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Créditos Trabalhistas na Recuperação Judicial – Inovações do PL 4.458/20 do Senado – Quem ganha: A empresa ou os trabalhadores?

O prazo de pagamento dos créditos trabalhistas na recuperação judicial, com a alteração do artigo 54 do PL 4458/20, do Senado, irá favorecer a empresa em crise ou prejudicar os trabalhadores?

7/10/2020

I – Introdução

Em situação de crise econômica, historicamente, os passivos tributário e trabalhista sempre se constituíram nos maiores problemas ou entraves para o soerguimento das empresas.

Ao tempo do decreto-lei 7.661/45, a concordata só sujeitava os créditos quirografários. E esta era uma das limitações mais significativas do instituto, mas a Recuperação Judicial, por sua vez, submeteu os créditos com garantia real e os privilegiados, dentre eles, os trabalhistas, aos seus efeitos, deixando de fora os créditos tributários.

O artigo 54 da lei 11.101/05, ao tratar dos créditos trabalhistas decorrentes da legislação do trabalho ou de acidentes do trabalho, dispôs expressamente que o prazo para seu pagamento não será superior a 1(um) ano, desde que vencidos até a data do pedido de recuperação judicial.

O projeto de lei 6.229/05, que altera a lei 11.101/05, aprovado na Câmara dos Deputados, está agora em discussão no Senado (PL 4.458/20), e dentre as alterações propostas, está a nova redação do artigo 54 da LRF, que trata dos créditos trabalhistas ampliando o prazo de pagamento e fixando novas condições para sua aprovação no plano de recuperação.

Tais inovações irão favorecer a empresa e prejudicar os trabalhadores? Responder a esta questão, é o que trataremos neste artigo.

II – Posição Doutrinária e Jurisprudencial acerca do tema

O jurista Luiz Roberto Ayoub, em sua obra “A construção jurisprudencial da Recuperação Judicial”, reconhece que o limite temporal de até 1 (um) ano, previsto no artigo 54 da Lei, embora a norma tenha por escopo o relevante propósito de tutelar o interesse dos empregados, penaliza as empresas que mais empregam e que tem maior passivo trabalhista.

Segundo o autor, o exíguo limite temporal previsto no art. 54 da LRF para pagamento do passivo trabalhista é estabelecido com o relevante propósito de tutelar o interesse dos empregados. No entanto, precisamente por impor prazo tão curto, referida norma acaba por piorar a situação de empregados de empresas que mais empregam.

De fato, é inegável que empregam muito e que possuem expressivo passivo trabalhista, precisam fazer pesados desembolsos para quitar os créditos e, certamente, não conseguirão se reestruturar por meio do processo de recuperação judicial de empresas e terão por destino a falência.[1]

As sábias considerações de Luiz Roberto Ayoub são de todo pertinentes, eis que, levadas as empresas à falência pelo descumprimento do prazo de um ano, não apenas os empregados não terão sido pagos, como também muitos postos de trabalho serão perdidos. Ou seja, a LRF acaba por conduzir a resultado diametralmente oposto àquele que se visava alcançar pela regra do artigo 54 da lei.

Neste sentido, pode-se afirmar, como o fez o referido autor, que a norma contida no artigo 54 da LRF viola frontalmente o princípio da preservação da empresa, na medida em que não possibilita às empresas se reestruturarem e que empregados mantenham seus postos de trabalho.

A solução, para o mesmo doutrinador, poderia ser a negociação de maior prazo perante a Justiça do Trabalho, mediante requerimento ao presidente do TRT – 1ª região, que disciplinou a matéria pelo provimento 01/07 de 19/12/07, o denominado PPE.

Contudo, pela nova redação do artigo 54, proposta pelo PL 4.458/20 do Senado, que teve acrescentado o novo parágrafo 2º, passando o atual parágrafo único a ser mencionado como parágrafo 1º, o aparente conflito entre o interesse do devedor em obter um maior prazo e o dos trabalhadores de receberem o seu crédito de forma mais célere, está mitigado, privilegiando o instituto da Recuperação Judicial na sua mais importante feição, que é o soerguimento da empresa em crise e a preservação da empresa, como consignado no artigo 47 da própria LRF!

Este debate acerca da necessidade de ampliação do prazo para pagamento dos créditos trabalhistas na recuperação judicial e a tutela do interesse dos trabalhadores, dada a sua natureza alimentar, não é de agora: desde a edição da nova lei 11.101/05, esta questão já preocupava os doutrinadores e os tribunais. Esta autora sempre defendeu a possibilidade da ampliação do prazo para pagamento dos créditos trabalhistas pela Recuperanda, vez que não teria sentido levar uma empresa à falência, por descumprimento do Plano, se ela demonstrasse a necessidade de extensão do referido prazo.

Em obra por mim publicada ainda em 2007, entendíamos que se a empresa se encontra em situação de crise econômica e há risco, inclusive, de uma possível convolação em falência, caso haja descumprimento do Plano de Recuperação, não havia razão para que o juiz não pudesse prorrogar esse prazo com vistas a possibilitar o êxito do processo de recuperação. Mais uma vez, os adeptos das causas trabalhistas irão dizer que os trabalhadores não podem assumir os riscos do empreendimento. De fato, o risco é do empresário. Mas, a perda dos postos de trabalho não se insere no âmbito do interesse dos empregados? Não nos parece razoável retirar do juiz a prerrogativa de prorrogar esse prazo, SE OUVIDOS OS EMPREGADOS, eles manifestarem-se acordes.[2]

Outra questão que merece destaque é a de que a lei 11.101/05, quando editada, previu no artigo 54 que o prazo de até um ano se aplicava ao pagamento dos créditos derivados da legislação do trabalho e os decorrentes de acidentes do trabalho, restringindo, como se vê, sua abrangência.

