundados indícios de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organização criminosa”. Seu objetivo é impedir “ligações” (sic) do preso com organizações criminosas (até hoje não definidas no nosso ordenamento jurídico), tendo duração máxima de 720 dias, sem prejuízo da repetição ou prorrogação.

O plus que se pretende agregar ao falido sistema prisional brasileiro consiste em transformá-lo em máquina de fabricar loucos. Nossos presídios já fabricam organizações criminosas (PCC, CV etc., todas nascidas dentro deles). Agora querem que deles saiam alguns loucos.

Falência do sistema prisional

O colapso do sistema carcerário brasileiro que, por paradoxal e incrível que pareça, vem sendo denunciado inclusive pelo PCC, é absolutamente inegável. Lamenta-se que esse discurso incensurável seja acompanhado de violência e mortes desnecessárias. O Estado (e a sociedade civil também) sempre foi negligente com esse assunto. As agências de segurança do Estado de São Paulo acreditaram, equivocadamente, que a construção de presídios seria a solução para o problema da violência. A violência não diminuiu e dentro deles nasceram as “organizações criminosas” brasileiras, que facilmente corrompem seus agentes, extremamente mal remunerados. Contamos hoje (setembro de 2006) com 1.006 estabelecimentos penais e cerca de 365.000 presos. Faltam 90.000 vagas e existem mais de 200.000 mandados de prisão para serem cumpridos. O sistema prisional brasileiro, pelo que retrata de violência, crueldade e desumanidade, converteu-se numa tragédia nacional (e mundial), que ainda gerará muito sofrimento inútil (e, seguramente, novas organizações criminosas).

Ninguém mais se ilude com a idéia de ressocialização do preso, que naufragou desde os anos sessenta do século XX. Mas pelo menos se espera que o sistema prisional não o dessocialize (não o piore). Hoje, nos nossos presídios, ele não tem aprendido outra coisa que não seja modernas técnicas para se converter num novo “soldado” das facções criminosas. Enquanto esse problema não for encarado (por todos) como questão de sobrevivência do Estado e da sociedade, nada se pode esperar, senão mortes e sofrimentos inúteis.

Antes da era comunicacional e da revolução informacional, os presos achavam-se amontoados nos presídios e ficavam totalmente segregados. Deles não tínhamos nenhuma notícia, salvo quando eram assassinados pelo próprio Estado ou em rebeliões causadas por facções adversárias. O navio deles (dos pobres, excluídos, presos, prostitutas etc.) não era o nosso. Hoje tudo mudou! O navio é único! Os presos (vagabundos, prostitutas, ladrões de baixa categoria, pequenos traficantes etc.) continuam sendo mandados para o porão, mas agora eles possuem o controle do casco do navio. Os furos que vão provocando, com uma morte aqui e outra bomba ali, estão afundando o navio chamado “Brasil” que, tanto interna como externamente, já apresenta sinais inequívocos de esgotamento (físico, moral, cultural etc.).

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Fundador e presidente da Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes








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