Em ano eleitoral, é comum ver brasileiros compartilhando a opinião de que se trata do período em que mais se vê ações por parte dos agentes públicos. Algumas dessas condutas, porém, são vedadas pela legislação.
Vamos entender melhor.
É inegável que prefeitos e gestores públicos em geral têm a possibilidade de realizar variadas ações, não só em período eleitoral.
O problema surge justamente por causa das eleições. É que, no período que antecede o pleito, a legislação veda algumas condutas, caracterizando como ilícito eleitoral a sua prática nas situações previstas.
Quer ver como funciona na prática?
Um caso que serve de exemplo aconteceu no município de Bacuri-MA e acabou resolvido na Justiça [TJ/MA – remessa: 175072001 MA, relator: Antonio Guerreiro Júnior, data de julgamento: 25/10/01, CURURUPU].
Segundo os autos, determinada servidora pública concursada, aliada do candidato adversário do prefeito à época, foi transferida para um órgão a cerca de 25 km do local em que ela fora lotada inicialmente.
Ocorre que a transferência foi promovida dentro do período de 3 meses anteriores às eleições.
Para agravar a situação, restou comprovado que a real intenção da medida era de fato a perseguição política sofrida pela servidora em virtude do seu posicionamento político.
Logo, em conformidade com a lei, a solução mais adequada para o caso foi mesmo a anulação do ato de transferência. Por consequência, a servidora voltou a exercer sua função no local anterior.
Mas nem sempre as ações no âmbito do serviço público configurarão ilícito eleitoral. As hipóteses estão delimitadas na legislação.
Visando proteger a igualdade de oportunidades entre candidatos nas eleições, o art. 73 da lei 9.504/97 elenca várias condutas vedadas aos agentes públicos, servidores ou não, sob pena de incorrência em ilícito eleitoral.
Embora sejam diversas as hipóteses de vedação, vamos nos ater à interessante disposição do Inciso V, cuja redação proíbe, para servidores ou não:
V - nomear, contratar ou de qualquer forma admitir, demitir sem justa causa, suprimir ou readaptar vantagens ou por outros meios dificultar ou impedir o exercício funcional e, ainda, ex officio, remover, transferir ou exonerar servidor público, na circunscrição do pleito, nos três meses que o antecedem e até a posse dos eleitos, sob pena de nulidade de pleno direito, ressalvados:
a) a nomeação ou exoneração de cargos em comissão e designação ou dispensa de funções de confiança [...]
Como é possível observar da simples leitura do dispositivo legal, é proibido qualquer ato que impeça ou dificulte o exercício de função pública, bem como a extinção ou modificação das vantagens inerentes ao servidor.
Dessa maneira, a suspensão da ordem de férias dentro do período citado, sem demonstração do interesse da administração e com motivações políticas, caracteriza perfeitamente a conduta vedada [TSE – AAI 11.207/MG – DJe 11/2/10, p. 11].
Outrossim, a supressão de eventual gratificação, na janela de tempo estabelecida pela legislação, também é caso de conduta vedada e, por consequência, ilícito eleitoral.
Mas é importante frisar que tais condutas somente são vedadas quando partirem ex officio (por iniciativa) da autoridade competente.
Em resumo, um servidor pode requerer por conta própria sua exoneração ou transferência dentro do período de 3 meses anterior ao pleito.
Nessa circunstância, não há como se falar em ilícito eleitoral.
Por outro lado, embora as contratações e demissões sejam vedadas nesse período, o próprio art. 73, inciso V e alíneas da lei 9.504/97 ressalvam os casos de nomeação ou exoneração para cargos em comissão e designação ou a dispensa de funções de confiança.
Além disso, também é possível e legal a demissão do servidor por justa causa, dentro do período de 3 meses anterior ao pleito.
Nesse caso, evidentemente, deve ser respeitado o mandamento constitucional do devido processo legal.
Embora pareça complexo, esse dispositivo nos ensina que, caso o chefe do servidor realize sua transferência ou demissão por questões políticas, inexistente o interesse público, fica evidente o desvio de finalidade do ato e, portanto, resta vedada a conduta pela lei.
Mas o que é desvio de finalidade?
O desvio de finalidade consiste em qualquer ato que o gestor realize com uma intenção oculta e recriminável.
Apesar de haver um objetivo aparente, a intenção por trás desse comportamento não é a correta.
Em outras palavras, ao invés de realizar a transferência de um servidor para suprir um eventual déficit de pessoal em outra localidade, na verdade, o prefeito realiza tal ato com finalidades pessoais, seja vingança, perseguição política ou até mesmo aversão ao funcionário público.
E o direito do servidor demitido ou transferido, qual é?
Caso o servidor tenha sido demitido dentro do período de 3 meses anterior ao pleito, ele tem direito de ser reintegrado ao cargo que ocupava e do qual foi ilegalmente retirado, bem como de reaver os valores não recebidos
Já aquele servidor transferido irregularmente dentro do mesmo período deve ser direcionado ao antigo local de trabalho
Também é claramente possível a indenização por dano moral em ambos os casos, diante de todo o transtorno suportado pelo servidor.
Por fim, o servidor que foi demitido em desobediência ao art. 73 da lei 9.504/97 tem direito de receber os vencimentos devidos do período em que esteve fora por ato ilícito do poder público, bem como receber indenização por dano material diante da perda desses valores.
Quais as consequências da ocorrência das condutas vedadas?
Compreendidas as vedações, agora cabe analisarmos as consequências possíveis para quem age em desacordo com a lei.
Antes de mais nada, é importante destacar que o desvio de finalidade já implica na possibilidade de ação de improbidade administrativa manejada pelo Ministério Público.
Como tais situações geralmente ocorrem por questões de disputa política, caso tal ação seja ajuizada pelo MP, a legislação possibilita a suspensão do ato e a imposição de multa, ainda que a conduta não tenha sido realizada por agente público.
Anota-se que, constatada a ocorrência da improbidade, o prefeito ou gestor político responsável pode ter a inelegibilidade imposta.
No entanto, não se avalia somente a conduta do chefe do Executivo, mas também dos beneficiários e demais agentes políticos envolvidos.
Caso verificado o abuso de poder, abre-se a possibilidade de cassação do registro de candidatura ou mesmo do diploma do político, se já eleito (conforme o art. 22, inciso XIV, da LC nº 64/90).
Tudo isso é motivado por um princípio democrático fundamental: a máquina administrativa não pode ser colocada a serviço de candidaturas no processo eleitoral, sob risco de grave violação do livre exercício do voto.
Além disso, a legislação pertinente ainda informa que qualquer exoneração dentro do período vedado será suspensa e acarretará multa de 5 a 100 mil Unidades Fiscais de Referência (UFIR).
No Estado de Goiás, atualmente, o valor de uma UFIR corresponde a R$ 3,5226.
Logo, além da possibilidade de experimentar uma ação civil por improbidade administrativa, aquele que age em desacordo com a vedação legal poderá ter que pagar uma multa de aproximadamente até R$ 350.000,00.
E as penalidades não param por aí.
As sanções já mencionadas não excluem a possibilidade da ocorrência de crime.
Tal hipótese penal agrava sobremaneira a situação do perseguidor político diante da possibilidade da pena privativa de liberdade.
Em arremate, caso haja qualquer intercessão de prefeito, servidor público ou particular, no período anterior ao pleito, ocorrendo quaisquer das condutas vedadas que abordamos, é caso de ilícito eleitoral.
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