Ocorre que, com o passar dos anos, por construção pretoriana, a interpretação dada a este tratamento superprivilegiado dos créditos trabalhistas, dada sua natureza alimentar, foi se estendendo a outros créditos, a começar pelos honorários advocatícios, que tiveram reconhecida a mesma natureza e foram incluídos no rol do artigo 54 da LRF.

O STJ, no Resp 1.152.218/RS, representativo de controvérsia, por voto do eminente relator, ministro Luís Felipe Salomão, reconheceu que os créditos resultantes de honorários advocatícios, ainda que devidos por pessoa jurídica, tivessem o mesmo tratamento dos créditos trabalhistas, inserindo-os, portanto, no disposto do artigo 54, engrossando, assim por dizer, o rol dos créditos a serem pagos em até um ano e aumentando o valor do passivo trabalhista.

As dificuldades não pararam aí, outras decisões do STJ continuaram a interpretar extensivamente o artigo 54, incluindo outros créditos, também ao argumento da natureza alimentar.

É o caso do Resp 1.851.770/SC, de relatoria da eminente ministra Nancy Andrighi, que considerou os valores referentes a prestação de serviços contábeis e afins (veja-se a abrangência!) como de natureza análoga a salários e, por conseguinte, devendo ter tratamento uniforme em processos de soerguimento, ainda que a verba tenha sido constituída por sociedades simples.

O mais preocupante é lembrar que o STJ, até pouco tempo, ao reconhecer aos honorários advocatícios a preferência dos créditos trabalhistas, não distinguia entre honorários, os contratuais, devidos ao profissional do direito ou a seu escritório pela prestação de serviços, e os sucumbenciais, resultantes de condenação em sentenças proferidas antes e após o pedido de recuperação judicial, o que foi superado pela Segunda Seção em abril de 2020[3].

É de se imaginar o aumento que isso provocaria no montante do passivo trabalhista e a dificuldade para a recuperanda de quitá-lo em até um ano, e, ao mesmo tempo, continuar operando!

III – Projeto de lei 4.458/20 do Senado

Felizmente, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei 6.229, de 2005, de relatoria do deputado Hugo Leal, que altera a lei 11.101/05, agora em discussão no Senado sob o PL 4.458/20.

O artigo 54, se aprovado na Câmara Alta do Congresso, passará a vigorar acrescido de novo parágrafo 2º, passando o atual parágrafo único a ser mencionado como 1º, nos seguintes termos:

§ 2º O prazo estabelecido no caput deste artigo poderá ser estendido em até dois anos adicionais, se o plano de recuperação judicial atender aos seguintes requisitos, cumulativamente:

I – apresentar garantias julgadas suficientes pelo juiz;

II – ser aprovado pelos credores titulares de créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes do trabalho, na forma do § 2º do art. 45 desta Lei, e

III – garantir a integralidade do pagamento dos créditos trabalhistas.

Assim, deve se entender que o prazo para pagamento dos créditos trabalhistas na recuperação judicial será de, até 3 (três) anos, pois a nova redação fala em até dois anos ADICIONAIS, portanto, a serem somados ao ano anteriormente previsto pelo legislador.

Quanto à exigência da realização da assembleia de credores titulares dos créditos trabalhistas, parece-nos estar em harmonia com o que sempre defendemos, ou seja, se os empregados são os maiores interessados no pagamento dos seus créditos, e se ouvidos, manifestarem-se acordes, porque não estender o prazo do artigo 54?

As outras duas exigências são totalmente adequadas à espécie, porque prevêem, a primeira, a apresentação de garantias suficientes ao juiz, portanto, ao crivo do julgador, e a segunda, desde que o maior prazo garanta a integralidade do pagamento dos créditos. Não teria sentido ampliar-se o prazo se não fosse para quitar integralmente os créditos trabalhistas.

A questão última que remanesce é saber qual o critério do juiz para avaliar as garantias oferecidas pela Recuperanda, se serão ou não suficientes a justificar a extensão do prazo. Para tanto, entendemos que o julgador deva se utilizar de parecer do administrador judicial que lhe ofereça subsídios na justa e correta avaliação das garantias apresentadas.

Assim, o que nos parecia um grave risco ao sucesso do soerguimento das empresas em crise, que detém grande passivo trabalhista, foi adequadamente mitigado com a nova redação do artigo 54 dada pelo PL 4.458/20, atendendo, a nosso ver, tanto o interesse das empresas, como o dos trabalhadores que também terão assegurado o recebimento dos seus créditos.

Esperamos que seja, assim, aprovado, sem delongas, acerca deste tema, pelo Senado.

__________

1 AYOUB, Luiz Roberto, CAVALLI, Cássio. A Construção jurisprudencial da recuperação judicial de empresas. 3ª ed. rev. atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 236.

2 GUIMARÃES, Maria Celeste Morais. Recuperação Judicial de Empresas e Falência à luz da Lei nº 11.101/2005. 2ª ed. rev. atual. e ampl. – Belo Horizonte: Del Rey, 2007, p. 149.

3 Ver a respeito o Resp 1.841.960/SP, Rel. p/ Acórdão min. Luís Felipe Salomão, 2ª seção, julgado em 12/2/20, DJe 13/4/20. Ementa – Recurso Especial. Recuperação Judicial. Honorários Advocatícios Sucumbenciais. Sentença posterior ao Pedido de Recuperação Judicial. Natureza extraconcursal. Não sujeição ao Plano de Recuperação e a seus efeitos.

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*Maria Celeste Morais Guimarães é advogada, sócia do escritório Nemer e Guimarães Advogados. Vice-presidente da Comissão Especial de Falências e Recuperação Judicial do Conselho Federal da OAB.

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